Capítulo 139 - Na trilha do inimigo: a jornada dos caçadores
“Seguir a trilha do inimigo é mais do que uma caçada; é uma jornada de autoconhecimento e estratégia. Cada passo na trilha do inimigo é um movimento calculado, onde o menor erro adiciona sempre vantagens para o inimigo. “
— Sussurros das Sombras XII, transmissão oral do Clã Adaga Arcana.
Uma sequência de sons metálicos encheu o ar enquanto o transporte começava a se desfazer. Placas brilhantes deslizaram e giraram em uma dança de engrenagens ocultas, dobrando-se e compactando-se até formar quatro retângulos sólidos.
Com o último movimento, Doravan e Harley foram revelados, a luz do exterior iluminando seus rostos.
A transição foi tão rápida que o som final da maquinaria parecia ecoar no ambiente, apenas para ser engolido por um silêncio ainda mais pesado. Harley deixou seus olhos vagarem, ajustando-se à mudança abrupta que o invólucro tinha sofrido.
Doravan, no entanto, não deu espaço para distrações. Sua voz, carregada de seriedade, cortou o ar:
— Vou voltar a dizer. Este lugar… não é igual aos outros. O perigo aqui não é algo que se possa ver ou prever facilmente. É o tipo de ameaça que ultrapassa o físico, que se esconde entre as dimensões. Por isso, o acesso foi restrito.
Ele girou lentamente, examinando o terreno ao redor, pronto para reagir caso algo surgisse a qualquer momento. A expressão de alerta do professor aumentava a tensão, indicando que a simples menção da zona de convergência poderia invocar os perigos que ela escondia.
Doravan continuou, o tom mais grave:
— Estamos em um ponto onde o Mundo Sombrio, outras dimensões e algo que nem mesmo entendemos completamente se conectam. É semelhante a um nó de realidades que não deveriam coexistir.
O jovem ouviu as palavras com atenção, mas seu foco estava em outro lugar: a pulsação sutil que parecia emanar do próprio solo, dando a impressão de que aquele lugar estivesse vivo. Ele apertou o punho, afastando o desconforto.
— Antes, o perigo era apenas uma noção vaga para você, algo distante. Agora, está aqui, diante dos seus olhos, e não há mais espaço para dúvidas sobre o que enfrentaremos — disse Doravan, seu olhar fixo no horizonte, e continuou:
— É por isso que pergunto novamente: vai continuar? Se optar por desistir, precisarei das armas de volta, e terá que esperar aqui até retornarmos. Mas, se continuar, saberá exatamente o que está escolhendo enfrentar.
Harley hesitou por um segundo. Não por dúvida, mas porque sentia que aquele momento exigia um comprometimento definitivo, um ponto sem volta. Ele balançou a cabeça, o olhar firme, uma resposta sem palavras que dizia tudo.
— Muito bem — disse Doravan, com um breve sorriso que quase parecia de alívio.
Sem mais delongas, o velho professor ajustou o próprio bracelete, fazendo com que a superfície emitisse um brilho tênue. Harley observava atentamente enquanto o velho professor explicava, quase casualmente:
— Este bracelete em seu pulso também coleta dados energéticos. Quanto mais nos movimentarmos, mais dados, terei para analisar. Não pense nisso como um ato de espionagem. É ciência, Harley.
O jovem Ginsu estava consciente de seu papel. Para Doravan, ele era tanto uma arma quanto uma variável num experimento cuidadosamente calculado. O professor não estava ali apenas por altruísmo; sua motivação era movida pelo desejo de compreender forças além do alcance humano.
Harley aceitou isso, mas não sem reservas. As armas que tinha recebido eram um lembrete de que, enquanto não recuperasse seu poder, ele precisaria confiar nos outros.
Não era uma escolha confortável, mas era necessária. O conhecimento de Doravan sobre energia dimensional era uma vantagem que ele não podia se dar ao luxo de perder. Ambos estavam usando um ao outro.
À medida que o silêncio entre eles voltava, Harley direcionou sua atenção para o terreno. Três agrupamentos ocupavam a área irregular à frente, suas configurações e posições sugerindo propósitos distintos.
O primeiro grupo estava mais próximo, e seus membros eram difíceis de distinguir à primeira vista. Envoltos por trajes negros que absorviam a luz, as figuras pareciam se fundir com o ambiente. Parecia que as sombras do Mundo Mágico haviam decidido tomar forma humana.
