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    “Relatos indicam que na mitológica Dimensão Sombria, as batalhas se davam não apenas contra o inimigo visível, mas contra os demônios internos que sussurram dúvidas e medos. O verdadeiro confronto sempre era  travado dentro de si mesmo.” 

    Discursos do Grande Explorador Zandar, Vol. sobre possíveis dimensões.


    Harley encontrava-se diante de uma encruzilhada sombria, envolto em uma aura densa de energia que o aprisionava, uma prisão invisível que o envolvia como uma sombra insidiosa. 

    Enquanto se debatia contra as amarras invisíveis que o prendiam, uma reflexão paradoxal assaltava seus pensamentos: como poderia ele, uma entidade de energia sombria, ser aprisionado por outra forma de energia semelhante à sua própria essência? 

    As leis deste mundo sombrio se mostravam peculiarmente intrigantes, especialmente para Harley. 

    Ele ponderava que, neste reino sombrio, todas as entidades vivas eram encapsuladas em invólucros sombrios, uma espécie de massa de energia negra que assumia a forma e a existência dos seres que adentravam nesta dimensão obscura, transformando-os em uma manifestação distinta das realidades físicas que conheciam.

    E os pensamentos do jovem foram abruptamente interrompidos pelo espetáculo das partículas do visitante que havia interrompido o julgamento, alterando a própria realidade com o preço de sua vida. 

    Diante de seus olhos, ele testemunhava a dissolução da entidade, cuja constituição sombria se desfazia em minúsculas partículas que se dispersavam pelo ar, espalhando-se por todo o mundo sombrio. Uma névoa escura e sinistra pairava sobre o salão, como uma testemunha silenciosa do sacrifício da entidade recém-chegada.

    Enquanto a névoa sombria se dissipava pelo salão, deixando um rastro de inquietude no ar, uma sensação de questionamento se espalhou entre as entidades presentes. Cada uma delas se encontrava imersa em seus próprios pensamentos, refletindo sobre o sacrifício que acabaram de testemunhar. 

    O que valia mais: uma pequena vitória momentânea ou a preservação da própria existência? Seria justo ou sensato dar a vida por algo tão efêmero quanto uma decisão que se assemelhava a um grão de terra? Essas perguntas ecoavam silenciosamente nas mentes das entidades, enquanto o salão se enchia com o peso da incerteza e da contemplação.

    O desfecho dessa encenação havia chegado, como um retrato imperfeito de justiça onde as balanças de poder se entrelaçavam. Cada julgamento trazia consigo suas falhas inerentes: um mediador parcial, uma defesa falha, uma acusação implacável. 

    Às vezes, a verdade era obscurecida pelas sombras da manipulação, servindo apenas como um reflexo distorcido dos anseios da sociedade ou como instrumento de opressão dos poderosos. 

    No cerne de toda batalha legal, a verdade era frequentemente a maior vítima, cedendo lugar à injustiça que prevalecia, seja através de sentenças brandas ou decretos tirânicos.

    — Então temos uma resolução! Filho prepare-se. Vou libertar o ser inferior — disse a entidade sombria. 

    Harley, um mero espectador arrastado para um julgamento sobre o qual não tinha controle, com o fim do julgamento emergia agora liberto das energias que o aprisionavam, imerso em um poder sombrio pulsante, à espera do primeiro movimento para reagir. 

    Ele era um estranho tanto em entender toda a realidade em que estava imerso como saber o poder que estaria enfrentando. 

    Enquanto isso, o pai de Ivana permanecia paralisado diante da reviravolta dos eventos, atordoado por sua própria imprudência e pela mudança súbita das circunstâncias. 

    Por outro lado, a entidade desafiante, impaciente e decidida, preparava-se para o embate iminente, ignorando tanto a presença das demais entidades quanto o sacrifício da entidade aliada que lhe concedera essa oportunidade, conduzindo a situação de acordo com seus próprios desígnios.

    Harley, sentindo o ímpeto do desafiante que se preparava para o embate, decidiu intervir:

    — Tenho uma condição!

    Ele tinha levantado uma condição inesperada diante de todos os presentes. Sua audácia despertou surpresa e incredulidade entre as entidades reunidas, que mal podiam acreditar que alguém de energia tão diminuta se atreveria a estabelecer condições diante dos mais poderosos.

    A entidade desafiante, envolta em um manto de confiança e satisfação, concordou em permitir que o ser inferior falasse, autorizando-o a fazer sua exigência. Harley, imperturbável diante da incredulidade dos presentes, fez sua solicitação de forma direta e ousada:

    — Posso começar este combate de um lugar mais elevado? — perguntou, desafiando as expectativas e provocando confusão entre os presentes. Muitos mal podiam compreender a razão por trás de uma solicitação aparentemente tola, enquanto outros expressavam abertamente sua avaliação com uma única palavra: 

    — Estúpido!

    Para aqueles que observavam, a ideia de Harley que aparentemente pretendia aproveitar a altura para aumentar sua velocidade e impulsionar seu ataque, parecia absurda. E uma nova onda de avaliações ressoou:

    — Estupido!

    Contudo, ele mantinha-se inabalável em sua determinação e prosseguiu sem hesitação:

    — O silêncio é assentimento suficiente. Vou iniciar então a partir daquele monte íngreme — declarou, compartilhando sua percepção do lugar com todas as entidades e avançando sem esperar pela confirmação.

