Capítulo 101 - Sergio Romanov II
“Somos todos filhos do vento e da areia, partículas do infinito, destinadas a errar por este vasto mar de desolação. Não é o destino que nos governa, mas sim nossa capacidade de suportar o vento e de, entre as areias, encontrar a nossa direção.”
— Discursos do Grande Explorador Zandar, Vol. Básico.
Sergio piscou, voltando ao presente. O corpo de Isabella, ensanguentado, jazia diante dele. Seu coração batia rápido, a realidade se confundindo com as lembranças.
“Isso não pode ser real!” — Ele repetia para si, mas algo dentro dele sabia a verdade.
As escolhas do passado o haviam condenado, e agora, a ilusão e a realidade se entrelaçavam, formando um ciclo de dor do qual ele jamais escaparia.
Com um último suspiro, Isabella o encarou. Seu olhar não trazia mais a dor do golpe, mas algo muito pior: um julgamento silencioso.
Ela não precisava falar, pois o peso de seu silêncio era mais cruel do que qualquer palavra de condenação. Sergio sentiu o frio da verdade se instalar em sua alma. Ele havia falhado não apenas com seu clã, mas com todos que ousaram confiar nele.
O deserto parecia se fechar ao redor de Sergio, tornando-se sufocante, como se o próprio ar estivesse envenenado por suas ações. Ele olhou para os sóis acima, ofuscantes, implacáveis, testemunhas silenciosas de sua derrota.
A areia quente queimava sob seus pés, mas o que o atormentava era o vazio que sentia por dentro, um abismo profundo de falhas.
Isabella estremeceu e seu corpo começou a desmoronar lentamente, transformando-se em areia que foi sendo levada pelo vento. Sergio a viu se dissolver, até que nada restasse além do deserto.
“Não era real. Ela não estava aqui! Nunca esteve!” — reafirmou para si mentalmente.
Mas o estrago emocional era palpável. A adaga ainda estava em suas mãos, pesada como chumbo, suja do sangue de uma ilusão que ele mesmo criara.
— Você nunca escapará do que fez, Sergio — A voz de Isabella ecoou ao longe, uma última advertência que reverberava em sua mente, deixando-o sozinho com seus demônios.
O jovem líder dos Dragões de Sangue caiu de joelhos, os ombros arqueados pelo peso do fardo que carregava. O deserto, antes um inimigo externo, agora parecia ser a personificação do seu estado interior.
Ele estava perdido, não no deserto, mas dentro de si mesmo. Cada grão de areia representava uma escolha malfeita, uma traição cometida, uma promessa quebrada.
— Isso precisa acabar.— sussurrou ele, quase como uma oração, enquanto cravava a adaga na areia à sua frente, um gesto simbólico de sua rendição ao peso de suas escolhas.
Mas o deserto, impiedoso como sempre, não respondeu. O silêncio era absoluto, como se a terra recusasse seu pedido de redenção. Ele estava sozinho.
Nesse momento de silêncio, uma nova sombra apareceu no horizonte. Ao longe, alguém se aproximava. Sergio ergueu os olhos lentamente, ainda de joelhos, incapaz de reunir forças para se levantar.
A figura era indistinta, coberta pela distorção do calor no ar, mas conforme se aproximava, ele pôde ver a silhueta inconfundível.
“Harley!” — O nome reverberou na sua mente.
A tensão tomou conta de seu corpo, e a sensação de que seu tempo estava se esgotando o dominou. Harley havia encontrado seu rastro. E dessa vez, Sergio sabia, não haveria fuga.
O vento começou a soprar com mais força, levantando redemoinhos de areia, como se o deserto estivesse preparando o palco para o confronto final. O calor parecia aumentar, mas não era mais o calor dos sóis, e sim da presença imponente de Harley, que se aproximava com um propósito claro nos olhos.
Sergio sentiu uma frieza rastejar por sua espinha. Esse era o fim que ele tentara evitar durante todo esse tempo. A fuga, a traição, as derrotas, tudo culminava nesse momento. Não havia mais para onde correr.
Quando Harley finalmente parou diante dele, o silêncio entre os dois homens era ensurdecedor. Não havia necessidade de palavras, pois a tensão, o ódio e a dor falavam por si.
Harley olhava para ele com uma calma fria, sem a pressa da juventude, sem o calor do ódio. Era uma calma aterradora, a calma de alguém que já havia visto o pior do mundo e se tornara imune a ele.
Sergio tentou se levantar, mas seu corpo exausto recusava-se a obedecer. O medo, pela primeira vez em anos, o imobilizava completamente.
Harley se ajoelhou diante dele, os olhos fixos nos de Sergio. Por um breve instante, o líder dos Dragões de Sangue viu algo de humano naqueles olhos, uma sombra de compaixão. Mas foi passageiro.
— Tudo isso… para nada, não é? — a voz de Harley era baixa, quase um sussurro, mas carregada de um peso que parecia esmagar-lo — Tudo o que você fez… todo o sangue que derramou. No fim, você é só mais um homem quebrado.
Sergio queria responder, mas as palavras morriam em sua garganta. O que ele poderia dizer? O que poderia justificar tudo o que ele havia feito?
Harley se levantou, sua presença se tornando mais imponente com o sol atrás dele. Ele puxou sua própria adaga, a lâmina reluzindo à luz intensa do deserto.
— Chegamos ao fim, Sergio — disse Harley, sem emoção — E você sabe que não pode fugir dessa vez.
Com um movimento fluido, a lâmina desceu.
O deserto assistiu em silêncio, os três sóis iluminando o cenário final, onde as sombras dos dois homens se fundiam com a areia. Não havia heróis ou vilões ali, apenas o inevitável encontro com o destino.
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