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    “Nas sombras, eles sussurram segredos que só aqueles com ouvidos atentos podem ouvir. E é nesse sussurro que o verdadeiro poder se oculta.”

    Sussurros das Sombras VIII, transmissão oral do Clã Adaga Arcana.


    O grupo prosseguia com cuidado pelo Local Proibido. Apesar da quantidade de pessoas, o único som que se ouvia era o eco sutil de seus passos, enquanto o ambiente permanecia quase sufocante em seu silêncio. 

    Cada passo era dado com extrema cautela, como se o próprio chão pudesse ceder a qualquer momento, arrastando-os para uma nova e indesejada realidade.

    Harley tornou-se naturalmente o líder do grupo, resultado de seus sentidos aguçados e das experiências traumáticas que todos haviam enfrentado juntos até então. Embora estivesse determinado a manter o foco, sabia que a Zona Inicial da Esquerda havia revelado apenas um vislumbre dos perigos que se escondiam mais adiante. 

    Ele começou a sentir uma presença diferente no ar — algo mais profundo, mais sombrio, como se uma força muito antiga e poderosa os observasse. A energia pulsante ao redor parecia ter vida própria.

    Virou-se para o Cônsul, seus olhos cheios de alerta. Com um tom de urgência na voz, perguntou:

    — Você sente isso?

    O Cônsul franziu o cenho, seus olhos se estreitando enquanto tentava captar a estranha vibração.

    — Sim — respondeu ele, repetindo o gesto, seus olhos se estreitando ao tentar captar a estranha sensação — é como se algo estivesse nos observando, algo fora do comum, que não pertence a este lugar.

    — Isso poderia ser obra de Doravan? — indagou Harley, sabendo que o Cônsul e Milenium conheciam o inimigo melhor do que ele.

    Milenium, até então silenciosa, aproximou-se devagar enquanto ajustava o capacete de combate. Era evidente que também estava sendo afetada pela atmosfera opressora.

    — Doravan é poderoso — disse ela — mas ele não controla completamente o Local Proibido. Este lugar é uma dimensão autônoma, com leis próprias. Ele pode manipular alguns elementos, mas há algo aqui… algo muito além de sua compreensão.

    A dúvida crescente na sua mente começou a se dissipar. Ele sabia que Milenium estava certa. A dimensão parecia viva, consciente, observando cada um de seus movimentos. Havia algo ainda maior em jogo, algo que nem mesmo Doravan poderia subjugar.

    De maneira intrigante, os zunidos que Harley sempre ouvia ao tocar as linhas do destino ou ao mudar de realidade dentro do Local Proibido começaram a se transformar. O que antes era um ruído indistinto moldava-se gradualmente em sons coesos. 

    O que inicialmente parecia uma vaga lembrança evoluiu para uma memória vívida, com palavras claras: “Este é um lugar onde todas as realidades se encontram. Onde o passado, o presente e o futuro são apenas reflexos do que poderia ser.” 

    Essas palavras ressoaram em sua mente com uma clareza perturbadora. Ele fechou os olhos por um instante, tentando compreender o enigma. Este lugar não era apenas um desafio físico; parecia ser um quebra-cabeça, um teste de inteligência, vontade e resistência. 

    Sabia que precisaria de tempo para descobrir mais, para desenterrar os segredos que permeavam o Local Proibido. Mas tempo era exatamente o que eles não tinham.

    Subitamente, um tremor violento sacudiu o chão sob seus pés, e Harley sentiu uma nova onda de energia, ainda mais forte e intensa, aproximando-se. Algo gigantesco estava por vir.

    — Formem um círculo! — ordenou o Cônsul, notando também a mudança no ambiente — Preparem-se, há algo ameaçador se aproximando!

    Em um movimento ágil, os guerreiros se agruparam, formando três círculos concêntricos ao redor do Cônsul, Milenium e Harley, comprimidos no centro. Suas armas estavam em prontidão, e seus olhos atentos vasculhavam o horizonte nebuloso. 

    O ar parecia se condensar, ficando mais denso e quase impossível de respirar, como se uma tempestade estivesse prestes a explodir. E então, todos avistaram ao mesmo tempo:

    Uma figura colossal começou a se materializar no horizonte distante, erguendo-se das profundezas da terra. A criatura era composta por partes geométricas do próprio Local Proibido, cada ângulo irregular e perverso, formando uma estrutura grotesca. 

