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    “A força de um último desejo está em sua capacidade de inspirar e guiar os que permanecem. O último desejo de um guerreiro é um legado de determinação. É uma luz que brilha através das trevas, lembrando-nos do que está em jogo.”

    O Código do Guerreiro Solitário, Verso 112.


    Aurora tinha programado tudo e não deu nenhuma margem de decisão para Harley e Marcus. Os dois foram sugados pelo artefato de teletransporte acionado pela garota. 

    O quadrado tecnológico exibia uma força de sucção avassaladora, arrebatando-os de qualquer controle ou vontade própria. 

    Em um instante, a paisagem ao redor deles desapareceu, substituída por uma sensação vertiginosa de movimento rápido dentro de um tubo negro desformado. Era como ser arrastado por um turbilhão, uma força imparável que os tornava meros passageiros.

    De repente, o turbilhão cessou. Harley tentou lutar contra a força do teletransporte, mas foi inútil. Ele e Marcus foram atirados pelo portal, apenas para perceber que, ao atingir o destino, não havia volta. 

    Em um ato desesperado, ambos tentaram saltar de volta para o portal que se fechava, mas seus esforços foram em vão. O portal se selou com um estalo, deixando-os no salão. 

    Enquanto tentava recuperar o fôlego, Harley refletiu sobre a brutalidade da vida. A ilusão de que se pode agir com total liberdade e exercer a própria vontade se dissipava. Era evidente: a vida frequentemente os empurrava para lugares inesperados, onde o controle era mínimo e a adaptação, inevitável. 

    A ideia de que se pode determinar todos os passos e destinos era uma fantasia. A realidade era uma série de adaptações forçadas, moldando-se às circunstâncias que surgiam de maneiras imprevistas.

    Sergio tinha ganho novamente. Para Sergio, a vitória só se daria com a morte de Harley, mas para este, o  pequeno triunfo do jovem líder do clã Dragões de Sangue já estava gravado na sua mente. Sergio estava se tornando mais difícil e perigoso de enfrentar. Cada encontro deixava isso mais claro.

    Marcus foi o primeiro a recuperar sua compostura. Sua máscara de impassividade voltou com firmeza. Ele olhou para o jovem ao seu lado e disse com a voz controlada: 

    — Estamos na Escola de Exploradores Interdimensionais. Não faça nenhum movimento. Aguarde e não se contraponha a todos os procedimentos de segurança.

    Harley assentiu, tomando consciência da magnitude do lugar em que se encontravam. O salão principal da escola era um local de entrada construído para estabelecer o transporte entre distâncias vastas. 

    O salão era uma fortaleza imponente, concebida mais como uma prisão do que um local de entrada. As paredes, revestidas de um metal negro e opaco, absorviam a luz fria emitida por barreiras de energia que pulsavam com um brilho ameaçador. O chão era constituído de uma pedra áspera e escura, marcada por fissuras.

    Anéis de contenção se erguiam em sucessivas camadas ao redor do salão, cada um cercado por fossos profundos e preenchidos com pontas metálicas que emergiam do teto e do chão, prontas para impalar qualquer intruso que tentasse atravessar. 

    Barreira após barreira, era uma visão intimidadora que deixava claro que a segurança aqui era prioritária. 

    Armas avançadas, semelhantes aos rifles que Harley havia encontrado no Local Proibido, estavam montadas em suportes giratórios e apontadas diretamente para eles. 

    As bocas das armas brilhavam com uma energia pulsante, prontas para disparar ao menor sinal de movimento suspeito. Guardas armados, com uniformes de combate reforçados, patrulhavam as passagens estreitas entre os anéis de contenção, seus olhos atentos a qualquer ameaça.

    Portas metálicas pesadas, reforçadas com múltiplos sistemas de travamento, marcavam os pontos de controle de segurança ao fundo do salão. Cada porta era uma barreira quase intransponível, vigiada por sentinelas que não hesitariam em agir.

    A presença de tantas armas e medidas de segurança fazia com que o ar estivesse carregado de tensão. Harley podia sentir o peso da contenção; a ideia de fuga parecia impossível diante de tamanha fortificação. Ele e Marcus eram observados de perto, cada movimento escrutinado, cada respiração contada.

    O ambiente opressivo e as defesas implacáveis deixavam claro que este era um lugar onde a segurança era absoluta, e a liberdade, uma ilusão distante.

    — Cadê Aurora? — perguntou uma voz distante, mas forte — Quem são vocês?

    Marcus se surpreendeu ao ouvir o nome ‘Aurora’. Pensando rapidamente, ele logo chegou à conclusão acertada de que a Escola de Exploradores Interdimensionais havia usado outra pessoa para substituir Milenium. Uma onda de alívio inundou sua mente ao perceber que quem se sacrificou por eles não foi Milenium, mas sim Aurora. 