    Com seus movimentos livres de restrição e imerso em uma escuridão completa, Harley confiava apenas em sua conexão com o mundo sombrio para seguir ao seu destino. 

    Ele percebia as nuances das diferentes tonalidades do escuro, percebendo como as massas sem vida podiam se manifestar e criar uma geografia única naquele ambiente sombrio. 

    Cada espaço entre as entidades parecia constituir sua própria topografia, uma paisagem espectral que só podia ser entendida por aqueles que habitavam esse reino de sombras.

    À medida que se movia através desse mundo sombrio, Harley sentia uma proximidade íntima com cada caminho ou forma de energia sombria que encontrava. 

    Cada deslocamento o colocava em contato com diferentes formas de energia, e a densidade dessas formas ditava o tempo e as sensações que ele experimentava ao atravessá-las.

    Ele já sabia que em áreas com densidade de energia baixa, o tempo parecia escorrer mais rápido e as sensações eram mínimas, quase imperceptíveis. Nestes lugares, absorver parte de sua própria energia seria uma tarefa simples e rápida. 

    No entanto, em regiões onde a energia era densa e compacta, o movimento se tornava lento e árduo. O esforço para atravessar essas áreas era exaustivo, e a carga sensorial era esmagadora, especialmente se a tonalidade da energia fosse superior à sua própria.

    Com determinação inabalável, Harley avançou lentamente pelas áreas mais densas, buscando absorver o máximo de energia sombria possível até alcançar o cume do monte íngreme. Apesar dos olhares julgadores e das palavras depreciativas que ecoavam ao seu redor, ele permaneceu focado em seu objetivo.

    — Tolo! — essa foi a primeira impressão direta compartilhada por Ivana que não via sentido em o jovem usar a velocidade e essa absorção mínima de energia para ganhar qualquer vantagem.

    — Estupido! — Essa era a principal e generalizada impressão compartilhada pela maioria das entidades. 

    Receber as sensações e percepções de várias entidades ao mesmo tempo, devido à conexão sombria que unia o estado perceptivo de todos, era uma experiência avassaladora para Harley. Ele não tinha vivência nesse tipo de estado para isolar, bloquear ou controlar o fluxo constante de informações internas. 

    E seu destemor e tranquilidade, irradiando para todos, era o que reforçava a crença geral de que ele era um tolo, incapaz de compreender a verdadeira diferença de poder entre as entidades. Para aqueles no mundo sombrio, era natural que o mais fraco se curvasse diante do mais forte, buscando por clemência ou, ao menos, por uma diminuição na dor.

    Apesar das constantes murmurações depreciativas que ecoavam ao seu redor, Harley fez um esforço consciente para desviar o foco dos sons audíveis e das sensações recebidas, relegando-os a meros zumbidos que podiam ser facilmente ignorados. Seu objetivo era alcançar um estado de plena imperturbabilidade, concentrando-se exclusivamente na escalada em direção ao cume e depois na luta. 

    Ele compreendia claramente que, naquele mundo sombrio, a velocidade não seria um fator determinante, pois a verdadeira força residia na tonalidade da energia sombria que permeava o ambiente. 

    Consciente disso, ele aceitava que nada poderia alterar essa realidade, muito menos um ataque impetuoso embalado pela velocidade ampliada pela inclinação do monte. Além disso, ele reconhecia que seu adversário, mesmo após comprometer parte de sua energia no julgamento, ainda mantinha uma vantagem considerável sobre ele.

    Juntando todas essas certezas, foi quando finalmente Harley alcançou o topo. Todos naquela sombria atmosfera aguardavam ansiosamente pelo início do confronto, antecipando a descida frenética que a massa sombria que fora convertido o jovem iniciaria partindo do alto do cume para ampliar sua velocidade. 

    Todos esperavam que o impulso dele em direção ao seu adversário resultasse em um choque iminente das energias sombrias, uma colisão que parecia inevitável e que só traria prejuízo para o jovem iludido.

    Finalmente o jovem alcançou o local pretendido e em vez de virar-se para o combate ou mesmo olhar para trás, ele aproveitou a distância e começou a aumentar a velocidade, afastando-se.

    A surpresa tomou conta de todos quando Harley, ao notarem que ao invés de se preparar para o confronto, o jovem tinha optado por fugir em direção oposta. Sua estratégia pegou todos de surpresa, pois no mundo sombrio, a covardia e os subterfúgios não eram tolerados diante da força iminente. 

    Expressões de descontentamento e repulsa permeavam o ambiente, enquanto algumas vozes ecoavam nitidamente:

     — Covarde! 

    — Tolo! 

    — Ser inferior! — e outros pensavam ou proferiam — estúpido!

    Harley era inundado por uma cacofonia de sons e sensações compartilhadas, um turbilhão de depreciações que pareciam uma descarga intencional de desprezo por pertencer a uma raça diferente, mas compartilhando a mesma energia sombria que todos ali presentes.

    No entanto, ele procurava permanecer indiferente às percepções alheias, continuando sua fuga sem olhar para trás. Consciente de que o encontro era inevitável, ele utilizava o tempo de fuga para absorver mais energia sombria, buscando diminuir a diferença de forças entre ele e seu adversário.

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