Capítulo 109 - Conflito nas profundezas
“As profundezas são mais do que um lugar físico; são um estado de ser, onde cada conflito interno se manifesta como uma batalha externa. Cada passo nas profundezas é um confronto com o desconhecido e enfrentar essas profundezas é enfrentar a própria alma.”
— Sussurros das Sombras XXV, transmissão oral do Clã Adaga Arcana.
A incredulidade pairava entre todos os espectadores daquele confronto, que inicialmente parecia destinado a ser breve. Ivana, em particular, expressava uma surpresa genuína; apesar de ter compartilhado um tempo considerável com Harley, nunca havia testemunhado tamanha astúcia e inventividade em suas estratégias de combate.
Refletindo sobre isso, Ivana considerava que talvez a explicação estivesse no fato de que, ao lutar pela própria sobrevivência, tendemos a concentrar nossa atenção exclusivamente em nossos próprios desafios, negligenciando as batalhas dos outros.
Independente das sensações e impressões compartilhadas, a entidade sombria avançava com renovado ímpeto em direção ao jovem, convencida de que seu erro anterior fora mero acaso. Para ela, era inconcebível que um ser tão inferior pudesse ter tanta sorte e seria impossível escapar de seu próximo ataque.
A entidade sombria vazava esse sentimento de inconformismo como uma forma de diminuir e explicar sua falha para as outras entidades que observavam a batalha. Para ela, o erro anterior se devia ao próprio desespero de Harley, que acabou sendo favorecido pela energia sombria do local, permitindo-lhe escapar ileso.
Essa sensação compartilhada, que deveria servir como uma explicação, no entanto, não aplacava a crescente frustração da entidade. Ela ansiava por encerrar o confronto com um único golpe certeiro, e essa expectativa não realizada apenas aumentava sua irritação.
Com esse acréscimo de irritação, a entidade lançou-se em um novo ataque, determinada a não permitir que o acaso interferisse novamente. Seu avanço era envolto por uma aura de fúria alimentada pela convicção de que, desta vez, alcançaria seu alvo sem falhas.
A entidade se regozijou ao vislumbrar seu alvo à sua frente, confiante de que desta vez não haveria escapatória. Seus movimentos foram rápidos e precisos, cada passo um decreto de morte destinado a acabar rapidamente com a vida de Harley.
No momento crucial, o jovem convocou toda a sua força de vontade para transformar-se em um círculo vazado, uma manobra arriscada e audaciosa.
Lembrando-se de sua experiência anterior de manipular energia com sua adaga branca quando ainda era humano, ele ponderou se poderia aplicar essa habilidade à sua forma atual, como uma massa de energia sombria. Essa ideia o encheu de uma esperança frágil, mas tangível.
Era um gesto desesperado, quase insano, mas Harley não via outra opção. Era aquela tentativa ou render-se ao destino. Enquanto a entidade se preparava para o choque, passou pelo vazio do círculo, incapaz de atingir o jovem mais uma vez.
O jovem havia alcançado sucesso. Sua experiência anterior com a moldagem de energia provou ser crucial, fornecendo-lhe uma orientação que fez toda a diferença.
— Impossível!
A sensação geral era de surpresa, mas uma surpresa tingida de incredulidade. Ninguém podia acreditar no que acabara de testemunhar, levando até mesmo a uma crise de confiança em suas próprias percepções e sensações compartilhadas.
A força das sensações de espanto que todas as entidades deixaram vazar deixou Harley desorientado, algumas entidades pareciam perder ou não se importar com o controle do que era compartilhado.
Foi então que Ivana, percebendo a desorientação de Harley e aproveitando-se da ligação única entre os dois, compartilhou a explicação sobre a manipulação de energia pura utilizada por ele.
Ela revelou que essa habilidade antiga havia sido dominada no passado, mas acabou sendo esquecida à medida que as estratégias e objetivos das entidades no mundo sombrio evoluíam.
Harley compreendeu que a habilidade de moldar a energia sombria que ele demonstrou não era vista há muito tempo. Ele agora entendia que, nos primórdios do mundo sombrio, durante sua formação e antes das incursões para além de seus limites, as entidades dominavam a manipulação da energia sombria em sua forma mais pura.
No entanto, à medida que o tempo passava e as entidades adquiriam a habilidade de transformar a energia sombria em outras formas que existiam fora do mundo sombrio, essa capacidade foi deixada de lado e até mesmo esquecida. Ninguém mais conseguia manipular a energia sombria pura, pois não fazia mais sentido em seu próprio lar, onde as batalhas eram decididas puramente pela força.
Além disso, para os novos descendentes, parecia ser uma perda de tempo concentrar-se em algo que não oferecia nenhuma vantagem no mundo além do mundo sombrio. O mundo sombrio era deles, acessível apenas por eles, mas os mundos além dele precisavam ser conquistados. Era lá que todas as intenções, focos e estratégias deveriam ser desenvolvidos e implementados.
O compartilhamento era instantâneo, uma torrente de percepções, sensações e experiências condensadas. Enquanto isso se desenrolava, um sentimento de desespero invadiu a entidade ao perceber que seu ataque falhara novamente. Agora, apenas um ódio intenso e sensações de aniquilação, tortura e desfragmentação emergiam sem filtro, perceptíveis por todas as entidades presentes.
— Maldito!
Harley, após receber as informações de Ivana, agiu com rapidez. Virou-se e se afastou imediatamente na direção oposta. Cada movimento representava um delicado equilíbrio entre vida e morte, uma dança perigosa com a entidade sombria que crescia em fúria a cada adiamento de seu golpe, que deveria ser fatal.
