Capítulo 08 - Nas garras de Sérgio
“Cada resposta, por mais completa que pareça, traz consigo novas perguntas. Assim, a busca pela verdade se torna uma espiral sem fim, da qual poucos retornam incólumes.”
— As Crônicas da Busca Infinita, Pavel Vaselinna, tomo 5.699.035.186.
— Ah, aqui está o rato desaparecido… — zombou Sérgio, com um sorriso sarcástico.
Ele lançou um rápido olhar a Thalassa, mas logo seus olhos se fixaram em Harley, cheios de desprezo, enquanto o examinava de cima a baixo, como se sua presença fosse repugnante.
Harley não respondeu imediatamente. Havia algo sobre a presença de Sérgio que sempre fazia sua raiva borbulhar debaixo da superfície, mas ele sabia que se reagisse de maneira errada, as consequências seriam ainda piores.
Sérgio não era apenas um valentão; ele era a personificação do que Harley mais odiava naquele clã: poder baseado na força bruta e na opressão dos mais fracos.
— Você está fedendo, Ginsu — Sérgio continuou, aproximando-se com um sorriso arrogante nos lábios — Deve ser difícil para Thalassa ficar perto de você com esse cheiro de fracasso.
Harley sentiu o rosto arder. Sabia que seu corpo ainda carregava as marcas das escapadas noturnas, e a poeira da biblioteca permanecia incrustada em suas roupas. Mesmo assim, a humilhação diante de Thalassa era algo difícil de suportar.
— Sérgio, para com isso — Thalassa interveio, seu tom agora sério, como se estivesse lidando com uma criança birrenta.
Sérgio apenas riu, como se as palavras de Thalassa fossem uma leve brisa. Ele não estava ali para conversar, e Harley sabia disso. O ciúme que Sérgio nutria por sua amizade com Thalassa sempre fora uma ferida aberta, e aquele momento era só mais uma tentativa de relembrar quem realmente estava no controle.
— Eu estou apenas garantindo que ele saiba o seu lugar — Sérgio respondeu, cruzando os braços, os músculos tensos à mostra — Thalassa é minha noiva. Você deveria começar a agir de acordo com isso, Ginsu. Ou talvez você precise de outro lembrete?
Harley sentiu o sangue ferver, mas manteve sua compostura. Ele sempre soubera que Sérgio o odiava pela proximidade que ele tinha com Thalassa, mas era a primeira vez que o casamento era jogado na conversa com tanta frieza.
— Você vai ficar aí parado, Ginsu? — Sérgio provocou — Ou está esperando que Thalassa venha te salvar de novo?
Thalassa, ao lado, parecia prestes a dizer algo, mas antes que pudesse abrir a boca, Sérgio notou o pergaminho dourado nas mãos de Harley.
— Então você foi selecionado para a prova dos Kamikazes… — Sérgio murmurou, seus olhos estreitando-se enquanto um sorriso malicioso surgia em seu rosto — Isso é hilário. O estrangeiro fracote vai tentar ser algo que não é — ele riu com escárnio — Sabe, você não deveria nem ter permissão para tentar. Não é um de nós, Ginsu.
A palavra “Kamikaze” ecoou na mente de Harley. Ele sabia o que significava; aqueles que participavam da prova tinham a chance de atravessar as barreiras da neblina que cercavam o clã, desafiando o desconhecido para trazer respostas sobre os mistérios além das ilhas.
Era uma honra enorme para os guerreiros do clã, mas para Harley, soava como uma sentença de morte.
— Não vai conseguir, Harley — sibilou Sérgio, sua voz gotejando desprezo — mas vou saborear cada fracasso seu.
Harley abriu a boca para responder, mas Thalassa deu um passo firme à frente, interrompendo-o com a postura ereta.
— Ele é um de nós agora, Sérgio — disse ela, a serenidade em sua voz mascarando uma firmeza inabalável.
O rosto de Sérgio se contraiu, e seus olhos se estreitaram, inflamados por uma raiva que ele lutava para conter.
— Você deveria lembrar o seu lugar, Thalassa — rosnou, cada palavra encharcada de ressentimento — Você é minha noiva, e sua insolência está trazendo desonra ao nosso clã — acrescentou, sua voz baixa e carregada de veneno, ameaçando explodir a qualquer instante.
Thalassa, sempre tão brincalhona e leve, agora parecia uma estranha para Harley. Seu corpo, rígido como uma corda prestes a se romper, refletia a tensão crescente. Seus olhos, antes brilhantes de alegria, agora estavam tomados por uma sombra de tristeza que Harley jamais havia percebido.
Ela fitava Sérgio com uma mistura perturbadora de desafio e medo, como se estivesse dividida entre enfrentá-lo e recuar.
