Capítulo 106 – Ardis e conspirações

“Os maiores mistérios da vida são aqueles que não podem ser resolvidos, apenas vividos. É no desenrolar das experiências que encontramos as respostas, nas jornadas que nos transformam de maneiras que nunca imaginamos.” 

— Fragmentos da Libertação, de Nostradamus.

— Ganhamos! E eu proponho… que em vez de uma execução imediata para ambos… Um duelo com este ser inferior e a oferta da princesa como minha esposa.

Enquanto o som cessava depois da declaração, a energia inicialmente comprometida no julgamento era redistribuída entre os vencedores, várias correntes de energia se ligavam à massa principal e os vencedores absorviam suas respectivas partes, conforme a divisão equitativa da energia inicial, além da energia das entidades que inicialmente haviam decidido contra. 

Isso resultava na recuperação da energia original pelos vencedores, agora acrescida da divisão da energia inicialmente comprometida pelo grupo que apoiou a decisão perdedora. Com essa nova divisão, a balança de poder mudava, já que o pai de Ivana não era mais o mais forte.

A nova entidade forte, utilizando seu filho para aumentar seu status, aproveitava-se disso, pois o poder já havia sido estabelecido. Com a proposta de duelo e a oferta de Ivana para ser esposa da entidade que a fizera, as demais entidades, diante da quantidade considerável de energia comprometida na primeira parte do julgamento e das perdas anteriores, pareciam desinteressadas em comprometer mais energia para uma nova decisão. 

E a outra parte, daquelas que haviam ganhado energia na primeira decisão, parecia estar aliada ou uma parte não queria contradizer a entidade agora mais poderosa e seu filho, que desejava aumentar seu status e sua influência no mundo sombrio. Assim, se não houvesse novos compromissos de energia, a proposta seria mantida e aceita.

A proposta ousada reverberou incisivamente nas mentes de todos os presentes, que compreenderam profundamente as implicações daquele movimento audacioso. 

A entidade que agora detinha o maior poder ergueu-se majestosamente, sua figura imponente envolta em uma aura de domínio e ambição, enquanto aqueles aliados ao pai de Ivana exalavam desconforto diante dos desdobramentos e das intenções do grupo adversário, que havia conquistado predominância no julgamento.

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Para essa raça de demônios, o poder não estava ligado apenas a uma questão de força bruta, mas também à linhagem e aos compromissos estabelecidos por tradição. Mesmo com o aumento de poder, o grupo opositor ao pai de Ivana ainda não teria o status necessário para exercer influência, pois a hereditariedade e os laços matrimoniais continuavam a determinar a hierarquia na sociedade demoníaca.

Enquanto isso, a conexão entre as mentes de Ivana e Harley, estabelecida anteriormente para transmitir informações e facilitar sua fuga, agora se tornava uma prisão emocional. 

O casal estava ligado de uma forma que impossibilitava a mentira e a desonestidade, compartilhando todas as emoções e comportamentos sem o véu da dissimulação que outros demônios podiam empregar. Além disso, eles haviam compartilhado seus corpos e sangue, tornando sua ligação ainda mais profunda e irrevogável.

O desafiante tinha um plano claro em mente: matar Harley para quebrar a ligação entre eles, permitindo que a princesa fosse tomada como esposa, aumentando assim seu próprio status e influência. 

Ele compreendia que Harley e Ivana estavam profundamente conectados, compartilhando todas as emoções e comportamentos sem máscaras ou dissimulações, ao contrário da ligação comum entre todos os outros demônios. 

E para complicar ainda mais, eles em um ritual haviam compartilhado seus corpos e sangue, solidificando essa ligação de maneira ainda mais profunda e irreversível. 

Decidido a seguir os preceitos ancestrais registrados nos antigos tomos demoníacos, que ditavam que para estabelecer uma nova ligação era imprescindível que uma entidade demonstrasse sua supremacia ao romper os laços de um concorrente, revelando sua força sombria máxima e mergulhando em seu sangue para absorver todas as conexões sombrias previamente estabelecidas, ele estava pronto para arriscar tudo. 

Embora houvesse o risco de não conseguir mais estabelecer uma conexão com sua futura esposa, ele não hesitaria em buscar os status e benefícios que a união traria.

Uma estratégia ardilosa para entrelaçar seus desejos pessoais com os interesses políticos da sociedade demoníaca. Era evidente para todos que, para o líder, era mais prudente aceitar a proposta dos vencedores, optando por preservar a influência de seu grupo em vez de arriscar a perda definitiva de sua única filha.

O pai de Ivana, em nítido contraste com as outras entidades presentes durante o julgamento, permanecia imperturbável, fechado a qualquer forma de compartilhamento, sem permitir que qualquer emoção transparecesse em seu semblante. Apesar da atitude desrespeitosa e do confronto sem precedentes, sua expressão permanecia inabalável, resistente à pressão e ao caos ao seu redor.

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Enquanto todos pareciam antecipar a iminente reação de retaliação por parte do pai de Ivana, que mesmo com menos energia, mantinha o controle absoluto sobre a distribuição e manipulação da energia sombria. Ele sabia que podia retirar energia de quem quisesse e até mesmo eliminar qualquer um naquele salão com relativa facilidade. 