    Agora, ele entendia por que aquela pessoa estava usando um capacete que ocultava seu rosto. Uma pequena expressão de satisfação e alegria apareceu brevemente em seu rosto, desaparecendo tão rápido quanto surgiu. 

    Marcus finalmente deu um passo à frente, tentando manter a compostura em meio à pressão sufocante. Sabia que, embora fosse um espião da Escola de Exploradores Interdimensionais, sua verdadeira identidade e missão eram segredos bem guardados.

    — Somos aliados dela — começou Marcus, escolhendo cuidadosamente suas palavras — Fomos enviados em uma missão conjunta, mas as circunstâncias mudaram rapidamente.

    O silêncio, após a primeira declaração, indicava que a tensão no salão cresceu ainda mais. Os dois sabiam que cada palavra, cada movimento, estava sendo analisado minuciosamente. 

    A segurança rígida da Escola de Exploradores Interdimensionais não deixava espaço para erros ou segredos. Marcus, percebendo a situação delicada, tentou ajustar sua abordagem.

    — Houve muitos imprevistos, e nossas prioridades mudaram para garantir a segurança de todos. Aurora fez o que achava necessário.

    A voz autoritária voltou a soar, agora com um tom mais severo.

    — Preciso de uma explicação completa e transparente. O destino de vocês e a segurança da Escola estão em jogo.

    Harley, sentindo o peso da situação, percebeu que qualquer tentativa de ocultar informações poderia resultar em consequências severas. Ele trocou um olhar rápido com Marcus, que assentiu sutilmente, entendendo que era hora de cooperar totalmente.

    — Aurora se sacrificou para nos salvar — confessou Harley — Ela ativou o quadrado tecnológico para nos transportar para cá, longe do perigo imediato. 

    A revelação trouxe um silêncio tenso ao salão. Os guardas continuaram a analisar os dados, enquanto a voz autoritária ponderava a nova informação.

    — Vocês estão dizendo que ela se sacrificou de bom grado?

    Os dois omitiram deliberadamente vários detalhes, tentando se protegerem. Enquanto voltavam a tentar explicar a situação, de repente, o quadrado tecnológico foi arrancado deles sem aviso prévio por uma força de sucção. 

    O jovem Ginsu e Marcus se surpreenderam com a rispidez do ato. Um dos guardas, examinando o artefato, informou ao dono da voz inicial distante:

    — O quadrado tecnológico tem uma mensagem privada, senhor!

    A voz respondeu com autoridade:

    — Traga o artefato aqui!

    Após um longo período de espera, a voz se pronunciou novamente:

    — Coloquem o jovem mago na prisão e tragam o outro jovem aqui!

    Os dois foram separados, cada um seguindo seu destino. Marcus, ciente de seu papel como espião, compreendeu que o cônsul não poderia tratá-lo de outra forma se desejava que ele continuasse a ser útil infiltrado na Escola de Magia dos Ossos de Dragão. Harley foi levado para uma sala diferente do salão anterior.

    A nova sala era austera. Paredes cinzentas e sem adornos, uma mesa de metal no centro, algumas cadeiras e um painel de controle ao fundo. Sentado à mesa, o chefe do lugar, aguardava. Ele era um homem careca, magro, com um porte magnético e bem vestido. Sem perder tempo, ele se apresentou:

    — Eu sou o Cônsul e líder da Escola de Exploradores Interdimensionais.

    Sem mais palavras, ele apertou o dispositivo tecnológico que havia trazido Harley até ali. Um holograma de Aurora apareceu no ar. A imagem era clara e detalhada, mostrando Aurora com uma expressão determinada.

    — Pai… — começou Aurora, sua voz trêmula 

    Um gemido contido foi ouvido no fundo, e o jovem notou pela primeira vez uma senhora, quase escondida em uma poltrona ao fundo da sala. Ela estava bem vestida e muito parecida com Milenium, uma versão mais velha. Harley deduziu que ela deveria ser a esposa do Cônsul. 

    — Me desculpem, pai e mãe — continuou Aurora — Eles me salvaram tantas vezes que não era certo abandoná-los. Por favor, ajude Harley. Ele pode ser uma boa contribuição nesta guerra entre os outros poderes. Doravan provavelmente ia usá-lo como cobaia. Ele é mais forte do que aparenta. Esse é meu primeiro e único pedido a vocês. 

    E depois de uma pausa, Aurora concluiu:

    — Harley, não vamos poder estar mais juntos… — disse Aurora, limpando uma lágrima — Seja feliz! Nem sempre continuar fugindo é a solução.

    A imagem de Aurora desvaneceu-se, deixando um vazio palpável na sala. O jovem não conseguia imaginar em que momento Aurora teria gravado aquela mensagem. Ele se perguntava: “Será que o artefato poderia gravar pensamentos?” 

