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    “A loucura é a última linha de defesa da mente contra a realidade insuportável. É um refúgio sombrio onde buscamos escapar das verdades dolorosas que nos perseguem.” 

    — Misteriosos inscritos no templo da Adaga Arcana. Sem autor identificável.


    O ambiente ao redor ecoava com as palavras cortantes de Isabella, cada uma atingindo Harley como lâminas afiadas, perfurando sua alma. A verdade, oriunda de um futuro ainda não vivido pelo jovem, desenrolava-se diante dele como uma ilusão cruel.

    Isabella, com olhos abrasados de raiva e amargura, iniciava uma narrativa que misturava verdades, mentiras e perspectivas distorcidas. Cada palavra, cada acusação, se transformava em um golpe estratégico, meticulosamente planejado para corroer os alicerces de sua sanidade.

    — Você, Harley, sempre fugindo. Fugiu de mim, fugiu do clã, fugiu das responsabilidades — disse sua ex-noiva, com olhos abrasados de raiva e amargura — Seu medo governa sua vida, sua covardia determina seus passos. Lembra-se da tradição? Lembra-se do desafio que você ignorou? Seu próprio egoísmo deu a Sergio a oportunidade de tomar tudo o que era nosso.

    A voz de Isabella era um veneno, uma mistura de rancor e decepção. Harley, perplexo, tentava processar as revelações, como se um espelho distorcido refletisse uma versão deturpada de sua própria história. 

    A lembrança de que, mesmo com o cancelamento do casamento feito por Isabella, qualquer novo pretendente ainda teria que desafiá-lo, atormentava seus pensamentos. Seria sobre isso que ela se referia? Poderia ele ser um covarde ao recusar um desafio de um inimigo, mesmo que não se importasse mais com ela? 

    A oportunidade de se vingar pairava diante dele, questionando sua coragem e desafiando a integridade de suas escolhas. Em meio a esses pensamentos tumultuados, a voz de Isabella continuava a ressoar, empurrando-o para o abismo de suas próprias dúvidas e tormentos.

    — Você não fez nada. Você só fez promessas de vingança. Mas sempre foi um fraco, um medroso. Seu clã foi dizimado, seus amigos morreram. Anastasia, Lysandra, Thalassa… todos perdidos por causa de suas escolhas equivocadas. Você não foi capaz de proteger aqueles que dependiam de você. Como ousa chamar a si mesmo de humano? Você só se importa com você mesmo. 

    Cada nome pronunciado por Isabella era uma revelação desconcertante, uma visão assombrosa do que Harley considerava impossível para o seu futuro. A acusação de fraqueza ressoava como um eco cruel, preenchendo o espaço entre eles. 

    O jovem, enredado na teia do futuro que se desenrolava diante dele, via-se incapaz de reconciliar essas revelações com a vida que ele acreditava que teria. Cada palavra de sua ex-noiva era uma faca afiada, cortando as expectativas que Harley tinha para si mesmo, transformando sua realidade em uma miragem distorcida e perturbadora.

    — E as mulheres de sua vida? Todas as outras pessoas que você ainda nem conheceu. Você as deixa serem roubadas e mortas por Sergio. Sua negligência e covardia  permitiu que ele ceifasse cada uma delas. Você é um cúmplice de suas atrocidades, um egoísta que não se importou com o jovem líder do clã Dragões de Sangue destruindo tudo à sua volta.

    O peso da responsabilidade caía sobre Harley, cada palavra como uma corrente, prendendo-o aos possíveis erros tanto do passado quanto do futuro. Isabella tecia um retrato vívido e doloroso da jornada que poderia ser trilhada por seu ex-noivo.

     Cada frase era um fio a mais, entrelaçando-se em um quadro desolador de escolhas e destinos possíveis. Internamente, Harley negava para si mesmo a possibilidade de ter tomado tais atitudes, abandonado todos e nunca se vingado de Sergio. A incongruência entre as narrativas do passado presente e futuro fazia sua mente girar em um turbilhão de dúvidas e negações.

    — Não é de se admirar que você seja um homem solitário. Seu medo de depender dos outros apenas reforça sua solidão. Até mesmo a fuga para outros mundos não é suficiente para escapar da sua própria fragilidade. Você é um arquiteto do seu próprio isolamento.

    Harley, compreendendo que a confiança sempre fora um luxo inalcançável, até mesmo dentro de sua própria família, refletia sobre a natureza de suas experiências. Em sua casa, todos eram treinados para a independência, desconfiança e para não esperar ajuda de ninguém. 

    Na vida que conhecia, não existiam soluções mágicas ou auxílio providencial. Tudo era moldado por suas próprias mãos e decisões. A solidão, uma constante em sua jornada, ecoava de maneira mais coerente com tudo que havia enfrentado até então.

    Contudo, ao confrontar as projeções de um possível futuro desenhadas por Isabella, Harley se via diante de um dilema. Como poderia ele, um homem marcado pela vingança e pelo cuidado com aqueles ao seu redor, abandonar pessoas importantes em seu caminho? Ele, que nunca experimentara sentimentos amorosos e protetores em sua vida, compreendia a preciosidade desses laços e não poderia desconsiderar ou desvalorizar aqueles que sinceramente demonstraram sua importância e valor. 