    Pontas afiadas e disformes cresciam dela, como se o próprio local estivesse se fundindo para criar uma abominação viva. Inúmeros triângulos de diferentes tamanhos formavam seus dentes em uma boca ameaçadora, cada um deles cintilando com uma luz opaca. Era algo vagamente humanoide, mas muito mais sinistro do que qualquer criação de Doravan.

    “Talvez essa criatura tenha sido a inspiração de Doravan para seus experimentos” — pensou Harley, observando a fera que se aproximava.

    O monstro parecia ser o próprio guardião do Local Proibido, uma máquina de destruição. Seus olhos, duas órbitas vermelhas incandescentes, cravaram-se no grupo. 

    Ele não sabia ao certo como explicar, mas sentia profundamente que aquilo não era um inimigo comum; era uma encarnação viva do próprio Local Proibido, uma personificação da destruição, destinada a purgar qualquer invasor que ousasse profanar aquele território.

    — Tropa, formação de ataque! — ordenou o Cônsul, mantendo a calma, mas com o tom de voz carregado de tensão.

    O primeiro ataque veio rápido, explosões de energia disparadas contra a criatura. Mas, para horror de todos, não causou nenhum dano. A coisa continuou avançando, seu corpo grotesco se expandindo e rearranjando-se, como se se alimentasse da própria destruição ao seu redor.

    — Nosso ataque não está surtindo efeito! — bradou Milenium, a frustração evidente em sua voz — Precisamos recuar! Somos mais rápidos do que essa criatura!

    O Cônsul lançou um olhar firme ao grupo e assentiu, sua expressão endurecendo com uma determinação inabalável. Tanto ele quanto Harley sabiam que fugir era a única escolha sensata diante da ameaça iminente.

    — Vamos! Não podemos perder mais um segundo aqui! — ordenou, acatando a sugestão de Milenium e deixando claro para sua tropa que não havia outra opção.

    A criatura avançava, lenta, mas implacável, sua forma distorcida em constante mutação. Ela crescia a cada passo, absorvendo partes do Local Proibido, como se devorasse o ambiente ao redor para se fortalecer ainda mais.

    Todos os olhares se voltaram para Harley, esperando que ele indicasse uma direção. Sabiam que ele possuía uma conexão misteriosa com o lugar, pois suas decisões sempre se mostravam acertadas. 

    Sentindo a pressão dos olhares e sem alternativas ou ideias claras, ele decidiu confiar nas linhas do destino, buscando nelas uma orientação mais segura ou, ao menos, uma forma de melhorar as chances de sobrevivência enquanto fugiam da criatura.

    Na mente de Harley, as linhas negras se desenhavam, irradiando dele em todas as direções, penetrando o âmago do Local Proibido. Após tanto tempo naquele inferno, ele havia desenvolvido uma conexão instintiva com essas linhas. 

    Sabia que elas representavam sua única chance de escapar ileso, o único caminho para a sobrevivência. Com os olhos cerrados, ele se concentrou intensamente, tentando captar a vibração sutil das linhas ao seu redor.

    De repente, uma delas se destacou, brilhando intensamente em sua mente, como um farol em meio à escuridão. Harley abriu os olhos e viu que a criatura estava quase sobre eles, sua forma gigantesca se torcendo e girando de maneiras que desafiavam a lógica. Ele sabia que tinha que agir imediatamente.

    — Sigam-me! — ordenou ele, aumentando a velocidade — Há um caminho! Rápido, todos!

    Sem hesitar, o grupo disparou atrás dele, abandonando a formação de recuo em favor da velocidade, confiando cegamente na liderança daquele jovem. Os horrores que já haviam enfrentado ensinaram-lhes uma lição valiosa: seguir Harley era a única chance que tinham.

    Eles avançaram enquanto o Local Proibido ao redor deles parecia distorcer-se, tornando-se ainda mais hostil. As formas geométricas das quais a criatura era feita se mesclavam com o ambiente, como se o próprio mundo estivesse desmoronando.

    Enquanto corria, a sensação de conexão com as linhas do destino ficou mais forte. Harley já tinha percebido que essas linhas não apenas guiavam seu caminho físico, mas também o conectavam a diferentes realidades. 

    Ele conseguia sentir os fios vibrando com possibilidades que ainda não existiam, mas que estavam ali, à espera de serem concretizadas. Cada linha que ele tocava parecia transmitir fragmentos de tempos e realidades que ele nunca havia vivido.

    De repente, a mesma memória enigmática invadiu sua mente mais uma vez: “Este é o lugar onde todas as realidades convergem. Onde passado, presente e futuro não passam de reflexos do que poderia ser.” 