Harley observou a troca silenciosa entre os dois, sentindo pela primeira vez o peso real da situação. De repente, a gravidade do que estava em jogo se tornou inescapável. O destino de Thalassa não era algo que ela pudesse moldar, e cada gesto frio de Sérgio apenas reafirmava essa cruel realidade.
Thalassa estava enredada em um destino sombrio, imposto a ela, sem ter tido a chance de escolher.
Finalmente, Harley quebrou o silêncio, sua voz calma, mas carregada de firmeza.
— Não preciso da sua permissão, Sérgio — disse ele, sentindo a determinação pulsar em suas veias — Eu vou participar da prova dos Kamikazes, e você não vai me impedir.
Sérgio ficou em silêncio por um momento, seus olhos agora avaliando Harley de uma maneira diferente. Ele então sorriu, um sorriso frio e calculado.
— Veremos, Ginsu. Vamos ver quanto tempo você aguenta — provocou ele, recuando um passo. — A neblina consome os fracos… e você vai descobrir isso por conta própria. E, além da neblina, estarei lá também.
Com isso, ele se virou e deixou a biblioteca, seus passos ressoando pelo corredor vazio, enquanto um silêncio denso tomava conta do ambiente.
Sérgio se afastou lentamente, mas o peso opressor de sua presença permanecia no ar. O sorriso de escárnio ainda se mantinha estampado em seu rosto, uma lembrança arrogante de sua vitória iminente.
Harley sentiu um turbilhão de emoções confusas, mas não deixou isso transparecer. Olhou para Thalassa, esperando alguma reação — qualquer coisa. Mas, ao contrário do que ele imaginava, Thalassa não se moveu.
Ela parecia ter sido engolida por uma sombra de resignação, os ombros antes firmes agora curvados como se carregassem um fardo que ela não poderia mais suportar. Seus olhos, que antes brilhavam com desafio, agora apenas refletiam incerteza e dor.
Harley deu um passo à frente, a mão estendida, tentando alcançá-la de alguma forma, mesmo que fosse com um gesto simples.
— Thalassa, vamos… — Sua voz saiu mais suave do que ele pretendia, quase um pedido, como se dependesse dela para dar o próximo passo.
Mas Thalassa não se moveu. Seus olhos se desviaram para o chão por um instante, e quando ela finalmente levantou a cabeça, havia algo novo ali — uma aceitação silenciosa de sua realidade.
— Harley… eu… — Ela começou a falar, mas suas palavras se perderam. Ela sabia que não podia simplesmente seguir Harley como se nada estivesse em jogo.
— Eu não posso ir com você — A frase saiu em um tom de pesar, como se cada palavra estivesse sendo arrancada de sua alma — Sérgio… — Ela não precisou completar a frase. Harley sabia o que isso significava.
O clã, o noivado, as responsabilidades — tudo estava entre eles, como um muro intransponível. Por mais que ela quisesse estar ao lado de Harley, havia limites que nem ela poderia cruzar.
Harley respirou fundo, seu coração pesado. Ele sabia que Thalassa não estava desistindo por falta de vontade, mas porque as correntes do destino que a prendiam eram fortes demais para serem quebradas naquele momento.
— Eu entendo — Ele disse finalmente, tentando esconder a decepção que o consumia — Mas não se preocupe. Eu vou lidar com isso.
Thalassa assentiu, mas o peso em seu olhar permaneceu. Ela queria dizer algo mais, talvez pedir desculpas, talvez explicar que não era tão simples quanto ele imaginava. Mas as palavras falharam.
— Cuide-se, Harley — Disse ela, num tom suave, mas definitivo.
Harley a observou por um momento antes de se virar e caminhar em direção a suas obrigações. Ele sabia que não havia mais o que dizer. A cada passo que ele dava, o eco de seus próprios pensamentos o acompanhava, e a realidade de sua situação se tornava mais clara.
Ele estava sozinho — tanto na prova dos Kamikazes quanto na batalha silenciosa contra Sérgio e o clã. Thalassa, por mais que desejasse, não poderia se juntar a ele dessa vez.
Ao sair da biblioteca com os pergaminhos em mãos, que deveria entregar às grandes autoridades do clã, Harley respirou fundo, deixando o ar fresco bater em seu rosto. Refletiu sobre a necessidade de escapar, mas, desta vez, sabia que a fuga não seria apenas física.
Precisaria se libertar do destino que parecia inevitável, um destino que o aguardava impiedosamente.
“Talvez seja hora de pensar seriamente em minha fuga…” — ponderou.
No entanto, o mais difícil não seria apenas fugir, mas lidar com o que estaria deixando para trás. No fundo, ele sabia que tudo começava com a prova que o aguardava. Sozinho.
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