Harley estreitou os olhos, tentando identificar alguma característica que os diferenciasse. Cada detalhe parecia calculado para apagar qualquer traço de individualidade.
Não havia rostos visíveis, nem indícios de gênero ou idade. Mas um elemento destoava: uma das figuras trajava um material mais escuro, quase opaco, e isso foi o suficiente para que ele reconhecesse.
Milhões de perguntas inundaram sua mente, mas ele as afastou. Não era o momento. O foco voltou-se para o restante do grupo. Estavam com uma grande quantidade de armamentos, carregando rifles de precisão, metralhadoras leves e lâminas afiadas que refletiam um brilho ameaçador.
As mochilas robustas que traziam nas costas sugeriam que estavam prontos para enfrentar combates prolongados, talvez até sobreviver dias inteiros em terreno hostil.
Harley sabia o suficiente para compreender parte daquelas armas. Ele havia estudado o catálogo holográfico durante a viagem, mas os designs mais avançados escapavam à sua compreensão. Era claro que algumas daquelas peças haviam sido desenvolvidas para operar em situações extremas que ele mal podia imaginar.
Doravan, que até então permanecera em silêncio, finalmente falou, mas em tom baixo:
— Milenium… — disse, como se o nome fosse pesado.
A mulher, de fato, era inconfundível. Mesmo coberta pelo traje escuro, sua postura emanava autoridade. Quando ela finalmente ergueu a cabeça, o grupo ao seu redor abriu espaço, permitindo que ela avançasse. Era um movimento quase imperceptível, mas carregado de significado: ela era a líder indiscutível.
Harley, no entanto, não conseguiu ignorar a inquietação que crescia dentro de si.
— Por que todos estão escondendo o rosto? — murmurou, mais para si do que para Doravan.
O professor demorou a responder, analisando-a cuidadosamente enquanto ela se aproximava. Finalmente, falou:
— Pode ser proteção… ou talvez algo mais.
Enquanto o grupo continuava a observá-los, Doravan ativou o próprio traje. Uma armadura flexível e resistente envolveu seu corpo, deixando apenas o rosto descoberto.
Ele ajustou os mecanismos, o som suave dos comandos quebrando o silêncio tenso. Quando terminou, ambos começaram a caminhar em direção ao grupo.
A tensão parecia aumentar a cada passo. O olhar de Harley se fixou em Milenium que também se aproximava, tentando encontrar algo em sua postura ou gestos que revelasse suas intenções.
— Milenium!? — exclamou Doravan, sua voz carregada de incredulidade.
A jovem inclinou ligeiramente a cabeça, um gesto que, de forma sutil, confirmou sua identidade enquanto parecia medir cuidadosamente a reação deles.
Ao vê-la mais de perto, Harley viu suas lembranças voltarem tal qual um clarão. Ele já havia visto Milenium antes, no comunicador, mas a estranheza do momento o atingiu agora, de maneira abrupta, tal qual um soco no peito.
— Ela não deveria estar aqui… — murmurou, mais para si mesmo, lembrando um fato que tinha esquecido — A explosão na Academia… era impossível sobreviver àquilo.
— Ela estava lá!? — disse Doravan lançando-lhe um olhar rápido, os olhos estreitados.
Harley assentiu lentamente e completou:
— Sim! Ela estava lá. Eu a vi entrar na Academia momentos antes da explosão.
A revelação fez o rosto do velho professor se contorcer em descrença.
— Você está dizendo que… ela estava no epicentro? — a voz dele era quase um sussurro — Então, isso não faz sentido.
Milenium deu mais alguns passos à frente, interrompendo a conversa.
— Algumas coisas não podem ser explicadas agora. E mesmo se pudessem, não é o momento — disse, sua voz firme, mas calma.
— Isso não explica… — começou Doravan, mas ela o interrompeu.
— Não temos tempo para isso. Cada segundo perdido nos aproxima da falha. Concentrem-se.
O velho professor a encarava com uma expressão séria, mas Harley percebia a hesitação nos olhos do professor. Não era comum ver Doravan demonstrar incerteza, e isso o deixou ainda mais desconfiado da situação.
Harley hesitou, mas sabia que ela estava certa. Havia uma prioridade mais urgente à frente.
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