Capítulo 183 - Ciclos inquebráveis
“O destino é uma linha tênue, invisível aos olhos comuns, mas tão palpável quanto a lâmina de uma adaga para aqueles que o sentem. Caminhar sobre ele requer coragem, mas saber quando saltar para fora da linha… essa é a verdadeira arte de sobreviver.”
— Sussurros das Sombras, XIV.
— Dividam-se! — gritou o Cônsul, sua voz ecoando firme, trazendo todos de volta à ação.
Harley, mesmo concentrado em sua própria liderança, não pôde deixar de notar um tremor sutil na voz do líder. Algo na entonação do Cônsul parecia vacilante, uma rachadura quase imperceptível em sua confiança habitual.
— Vamos vasculhar cada canto dessas naves como fizemos antes, mas desta vez seremos implacáveis. Estamos em um maior número agora, conhecemos os traidores, sabemos quem são e onde se escondem. Agora, é hora de caçá-los e exterminá-los.
As palavras do Cônsul soavam determinadas, mais seguras do que Harley se sentia naquele momento. A divisão das equipes foi rápida. A experiência anterior os moldara, transformando-os em máquinas de sobrevivência.
Mas Hayley, não conseguia afastar a sensação opressiva de que algo muito importante estava sendo ignorado. As tramas do destino, normalmente sua guia infalível, agora tremulavam de maneira errática e confusa.
O padrão repetitivo das linhas o incomodava profundamente, como um enigma que ele deveria resolver, mas que sempre parecia fugir de sua compreensão.
Ele sabia o ponto crítico. A nave A-14. Foi ali que os traidores implantaram os primeiros explosivos da última vez, desencadeando a catástrofe. Quase toda a missão foi aniquilada por causa disso.
Agora, Harley tinha a vantagem do conhecimento. Ele sabia onde procurar, sabia onde os explosivos estariam. Sabia o que deveria ser feito. Mas algo no ar, na vibração ao seu redor, ainda sussurrava incerteza.
Enquanto conduzia sua equipe, o jovem Ginsu olhava de relance para seus homens, todos concentrados, silenciosos. O tempo entre a missão anterior e o agora pareceu diminuir. O cheiro do metal desgastado, o eco dos passos no corredor da nave, os visores iluminando os cantos escuros — tudo parecia igual ao passado. Ele estava vivendo aquilo de novo.
Sabia que os traidores estavam à espreita, que explosivos aguardavam para transformar tudo em caos, mas, mais do que isso, a repetição o atormentava. Harley sentia que, por mais que tentasse evitar, o ciclo se repetia e ele estava sendo arrastado para o mesmo resultado, como um rio que corre para um abismo.
Seu coração batia forte, mas o controle precisava ser mantido. Sua equipe precisava dele lúcido. Ele caminhou em direção à nave A-14, seus soldados atrás dele, olhos atentos ao redor.
Cada pequeno som, cada centelha de luz era uma ameaça potencial. A tensão aumentava a cada passo. Estavam chegando ao ponto crucial. O painel de controle da nave estava logo à frente. Harley sabia o que encontrar ali, mas uma dúvida o corroía: “seria suficiente o que ele sabia?”
As portas da nave deslizaram com um chiado. O ar dentro estava denso, mais frio, carregado de uma sensação de abandono. Ao entrarem, o silêncio pesou sobre eles como um manto.
Ele sinalizou com a mão para que seu pelotão avançasse com cautela. O piso de metal rangia sob seus pés, ecoando de forma assustadora pelos corredores vazios. A nave A-14 estava deserta, tal como ele lembrava. Mas algo parecia diferente, mais escuro, mais pesado.
Harley e seu grupo se dirigiram ao painel de controle. Ele sabia que era ali que o primeiro explosivo estava escondido, bem debaixo das estruturas principais. A familiaridade com a cena o deixou inquieto.
