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    “Em cada homem reside um fragmento de loucura. É essa centelha que os impulsiona a desafiar o destino e a moldar o futuro com suas próprias mãos.” 

    — Fragmentos da Libertação, de Nostradamus.


    Sergio Romanov corria pelo deserto implacável, o calor escaldante dos três sóis queimando sua pele. O vento seco e cortante fustigava seu rosto enquanto ele lançava olhares furtivos para trás, como um animal acuado, à espera do predador. 

    Cada passo que ele dava parecia ecoar uma advertência. Havia algo à espreita, uma força invisível que o perseguia, implacável. Era uma sensação diferente de qualquer outra que ele já tivesse experimentado, como se o próprio deserto fosse um campo de batalha, e o inimigo, o próprio ar que ele respirava.

    O calor exaustivo tornava a fuga insuportável, mas Sergio continuava. O vento, carregado de areia, sibilava nos seus ouvidos, como um sussurro macabro que repetia seus piores temores. Ele se odiava por estar fugindo. Odiava cada fibra de seu corpo por ceder à fraqueza, à necessidade desesperada de sobreviver por mais um dia. 

    A raiva queimava em seu peito como um incêndio fora de controle, alimentada pela frustração de mais uma derrota amarga. Mais uma vez, ele se via forçado a abandonar o campo de batalha, trocando o orgulho pela simples chance de continuar respirando.

    “Maldito seja!” — murmurou para si mesmo, os dentes cerrados em fúria. 

    Como punição, ele deslizou uma adaga contra seu pescoço, traçando uma linha fina. O sangue escorreu pelo corte, uma marca física da vergonha. Fuga era mais do que uma derrota: era uma rendição, uma submissão à escuridão que ele jurara destruir. 

    Era uma ferida em sua alma, uma cicatriz que jamais cicatrizaria. Com outro movimento brusco, fez um segundo corte, mais profundo, como se quisesse gravar essa humilhação em seu próprio corpo. Esta derrota não era apenas amarga, era desonrosa. Ele não se perdoaria por isso.

    No âmago de sua alma, Sergio sabia que não havia escolha. O mundo era cruel, e cada passo adiante demandava sacrifícios inimagináveis. Ele estava vinculado a um propósito que transcendia sua própria vida. 

    Nada, nem mesmo sua fraqueza momentânea, o desviaria de cumpri-lo. Sua luta não era apenas contra inimigos visíveis, mas contra a própria escuridão que ameaçava consumi-lo por dentro.

    Ele seguia uma figura teimosa no vasto deserto. Cada gota de sangue que caía de seu pescoço sobre a areia quente parecia um lembrete de sua determinação. Cada passo era uma batalha, cada respiração uma reafirmação de sua vontade. 

    Ele recusava-se a sucumbir, mesmo que tudo ao redor sugerisse o contrário. Se havia fôlego em seu peito, havia esperança. Mesmo que essa esperança fosse apenas um fio tênue, uma promessa distante de redenção, ele se agarraria a ela até o último suspiro.

    Sergio não permitiria que a derrota definisse seu destino. Ele era mais do que os erros do passado, mais do que as cicatrizes que marcavam seu corpo e alma. A chama da sua força interna queimava intensamente, recusando-se a apagar. 

    Mesmo que o desespero e as probabilidades acumulassem contra ele, o jovem líder dos Dragões de Sangue não cederia. Para ele, cada derrota era uma oportunidade de aprender, de se fortalecer e de retornar, mais letal e determinado do que antes.

    No entanto, enquanto seus pensamentos giravam em torno da incerteza do futuro, um encontro inesperado o paralisou. Isabella, a mulher que ele havia ferido e abandonado sem misericórdia, surgiu à sua frente. 

    Sergio parou bruscamente, o olhar cheio de incredulidade: 

    “Como ela poderia estar ali? Como havia sobrevivido ao abandono, ao deserto implacável?”

    — Impossível! — murmurou, a palavra escapando de seus lábios em um tom baixo, quase inaudível.

    Isabella, por sua vez, enfrentava-o com desprezo. A traição que ela havia sentido, o desespero de ser deixada para trás, tudo isso estava gravado em seus olhos. 