    O que teria acontecido no futuro para alterar tão drasticamente sua essência? Esse retrato pintado por Isabella, embora parecesse provável, contrastava de maneira desconcertante com o homem que ele conhecia agora. Surgia, assim, uma dúvida que começava a minar e estilhaçar seu resistente escudo emocional.

    — Sua fuga constante, sua relutância em enfrentar as verdades incômodas… Harley, você é o arquiteto de sua própria ruína. A loucura não é apenas um destino possível, é a inevitável consequência de suas escolhas.

    Subitamente, a revelação de que, no futuro, Harley havia sucumbido à loucura, ecoou na mente do jovem como um trovão ensurdecedor. O impacto da verdade distorcida desencadeou um abalo profundo, fazendo com que ele se questionasse se sua realidade atual era, de fato, tangível. 

    A dúvida, como uma semente plantada, começou a germinar, e ele se viu envolto por uma neblina de incertezas. A possibilidade de ter perdido a sanidade sutilmente infiltrou-se em seus pensamentos, trazendo consigo uma sensação de desorientação e perplexidade. 

    Agora, diante da sugestão de que a loucura era inevitável, Harley começava a reconsiderar cada escolha, cada decisão que o trouxe até aquele ponto. Se, de fato, ele havia perdido a razão no futuro, as ações que Isabella descrevera de repente faziam mais sentido. A neblina mental de incertezas crescia, e o jovem, abalado, se debatia contra a escuridão que ameaçava envolvê-lo.

    Essa mesma neblina de incertezas que envolvia Harley foi momentaneamente interrompida por uma percepção aparentemente trivial: um brilho começou a piscar em intervalos regulares no pescoço de Isabella. 

    Pela primeira vez, ele notou o adereço em forma de colar adornando sua ex-noiva. No entanto, em meio à revelação, uma reflexão intrigante aflorou em sua mente sobre o gosto questionável dela, optando por usar algo tão peculiar, que ironicamente remetia à uma coleira animal pela sua semelhança.

    — Harley — iniciou Isabella, interrompendo os pensamentos de seu ex-noivo — seu pai conseguiu escapar e retornou ferido ao Continente das Terras Esquecidas.

    O jovem avançou em direção a sua ex-noiva, a ansiedade por mais informações sobre seu pai superando qualquer temor de ser atingido. Sobrecarregando-a com uma enxurrada de perguntas, ele indagou:

    — Onde ele estava? Ele está bem? Quando foi a última vez que você o viu?

    Apesar da indecisão que pairava nos olhos de Isabella, ela finalmente cedeu à necessidade de Harley por mais verdades:

    — Infelizmente, neste dia do retorno de seu pai, Sergio destruiu tudo — revelou ela, sua voz carregada de pesar e tristeza.

    Era evidente que, à medida que Isabella compartilhava seu passado, que para Harley representava um futuro ainda não vivido, uma transformação sutil se desenhava em sua expressão. O ódio e a raiva que antes impregnavam suas palavras começavam a dissipar-se, como se o ato de revelar e liberar toda a sua mágoa e decepção estivesse purgando parte desses sentimentos.

    — Todo o continente, com seus clãs e habitantes, foi varrido da existência por Sergio. Não sobrou nada além da neblina que agora paira sobre as águas, ocultando os destroços submersos.

    A notícia, carregada de tragédia, perfurou a resistência emocional de Harley. A ideia de reconstruir sua tribo, salvar seus entes queridos e, principalmente, vingar seu povo agora parecia uma miragem distante. 

    Uma onda crescente de ódio direcionado a Sergio se ergueu dentro dele, obscurecendo até mesmo suas mais profundas dores emocionais. Nesse turbilhão de emoções, ele percebeu a gravidade da situação e o peso avassalador de suas próprias limitações.

    A chama do ódio, anteriormente um fogo ardente, agora crescia para se tornar uma torrente imparável. Sergio era agora a única pessoa viva e o único responsável por suas dores, males e sentimentos de vingança. 

    Sergio, o autor da devastação, tornou-se a personificação do mal aos olhos de Harley. A magnitude do ódio era monumental, uma força que impelia o jovem a buscar vingança com uma intensidade avassaladora. Cada fibra de seu ser clamava por justiça, uma justiça que só poderia ser alcançada pela aniquilação de seu único inimigo restante. 

    De maneira surpreendente, o colar de Isabella começou a piscar em uma frequência mais acelerada, atraindo novamente a atenção de Harley.

    — Este colar — disse ela percebendo novamente o olhar de seu ex-noivo no objeto — este colar não é apenas um acessório de moda grotesco. É um dispositivo de controle implantado por Sergio. Se eu tirá-lo, o colar explode. Se ele morrer, este dispositivo se auto-destruirá, evitando que eu tente tirar a vida dele.

    A realidade mergulhou Harley em uma nova camada de desespero. O controle de Sergio sobre ela, simbolizado pelo colar, adicionou uma dimensão ainda mais sombria ao quadro. Ele, agora confrontado com a impossibilidade de salvar Isabella sem colocar sua própria vida em risco, sentiu-se encurralado por circunstâncias que escapavam ao seu controle.

    O ambiente ao redor tornou-se tenso à medida que o colar de Isabella, antes piscando em intervalos regulares, deu um último brilho intenso. A luminosidade agora emanava de forma contínua, preenchendo o espaço ao redor com uma aura intensa. Harley, surpreso e perplexo, fixou os olhos na mudança súbita. O silêncio pairou, ecoando a incerteza do que aquela transformação representava.

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