    Harley sabia que essas palavras não eram fruto de suas próprias vivências, mas vinham de algo além de sua compreensão. Era o próprio Local Proibido que o alcançava, utilizando as linhas como um elo invisível, conectando sua mente ao tecido do universo.

    As realidades sobrepostas, pelas quais eles transitavam, estavam moldando suas memórias. Ele agora compreendia que sua nova lembrança não era apenas resultado de suas vivências, mas uma consequência direta de sua ligação com as linhas do destino. 

    Cada realidade que ele atravessava alterava sua percepção do tempo e do espaço, preenchendo lacunas com fragmentos de conhecimento que ele nunca havia tido antes. 

    Essas linhas eram mais do que simples guias. Elas transmitiam não apenas direções, mas também conhecimento. 

    Harley percebeu que estava começando a entender a verdadeira natureza do Local Proibido — um lugar onde todas as realidades convergiam, e onde o tempo não era linear, mas fluido. O passado, o presente e o futuro estavam todos entrelaçados, e as linhas que ele seguia eram os fios que teciam essa complexa ligação.

    A criatura avançava com uma velocidade assustadora, suas formas se contorcendo e se rearranjando enquanto devorava impiedosamente o Local Proibido. A cada nova fusão, crescia em poder, e a realidade ao redor de todos tremia como se estivesse sendo rasgada por garras invisíveis.

    O coração de Harley disparou quando sentiu um forte puxão no estômago — um sinal claro de que estavam prestes a cruzar uma nova e desconhecida fronteira.

    O ar ao redor tornou-se quase impossível de respirar, sufocante, indicando que estavam no fim daquela realidade e próximos de chegar a uma nova dimensão do Local Proibido.

    “Para onde essa linha do destino nos levará?” — pensava Harley, torcendo por conseguir chegar ao final da linha antes que a criatura os alcançasse.

    Cada passo parecia mais difícil que o anterior, como se fossem puxados de volta por forças invisíveis que desejavam mantê-los naquele inferno crescente. 

    Ele olhou ao redor, percebendo que haviam chegado a uma parte desconhecida do Local Proibido — um lugar de silêncio absoluto, quebrado apenas pelo som horrível da criatura devorando tudo ao seu redor.

    Um som profundo ecoou atrás deles, como uma explosão abafada. Harley sentiu a realidade ao seu redor tremer novamente, desta vez com uma força tão intensa que quase o derrubou.

    “Está quase nos alcançando!” — ele pensou em desespero, virando-se para ver a criatura, agora muito maior, estender suas garras em sua direção.

    Seus instintos gritaram para correr, mas seus pés pareciam cravados no chão. O tempo parecia se esticar, e por um segundo, tudo ficou parado, como se o mundo estivesse esperando o golpe final.

    A criatura gigante soltou um grito ensurdecedor, um som que parecia rasgar o tecido da própria realidade. Era tão avassalador que Harley teve que cobrir os ouvidos por um momento, enquanto o chão tremia debaixo de seus pés. 

    O Cônsul e Milenium lutavam para manter o equilíbrio, seus rostos revelando cansaço e desespero. O grupo estava à beira do colapso.

    Ele avistou o portal. O ponto onde a linha do destino os guiava estava se aproximando rapidamente.

    — Aqui! — gritou Harley, a voz carregada de urgência enquanto apontava para o portal cintilante à frente.

    Todos correram em direção ao local apontado, incapazes de diferenciar o que aquele lugar tinha de especial ou diferente, mas confiando na sua liderança. O som monstruoso da criatura ecoava atrás deles, crescendo em intensidade, como se estivesse prestes a consumi-los.

    Sem hesitar, Harley deu um último impulso, sentindo a adrenalina explodir em seu corpo, e lançou-se em direção ao portal. O mundo pareceu girar ao seu redor enquanto ele era sugado pela fenda distorcida, atravessando para o desconhecido.

    Mas o que veio a seguir não foi o simples alívio da fuga. No exato momento em que seus pés tocaram o chão do outro lado, o jovem sentiu algo estranho. Uma força invisível pareceu se estender de seu corpo, conectando-o aos seus companheiros. 

    Ele não só havia atravessado o portal sozinho — havia arrastado todos os outros com ele. Como fios invisíveis que os ligavam, seus amigos foram sugados, levados pela força que Harley, de algum modo, controlava sem perceber.

    Os gritos de surpresa e o som dos corpos se chocando contra o chão ecoaram ao seu redor. Ainda ofegantes pela corrida desesperada, os companheiros olhavam ao redor com expressões de puro horror, sentindo o alívio breve de terem escapado por um triz da criatura que os caçava. 

