Capítulo 09 - O segredo do pergaminho
O destino de um guerreiro não é decidido pelo clã, mas pela forma como ele responde ao chamado do desconhecido. Aquele que se curva ao destino perde o controle de sua história.”
— Sussurros das Sombras XVI, transmissão oral do Clã Adaga Arcana.
Harley olhou para o pergaminho em suas mãos, os dedos trêmulos de antecipação, sentindo o peso de algo que ele ainda não conseguia nomear. Sérgio já havia insinuado o provável conteúdo, plantando a semente da dúvida em sua mente.
Ele deveria esperar até o fim do expediente para abrir o pergaminho, conforme instruído, mas cada fibra de seu ser implorava por ação imediata.
“É o teste? A oportunidade que esperei por tanto tempo?” — pensou, tentando conter a ansiedade.
Um impulso elétrico percorreu seu corpo, despertando nele uma urgência incontrolável.
“Será mesmo que era um convite para participar do teste de kamikaze?” — O pensamento fez seu coração disparar.
Ele sabia que a desobediência poderia lhe custar caro, mas o desejo de finalmente quebrar o ciclo sufocante que o cercava eram impossíveis de ignorar.
A possibilidade de finalmente se aproximar dos limites da ilha, de ver com seus próprios olhos a misteriosa névoa, de confirmar as histórias que sempre o assombraram, e de buscar uma nova realidade além dela, era quase palpável.
A chance de se libertar do destino opressor que o sufocava e de tomar, enfim, as rédeas de sua própria vida, parecia estar a um passo de distância. Se o convite para o teste se concretizasse, tudo poderia mudar — e a espera estava se tornando insuportável.
Decidido, Harley quebrou o selo e desenrolou o pergaminho. As letras antigas dançavam diante de seus olhos, como se tivessem vida própria, e ele quase pôde sentir a névoa ao redor enquanto lia:
“A prova já começou. Aqueles que abriram este pergaminho sem esperar pela instrução estarão na disputa. Se você espera, ficará à margem.”
Seu coração disparou. Era um teste duplo. Um jogo de lealdade e coragem, em que apenas os ousados, ou os impulsivos, avançariam. Por um breve momento, Harley sentiu-se traído, mas logo percebeu a verdade. Aqueles que seguiam as regras à risca nunca teriam a chance de participar.
Eles eram tratados como peças essenciais, eram treinados para obedecer cegamente, com sua lealdade sendo continuamente testada, até o momento em que sua serventia não tivesse mais propósito. Ele, por outro lado, acabara de ser escolhido.
Sem hesitar, Harley partiu em direção ao local sagrado do teste, um espaço acessível apenas aos candidatos a kamikaze durante o raro eclipse lunar, evento que ocorria a cada dois ou três anos. Todos no clã sabiam da importância dessa prova, e ele não era exceção.
As informações que coletara ao longo dos anos na biblioteca o guiavam como sombras persistentes. Ginsu já ouvira rumores sobre a névoa: uma força mortal que não apenas destruía mentes, mas apagava o passado daqueles que ousavam desafiá-la.
Amigos, conhecidos, até parentes de membros do clã… muitos se perderam na névoa, e os relatos, sempre envoltos em mistério, eram vagos e perturbadores. Agora, porém, sabia exatamente para onde ir.
Naquele momento, enquanto corria, Harley finalmente entendeu: o teste dos Kamikazes não se resumia à força ou velocidade. A verdadeira prova era enfrentar a névoa sem perder a sanidade, sem deixar que ela apagasse suas memórias e diluísse sua identidade, como os antigos relatos sempre advertiam.
Ao chegar ao local, o ambiente estava carregado de uma tensão quase palpável. A névoa começava a se espalhar suavemente nas bordas do campo, como um sopro gélido que trazia consigo uma ameaça silenciosa.
Os competidores, igualmente inquietos, se reuniam, esperando o início. Ao observar os rostos ao seu redor, Harley percebeu algo desconcertante: muitos deles eram como ele — despojos de guerras passadas, sobreviventes que agora serviam em funções secundárias e diversas, espalhados pelos territórios conquistados.
Entretanto, outra coisa chamou sua atenção: a ausência notável dos jovens de destaque, os filhos das grandes autoridades do clã. Ele não viu nenhum dos nomes proeminentes, os talentosos que sempre eram exaltados.
Harley refletiu por um momento, e a resposta veio com desconforto. Eles, ao contrário dele e dos outros competidores, provavelmente já tinham seus lugares garantidos na disputa final. Não precisavam se submeter ao teste preliminar.
Uma memória perturbadora surgiu. Ele nunca havia ouvido falar de nenhum desses jovens protegidos sendo prejudicado durante as provas.
“Será que havia algo a mais? Talvez eles soubessem de segredos que os demais não tinham acesso?” — Harley se perguntou se esses jovens recebiam algum item de proteção ou conhecimento especial que os blindava dos efeitos devastadores da névoa.
Era apenas uma suspeita, mas uma suspeita que não conseguia ignorar.
Acima de todos, o líder do Clã Dragões de Sangue, envolto em seu manto escarlate, observava a cena de cima de uma plataforma, com olhos atentos, como se já soubesse o destino de cada um ali presente.
— A névoa está viva — disse o líder, sua voz cortando o ar como lâminas afiadas — Ela não apenas obscurece o caminho. Ela devora lembranças, corrompe a mente e distorce a realidade. Se não forem dignos, não apenas falharão, mas esquecerão o motivo pelo qual estão aqui.
Os olhos de Harley ficaram fixos na névoa, um mistério que por milênios desafiara os mais corajosos. A tradição do enfrentamento acumulava séculos de conhecimento, e os candidatos eram preparados com instruções precisas.
Cada um recebia pergaminhos que explicavam a condição do teste e os orientavam a enviar mensagens de retorno assim que atravessassem a névoa. Deveriam informar o que viam, como se sentiam e se as informações contidas nos pergaminhos em sua posse eram novas.
No entanto, as respostas que retornavam eram sempre confusas e fragmentadas. “Onde estou?” era a pergunta mais frequente, e os relatos pareciam vir de mentes distorcidas, como se algo dentro da névoa apagasse partes cruciais de suas identidades.
Mas havia algo ainda mais inquietante. Após a primeira comunicação, nunca mais se ouvia falar dos candidatos. As segundas, terceiras e demais tentativas de comunicação nunca eram enviadas, ou pelo menos, nunca foram divulgadas. O que realmente acontecia com eles do outro lado? Ninguém sabia.
Agora, ali estava Harley, à beira do mesmo destino. Pronto para desafiar o impossível, sentindo o peso da tradição e do desconhecido se misturando. Sabia que, ao entrar na névoa, estaria arriscando não apenas a vida, mas também a própria essência de quem ele era.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.