    Enquanto essas dúvidas o assombravam, o Cônsul limpou a garganta várias vezes, tentando recompor-se. Sua esposa, visivelmente emocionada, saiu da sala apressadamente. 

    Harley não conseguia aceitar a ideia de que sua amiga poderia estar morta. Ele definitivamente não acreditava nesta hipótese. 

    A incredulidade lutava contra a lógica, e ele se forçava a acreditar que Aurora ainda estava viva, embora em grande perigo. A angústia o consumia junto com o peso de não poder retribuir rapidamente um grande favor. E a necessidade de manter viva a esperança o fez murmurar:

    — Vamos te salvar! Eu vou te salvar.

    O Cônsul, com uma expressão dura, respondeu:

    — Impossível. Ela está morta.

    A convicção, do pai de Aurora, pegou Harley de surpresa. Tentando ainda negar a realidade, ele se perguntava: “por que Aurora não poderia estar presa ou ser um refém? Ela era aluna de Doravan. Poderia ele ter se enganado tanto na avaliação de uma pessoa como fizera com Doravan?”

    O Cônsul, olhando para cima, ainda contrariado e raivoso com o comportamento de sua filha, murmurou:

    — Porque ela fez isso…

    Ele parecia desolado, talvez porque nunca mais poderia ter sua filha de volta. Nunca mais poderia tratá-la adequadamente como uma filha em vez do habitual tratamento como um instrumento. 

    Aurora tinha feito muito, sacrificando-se pela Escola de Exploradores Interdimensionais, mas nunca recebera nada em troca além de mais missões e responsabilidades. O Cônsul, perdido em seus pensamentos, esqueceu-se de Harley na sala.

    — Como poderia eu não saber que ela está morta? — disse o líder, da Escola de Exploradores Interdimensionais, para si mesmo, — No momento em que o artefato de transporte foi ativado, o dispositivo ligado à sua vida foi destruído.

    “Pelo menos foi uma morte rápida” — era o pensamento que conformava o Cônsul. 

    Voltando-se para Harley após um longo tempo, ele em uma voz mais resignada disse:

    — Não podemos mudar o passado nem as decisões das pessoas. Apenas colhemos as consequências e seguimos em frente.

    Apenas o cônsul sabia que o quadrado tecnológico registrava meticulosamente todos os passos e ações de Aurora. Com base nessas informações e nas habilidades observadas, ele compreendia a importância de cooptar Harley, independentemente do pedido de sua filha.

    — Agradeço o que fez por Aurora. E para realizar o último desejo de Aurora, quero oferecer-lhe um lugar na Escola de Exploradores Interdimensionais. A escolha é sua, mas devo salientar, por atenção ao pedido de minha filha, que qualquer outra decisão sua será incerta e quase suicida, considerando o estado de guerra entre as forças do Mundo Mágico.

    Harley percebeu que, como todo bom líder, o Cônsul estava tentando enredá-lo, realçando suas ações para aumentar o senso de dívida e gratidão. Mesmo assim, ele sabia que tinha que considerar a oferta seriamente. 

    As últimas palavras de Aurora voltaram a tumultuar a sua mente: “Seja feliz! Nem sempre continuar fugindo é a solução.”

    A mensagem de Aurora se repetia como um pedido que não tinha espaço na vida do jovem. Harley conhecia bem a felicidade como um estado efêmero, sempre substituído por dor, perda ou sofrimento. 

    No fundo, ele sabia que nada durava para sempre, e o jovem sabia ainda mais que a felicidade não podia ser alcançada permanentemente. Por todas as suas experiências, ele entendia que a felicidade era um resultado fugaz, fruto de ações momentâneas ou até mesmo do acaso. Ela não era um abrigo permanente que pudesse proteger alguém durante toda a vida. 

    Harley sabia que Aurora estava certa. Internamente, ele reconhecia que fugir constantemente não era uma solução definitiva, mas sim um expediente que até então tinha funcionado para evitar parte da dor e do sofrimento em vez de receber toda a carga de uma vez.

    No entanto,  ele compreendia que havia chegado o momento em que não poderia mais se esquivar. Havia chegado o momento em que não devia fugir. Era hora de encarar a realidade de frente.

    Ele precisava enfrentar a realidade. Ele tinha algo que devia a si e ao sacrifício de Aurora. Precisava enfrentar a perda, confrontar a ausência dela com seus próprios olhos. Antes de almejar qualquer possibilidade de felicidade, Harley sabia que precisava, por honra e respeito, colocar Doravan na lista de acertos de contas. 

    Além disso, ele estava determinado a retornar ao Local Proibido, mesmo que fosse para resgatar os restos de Aurora, custasse o que custasse.

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