Harley vislumbrou uma oportunidade única de estender sua existência, compreendendo que quanto mais tempo permanecesse, mais chances teria de encontrar oportunidades ou fatores capazes de alterar o rumo dos acontecimentos.
Novamente, a entidade sombria avançava em um novo ataque furioso, e Harley, percebendo que repetir a mesma estratégia não teria o mesmo efeito, já que o fator surpresa não estaria presente e seu oponente conhecia melhor sua tática, decidiu arriscar algo audacioso mais uma vez.
Qualquer impacto da entidade seria catastrófico. Assim, o jovem não tinha muitas opções e não tinha força para se contrapor a um choque de energias sombrias. Resoluto e sem muitas opções, o jovem decidiu arriscar algo muito audacioso mais uma vez.
Ele concentrou toda sua determinação e vontade em dividir sua massa de energia sombria. Era uma aposta arriscada, mas a alternativa seria ser consumido pela fúria implacável da entidade.
Com uma determinação intensa, Harley decidiu e conseguiu dividir sua massa em duas partes. Ele compreendia que essa estratégia havia uma possibilidade de torná-lo mais vulnerável, já que ao perder parte de sua energia e se reduzir de tamanho, também ganharia em mobilidade e apresentaria um alvo menor.
Ele ficou surpreso com o resultado da divisão de sua massa em duas partes. Ele percebeu que não perdeu a consciência da parte que estava sendo abandonada, como se estivesse criando duas entidades distintas a partir de si mesmo.
Enquanto a entidade investia furiosamente, as duas partes de Harley se separaram habilmente, desviando mais uma vez do impacto iminente.
— Impossível!
Novamente, todos os espectadores do embate estavam atônitos. Eles não sabiam como reagir, pois a força nunca havia sido desafiada pela astúcia nem considerada inferior ou contornada de alguma forma. A força era um pilar fundamental na cultura do mundo sombrio, sempre reverenciada e nunca confrontada ou questionada.
Era essencial para a constituição de um demônio sombrio, uma crença arraigada e incontestável. Ter suas certezas desafiadas em seu próprio território representava mais do que uma derrota no combate para a entidade; era um golpe duro para todos os presentes. Certamente, muitas reflexões, contestações e debates surgiriam a partir desse momento, questionando algo que antes era tido como inabalável.
Indiferente às sensações compartilhadas pelas entidades, Harley mantinha sua atenção total no embate e nas opções disponíveis para agir. Um breve momento de alívio o invadiu ao perceber que a entidade havia falhado no ataque mais uma vez. No entanto, o que mais o surpreendeu foi a sensação de continuidade, como se ainda estivesse inteiro, mesmo estando dividido em duas partes distintas no espaço.
Ele sentia uma conexão profunda entre as duas partes de sua energia sombria, como se fossem dois aspectos complementares de sua própria essência. Era uma sensação estranha e ao mesmo tempo revigorante, como se estivesse descobrindo uma nova forma de existir no mundo sombrio.
Diante da ignomínia que seu filho enfrentava, o pai da entidade desafiante estava em uma encruzilhada. Por um lado, a humilhação de seu filho diminuía o valor de sua descendência e de toda a sua família e coligação, manchando a reputação que tanto haviam lutado para construir.
Por outro lado, a coragem e a determinação do jovem em enfrentar essa situação adversa, questionando os fundamentos do mundo sombrio, despertavam nele um sentimento de orgulho e concordância com tudo que ele sempre acreditou.
Infelizmente seu filho estava do lado pior da situação no momento. Refletindo sobre o futuro do mundo sombrio e o papel de seu filho nele, o pai da entidade decidiu tomar uma medida incomum.
Em um ato desesperado, mas cheio de confiança no potencial de seu herdeiro, ele concentrou toda a sua energia sombria e a transferiu para seu filho. Antes de partir, em um gesto de amor e confiança, ele sussurrou as palavras que ecoariam na mente de seu filho para sempre:
— Acabe com isso de uma vez. Eu acredito em você. Você é o futuro do mundo sombrio!
Com um misto de choque e determinação, o filho recebeu a energia sombria de seu pai. Uma torrente de poder, escuridão e ancestralidade inundou seu ser, elevando sua força a níveis jamais imaginados. A entidade sentiu cada fibra de sua essência pulsar com uma nova intensidade, como se todas as sombras do mundo convergissem para dentro de si.
— Não! — ecoaram as palavras de muitas entidades, para quem a transferência de sua essência sombria era um tabu inegociável.
Cada entidade sombria tinha sua missão e propósito designados para sua existência, e o ato de sacrificar-se desse modo era visto como uma negação de sua função e verdade intrínseca.
A entidade começou a receber a força sombria de seu pai, compreendendo toda a magnitude da responsabilidade que recaía sobre ele devido ao sacrifício paterno. Mais do que nunca, ele estava determinado a fazer o jovem ser inferior pagar por todos os atos desafiadores que havia desencadeado, especialmente pela doação de seu pai.
A dor da transferência era avassaladora, mas também trazia consigo uma fonte de poder inimaginável. Cada partícula sombria que fluía para dentro dele fortalecia sua resolução de encerrar o embate de uma vez por todas e honrar o sacrifício de seu pai. Seu coração ardia com a promessa de honrar a confiança depositada nele, mesmo que isso significasse enfrentar desafios inimagináveis.
Com a nova energia pulsando em suas veias, a entidade assumiu uma postura ainda mais imponente diante de seu adversário. Seus olhos irradiavam uma intensidade sombria, uma determinação que não conhecia limites.
Cada movimento era impulsionado pelo poder recém-adquirido, cada pensamento impregnado pela responsabilidade de liderar seu povo rumo a um novo destino como sempre desejou seu pai.
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