Não apenas sabia onde o explosivo estava — ele sentia a presença dele. Podia praticamente ouvir o tique-taque invisível do dispositivo esperando para ser desarmado. Ao se ajoelhar para começar o procedimento, a pergunta voltou à sua mente:
“Será que realmente estava salvando vidas, ou repetindo uma sequência inevitável?”
A equipe avançava com eficiência, os dedos movendo-se com precisão, enquanto Harley permanecia atento, os olhos acompanhando cada movimento. Mesmo com o suor escorrendo pelo rosto, seu foco era inabalável.
— Primeiro explosivo neutralizado — um dos soldados anunciou, sua voz ressoando pela nave. Mas, ao ouvir isso, o familiar peso da responsabilidade voltou a cair sobre ele. Havia algo mais acontecendo, algo que ele não podia ver. E foi quando percebeu: o destino não estava em suas mãos.
As linhas negras que apenas ele podia ver giravam ao seu redor, agitadas de maneira desordenada, como se estivessem fora de controle, impulsionadas por uma força implacável.
As escolhas que ele acreditava estar fazendo, os traidores que caíam, as armadilhas desarmadas — tudo isso fazia parte de um ciclo maior, uma pequena variação de uma dança coreografada que ele havia repetido incontáveis vezes, mas que, por algum motivo, ele nunca conseguia alterar em sua essência.
A vitória era sempre vitória, mas o preço que ela cobrava mudava de forma, deixando cicatrizes diferentes a cada vez.
De repente, o Cônsul apareceu ao seu lado. Seu semblante, antes confiante, agora mostrava um traço de cansaço que Harley reconhecia.
— Acabamos e nossas perdas foram apenas entre os traidores, 7% do pessoal apenas — disse o Cônsul, sua voz carregada de alívio, mas com um eco de dúvida.
Harley assentiu, mas sua mente estava longe dali. O destino havia lhe concedido essa pequena vitória, mas ele sabia que a verdadeira confirmação ainda estava por vir. E então, como era de se esperar, aconteceu.
Dois portais surgiram diante deles, cortando o ar com um brilho frio e ameaçador. O ar ao redor mudou, como se o Local Proibido estivesse criando uma nova realidade, uma armadilha disfarçada de escolha.
Harley encarou os portais por um momento, sentindo o peso da decisão se agigantar. Não era simplesmente mais uma escolha. Era a confirmação de que tudo o que ele viveu até aqui faria a diferença no que estava por vir.
Um dos portais exalava uma luz ofuscante, quase acolhedora. O outro, um brilho escuro, pulsante, como um coração maligno que aguardava ser tocado. Harley se aproximou lentamente, cada passo aumentando a pressão em seu peito.
Ele podia sentir os olhos de todos sobre ele, esperando, confiando. Mas ele não tinha certeza. Não havia clareza nas linhas do destino agora. Era como se o Local Proibido estivesse jogando com ele, testando seus limites.
O tempo parecia desacelerar, cada segundo se alongando infinitamente enquanto Harley analisava os dois portais. Diferente das outras escolhas, está ele podia dedicar maior tempo. As linhas do destino ao redor dele tremiam, hesitantes, como se também aguardassem sua decisão. Ele precisava escolher.
O Cônsul se aproximou, silencioso, mas com os olhos fixos nos portais.
— Harley… — começou, mas sua voz falhou.
Harley respirou fundo e deu um passo à frente, o brilho dos portais refletindo em seus olhos. Não havia mais volta. Seu destino, ou a ilusão dele, o aguardava logo adiante.
“Tudo isso terá algum impacto real?” — refletiu o jovem, sentindo o peso da inevitabilidade crescer dentro de si. Ele estava diante dos portais e sabia que precisava fazer sua escolha, mas qual caminho tomaria?
O brilho das fendas cresceu, iluminando seu rosto com uma luz quase sinistra. Harley respirou fundo, os músculos tensos, preparando-se para o que viria a seguir. Sua mente ecoava a mesma dúvida de sempre.
“Espero que seja o último…” — murmurou para si mesmo, enquanto avançava, finalmente, em direção ao desconhecido.
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