    Contudo, sua presença ali não era apenas um resquício de sofrimento. Ela estava de pé, desafiando Sergio com seu olhar firme, como um espectro que retornava dos confins da morte para confrontá-lo.

    — Todos os homens são monstros — disse ela, a voz carregada de uma amargura que parecia reverberar pelo deserto — Harley me trouxe até aqui, e depois me descartou… como você fez.

    Sergio franziu o cenho, desconfiado, tentando processar as palavras dela. Ele não confiava nela, nem no que via diante de si.

    — E o que ele queria? — questionou, a voz grave, procurando algum sinal de traição no rosto dela.

    Isabella suspirou, uma tristeza profunda marcando suas palavras: 

    — O que mais poderia ser? Ele quer sua cabeça — as palavras saíram como um veredito inevitável — Mas, como sempre, você escapou. Ele não me encontrou útil… Não servia mais para ele. Com meus ferimentos, eu seria apenas um fardo.

    Sergio sentiu uma estranha ironia tomar conta dele. Mesmo Harley, com todos os seus pretensos códigos de honra, demonstrava a mesma crueldade impiedosa que ele próprio praticara. 

    Aquelas palavras plantaram uma dúvida amarga em seu coração. Ele estava preso em um ciclo de violência e traição do qual não parecia haver escapatória.

    — Por que você está aqui? — indagou, os olhos fixos nos dela, procurando a verdade por trás da dor.

    Isabella o observou com intensidade, como se estivesse ponderando se deveria dizer mais alguma coisa. O silêncio entre eles era pesado, carregado de lembranças amargas e perguntas não respondidas.

    Sergio estava prestes a dizer algo, quando, num movimento inesperado, ele atacou. 

    A lâmina de sua adaga negra rasgou o ar e se cravou no corpo de Isabella. O grito dela foi curto, abafado, mas seus olhos não se desviaram dos dele. A dor e o choque refletidos em seu olhar penetravam fundo na alma de Sergio.

    — Quem é você? — rosnou, sua voz agora carregada de fúria. A verdadeira Isabella não poderia estar aí. Ela está morta… ou perdida para sempre. Não há como isso ser real.

    Isabella ofegava, a mão ensanguentada pressionando o ferimento — Você… abandonou seu clã, Sergio — sua voz saiu trêmula, mas implacável, como uma sentença final.

    Essas palavras penetraram fundo na mente de Sergio, revivendo memórias que ele lutava para enterrar. Ele não conseguia evitar. O passado invadiu seus pensamentos. Ele viu-se de volta à sua infância, preso na sombra constante de seu irmão mais novo, sempre superior em tudo.

    Cada derrota que sofrera quando criança ainda pesava sobre ele, cada revés uma marca dolorosa em sua alma. A cada derrota, Sergio cortava um pedaço de si mesmo, uma marca física de sua vergonha. 

    Primeiro o braço direito, depois o esquerdo, e então as pernas. Ele queria sentir a dor, a queimação da derrota, para alimentar sua sede de vingança.

    Ele lembrava de cada fracasso, de cada humilhação. Milhares de falhas se acumulavam em sua mente como pedras, formando uma parede de desesperança.

    Aos nove anos, ele já havia perdido a conta das vezes que fora derrotado. Não importava o que tentasse. Seja nos treinamentos, nos testes de força ou nos jogos…

    Ele nunca superava seu irmão. A cada novo fracasso, Sergio cortava a si mesmo, marcas físicas que simbolizavam a vergonha e a dor que ele carregava dentro de si.

    “Eu não sou ninguém” — repetia para si mesmo. 

    A cada derrota, sua identidade se desintegrava. Ele não era mais o filho do líder do clã dos Dragões de Sangue. Ele era mais um garoto preso em uma gaiola em um mar de decepções no seu clã anterior.

    O veneno foi sua solução. Ele o despejou no jantar do clã, a última tentativa de se libertar da sombra de seu irmão e de sua própria impotência. Mas tudo saiu errado. 

    Sua mãe morreu, mas seu pai e irmão sobreviveram. As cicatrizes daquela noite permaneceram para sempre, uma lembrança amarga de que ele havia falhado até mesmo em sua vingança.

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