Apesar do nervosismo que às vezes transparecia em algumas entidades, ele permanecia pensativo, seu olhar penetrando o salão com uma calma calculada. Ele refletia silenciosamente sobre os motivos por trás daquela atitude aparentemente impensada. 

Era claro para qualquer um que pensasse a respeito, que esse tipo de julgamento sempre favorecia aqueles com mais energia sombria acumulada, então o que esse grupo esperava alcançar desafiando essa lógica? Enquanto quebrava a cabeça em busca de respostas, o líder permanecia determinado a descobrir a verdadeira intenção por trás das ações do grupo rival.

A energia empregada para a participação no julgamento, e a energia adquirida pelos vencedores, não poderia ser utilizada até que a consolidação fosse efetuada. Isso era uma lei estabelecida no mesmo julgamento, visando evitar manobras e dar uma vantagem substancial para o líder. 

Essa tradição era especialmente rigorosa em favorecer o líder, evitando manobras para sabotar sua liderança ou diminuir sua influência nas decisões. Essa regra fundamental era uma salvaguarda contra tentativas de minar o poder estabelecido e garantir a estabilidade do governo demoníaco. Mas mesmo assim, algo parecia estar fora de lugar. 

Consciente dos anseios do grupo adversário em aproveitar a oportunidade para ascender ao poder e status, ele não pôde evitar um leve sorriso de desdém. Achava risível que imaginassem que ele não tinha uma estratégia à altura para contrapor aquela manobra tão simples e rudimentar. 

Com um gesto firme e decidido, o pai de Ivana lançou-se novamente ao jogo. Ele comprometeu-se mais uma vez, desta vez arriscando 34,17% de energia sombria. Esse valor correspondia a 41% da energia remanescente da entidade mais poderosa naquele salão. E, surpreendentemente, a própria entidade que queria tomar sua filha como esposa era, na verdade, a mais forte ali presente.

Um silêncio solene tomou conta do salão enquanto todos observavam a nova jogada e aguardavam com expectativa o desenrolar dos acontecimentos.

Com um novo comprometimento de energia sombria, o pai de Ivana eclipsou a capacidade de todos os presentes de igualá-lo, efetivamente encerrando o julgamento. 

Com nenhum dos presentes no salão possuindo energia suficiente para se comprometer novamente, uma nova votação seria inviável. Assim, com uma ação decisiva e estratégica, ele assumiu a liderança das negociações, testando as águas com astúcia calculada. 

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— Como minha posição de energia é definitiva e sem contrapartidas — iniciou ele — proponho a permanência eterna de Ivana no mundo sombrio.

O desfecho do julgamento selava o destino de Harley, enquanto também condenava o grupo opositor à eliminação, visando evitar possíveis complicações futuras. Essa era a conclusão que ecoava para Ivana, deixando-a com um sentimento de indignação e desespero em relação a Harley. 

Eles tinham escapado da Guardiã Sombria por um triz, apenas para se encontrarem presos em seu próprio mundo, e para Harley, ganhando apenas um breve respiro de vida adicional. Era uma derrota inestimável para ela, enfrentando sua adversária do outro clã demoníaco, e dessa vez perdendo preciosidades irrecuperáveis. 

“Como posso erguer a cabeça novamente, incapaz de sequer me proteger? Que tipo de herdeira inútil para meu clã me tornarei agora, proibida de deixar meu próprio mundo sombrio?” — lamentava-se Ivana. 

Enquanto todos estavam absorvidos em suas próprias percepções, algo mudou novamente. 

— Desculpem o meu atraso! — disse uma densa entidade de energia sombria que adentrava no salão espantando a todos — Essa entidade velha não se movimenta como antes. O que eu perdi e quanto de energia tenho que compensar para participar?

Essas palavras ecoaram pelo salão, despertando surpresa em Harley através da conexão com Ivana, revelando a identidade do recém-chegado. Tratava-se de uma entidade que há muito tempo estava reclusa, alheia às decisões e à gestão da raça demoníaca. Em um passado distante, ele havia tentado disputar a liderança do mundo sombrio, sem sucesso em todas as tentativas. 

A nova entidade, ao compreender a situação, comprometeu-se imediatamente com os 50% iniciais de energia sombria, seguido pelos 34,17% do líder, compensando os 5% do segundo julgamento e adicionando ainda mais energia. No entanto, sua ação revelou o verdadeiro plano por trás daquele julgamento. 

Ele possuía a mesma quantidade de energia que o pai de Ivana, o que significava que se o pai de Ivana igualasse sua energia, ele seria obrigado a comprometer toda a sua energia e, em consequência disso, enfrentaria a morte. 

Assim, essa nova entidade estava trocando sua vida pela possibilidade de manter a proposta anterior, na qual a princesa seria tomada em casamento pelo grupo que almejava ascender ao poder. 

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Enquanto isso, o pai de Ivana, aturdido pela reviravolta, percebeu sua própria negligência e imprudência diante de uma situação além de suas habilidades. Toda sua arrogância e confiança haviam sido desfeitas, e ele se via agora sendo conduzido pelos inimigos, erroneamente acreditando estar no controle.