    O perigo imediato havia passado, mas o medo ainda pairava sobre eles como uma sombra. Ninguém questionava o que havia acabado de acontecer. Estavam todos exaustos demais, seus corações martelando no peito, suas mentes ainda presas à ameaça que haviam deixado para trás.

    Harley sabia, com uma clareza inquietante, que o perigo não havia desaparecido. Enquanto seus amigos se recuperavam, ofegantes e trêmulos, do horror de quase terem sido devorados pela criatura, algo muito mais perturbador se revelava para ele. 

    Não era apenas o alívio de ter escapado, nem o cansaço extremo que pesava sobre seus ombros. Era uma sensação profunda, visceral. Um sussurro invisível vibrava no fundo de sua mente. Uma ligação sombria.

    O Local Proibido não os havia simplesmente deixado ir. Era como se o próprio lugar estivesse tentando se comunicar com ele, do mesmo modo estranho e inexplicável que havia implantado uma memória que ele nunca viveu, uma lembrança que não lhe pertencia. 

    Essa sensação, essa comunicação silenciosa, agora voltava com força total — mas desta vez trazia consigo uma certeza avassaladora: cada vez que atravessasse um portal, arrastaria todos consigo, gostassem ou não.

    Harley sentiu um arrepio percorrer sua espinha, mas não era medo — era a percepção da responsabilidade esmagadora que agora carregava. Seus companheiros não tinham a menor ideia do que estava acontecendo. Para eles, o pavor havia passado com a fuga, e agora só restava o esgotamento. 

    Mas para o jovem, algo havia mudado. Ele estava ligado ao Local Proibido de uma maneira que ninguém mais poderia entender, como se sua própria essência estivesse entrelaçada ao lugar, como fios invisíveis conectando-o a cada sombra, a cada dobra desse mundo.

    A verdade era cruel: cada escolha que fizesse, cada novo portal que cruzasse, não seria apenas sua decisão — todos os outros seriam sugados junto a ele, como marionetes presas a um único fio. 

    O fardo disso pesava sobre ele como um manto sufocante. Estavam todos condenados a seguir seus passos, mesmo sem saber. O Local Proibido havia selado seus destinos de uma forma que só Harley compreendia, e esse conhecimento era tanto um presente quanto uma maldição.

    Por mais que tentasse afastar o pensamento, não havia como escapar. Ele estava intrinsecamente conectado ao lugar, e cada vez que sentia essa ligação pulsar, era como se o próprio ambiente ao redor sussurrasse em sua mente: 

    “Você decide o destino de todos.”

    Harley se virou para o grupo, ainda ofegante, o peso desse segredo esmagando-o, mas mantendo o rosto firme. Ele sabia que não podia revelar o que acabara de descobrir. Não agora.

    — Estamos fora de perigo por enquanto — disse, forçando a voz a soar segura — Mas precisamos seguir em frente. Este lugar não nos dará descanso.

    O Cônsul, ainda segurando seu rifle com força, assentiu. O brilho sombrio em seus olhos denunciava o peso da responsabilidade que ele carregava, mas sem a dimensão do que Harley agora sabia.

    — Você nos salvou! — disse o Cônsul, sua voz firme, mas grata.

    O jovem apenas acenou, sabendo que, apesar das palavras de reconhecimento, a verdadeira salvação estava longe de ser garantida. Eles pensavam que ele os havia salvado — quando, na verdade, os havia arrastado para um destino que nem ele mesmo podia controlar.

    Milenium se aproximou, colocando uma mão no ombro de Harley, seus olhos refletindo gratidão e exaustão.

    — Sem você, estaríamos perdidos… — disse ela, a voz hesitante, como se as palavras não fossem suficientes para expressar a intensidade de sua gratidão.

    Harley permaneceu em silêncio por um momento, olhando para todos os seus companheiros, que confiavam cegamente nele, acreditando que sua liderança os havia guiado para a segurança. 

    Mas só ele sabia a verdade amarga: suas escolhas não eram apenas suas. Cada passo, cada portal atravessado, prendia todos a um destino que ele jamais poderia desfazer.

    O fardo invisível de decidir o destino de todos pendia sobre seus ombros, e, por mais que quisesse compartilhar essa verdade, o momento não era o certo. Ele apenas assentiu, levando o grupo adiante, com um nó apertado na garganta, sabendo que o próximo portal que cruzassem seria sua decisão, mas também sua culpa, caso algo desse errado.

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