Capítulo 184 - Linhas do destino distorcidas
“As linhas do destino não são visíveis para todos. Aquele que as enxerga carrega um fardo que o mundo não compreende, pois as decisões que tomará transcendem a própria vida.”
— Misteriosos inscritos no templo da Adaga Arcana. Sem autor identificável.
Harley emergiu do portal com um baque pesado, o ar ao seu redor tornando-se instantaneamente mais sufocante. Ele mal teve tempo de processar o novo ambiente, seus olhos ajustando-se lentamente à escuridão ao redor.
A caverna era imensa, com rachaduras profundas que cortavam as paredes de rocha irregular e o chão fragmentado. A sensação de perigo iminente era esmagadora. Cada superfície parecia à beira do colapso, com grandes fendas que se espalhavam como teias, ameaçando desmoronar a qualquer instante.
Ao seu lado, Milenium e o Cônsul surgiram do portal, ofegantes. Seus rostos estavam cobertos de suor, mas seus olhos ainda brilhavam com determinação. Harley notou que Milenium mantinha uma mão firmemente segurando seu rifle, como se a qualquer momento esperasse um ataque.
Foi então que o jovem Ginsu percebeu algo inacreditável: ao invés das centenas de soldados que haviam atravessado com eles na missão inicial, agora eram milhares. Harley piscou, atordoado.
Sabia que tinha deixado para trás uma força militar severamente reduzida em batalhas anteriores. E, no entanto, ali estavam todos, completos, como se o portal tivesse alterado o próprio curso da realidade. Ele sabia que o Local Proibido tinha seus truques, mas isso… Isso ultrapassava tudo que ele já havia visto.
Os soldados, que antes marchavam em silêncio, agora olhavam ao redor, confusos, tentando entender o que havia acabado de acontecer.
Para muitos deles, a lembrança das perdas e das mortes que haviam testemunhado ainda era vívida em suas mentes, mas a presença daqueles que deveriam estar mortos ali, vivos e de pé, criava uma atmosfera surreal. Havia murmúrios dispersos, olhares desconfiados e um crescente medo de que o que viam não era real.
— O que diabos está acontecendo? — murmurou Milenium, seus olhos arregalados enquanto analisava a multidão que agora se formava ao redor deles — Perdemos tantos… e agora… agora eles estão todos aqui.
O Cônsul, sempre pragmático, franziu o cenho, observando de perto os rostos familiares de soldados que, pela lógica, não deveriam mais estar ali. Sua voz soou baixa e pensativa:
— Nossas dúvidas foram respondidas. Nada aqui é ilusão — ele parou, olhando para as rachaduras nas paredes da caverna, como se procurasse respostas. — Perdemos 61% da força antes. Agora, apenas 7%. A realidade mudou.
Harley olhou ao redor, observando os soldados que não deveriam estar ali, mas estavam — respirando, se mexendo, vivos. Havia algo de terrivelmente errado com aquele lugar, algo que ia além da lógica e da ciência.
— Então podemos seguir em frente com a missão? — perguntou o jovem Ginsu, tentando suprimir a incerteza em sua voz.
— Sim — confirmou o Cônsul, sua voz firme, mas os olhos ainda perdidos na caverna — Sem essa mudança, estaríamos forçados a recuar. Mas agora podemos continuar com uma chance real de sucesso.
Harley respirou fundo, absorvendo a calma que aquelas palavras traziam, ainda que passageira. Ele tinha a confirmação de que o Local Proibido não era apenas perigoso, mas também ele mexia com as linhas do destino, reescrevia as possibilidades como um mestre cruel, mudando o passado, distorcendo o presente.
O jovem Ginsu começou a avaliar com atenção o novo local em que tinham sido enviados e notou que a caverna não era uma simples passagem, mas sim um emaranhado de corredores e aberturas estreitas que se ramificavam em todas as direções.
O chão era coberto de pedras soltas que se deslocavam a cada movimento, e os sons de respiração e murmúrios dos soldados ecoavam, fazendo com que tudo parecesse mais próximo, mais apertado.
— Homens, avancem em formação — ordenou o Cônsul, com sua voz carregada de autoridade, enquanto observava sua tropa se reorganizar e começar a explorar o novo ambiente com precisão militar.
O vasto túnel se estendia além do que os olhos podiam ver, e o piso parecia cada vez mais instável, com rochas soltas e fendas profundas. Pequenas aberturas nas paredes sugeriam ainda mais caminhos, possíveis armadilhas, passagens escondidas ou rotas de fuga desconhecidas.
O grupo estava cercado por um labirinto que podia muito bem engolir cada um deles. Era um verdadeiro campo de batalha fragmentado.
De repente, um rugido familiar preencheu o ar, reverberando pelas paredes da caverna. O chão tremia violentamente sob seus pés, e pedras começaram a se soltar das rachaduras acima. O eco do rugido parecia distorcer o espaço ao seu redor, como se a própria caverna estivesse respondendo a uma força primordial que se aproximava.
— Isso… não pode ser… — Milenium gaguejou, seus olhos arregalados, voltando-se para Harley.
E então, ela reapareceu.
A Criatura Geométrica, colossal e composta de partes do Local Proibido, emergiu da escuridão.
Cada movimento que fazia parecia deformar o espaço, criando distorções na realidade, como se o Local Proibido estivesse sendo rasgado e costurado ao mesmo tempo. Era como se cada movimento seu estivesse desafiando as leis do que eles consideravam possível.
— Como ela passou pelo portal? — exclamou Milenium, sua voz embargada de incredulidade — Os perigos… os perigos não deveriam conseguir nos seguir!
— Homens, formação na retaguarda, agora! — exclamou o Cônsul, sua voz carregada de urgência ao perceber o avanço inimigo por trás.
Todos sentiram o frio na base de sua espinha. Eles tinham acreditado que, ao atravessar o portal, haviam escapado. O conceito de que o Local Proibido os permitia superar desafios ao cruzar para uma nova realidade era uma ilusão.
O verdadeiro guardião deste local não estava limitado por essas barreiras. A Criatura Geométrica os havia seguido, ignorando as regras que eles pensavam conhecer.
— Não importa como… — Milenium segurou com mais força sua arma, seus dedos trêmulos por um breve momento antes de se firmarem — Precisamos lutar. Não podemos permitir que isso nos destrua.
— Não — respondeu Harley, sua voz firme, enquanto observava as linhas do destino ao seu redor, tremulando de forma caótica — Isso não é algo que podemos vencer com força. Este lugar… reescreve o que achamos que sabemos. As regras aqui são outras.
Mas, mesmo com essa percepção, o instinto de sobrevivência de todos prevaleceu. A tropa, agora ampliada, começou a se preparar para o combate. A Criatura Geométrica avançava, seus ângulos afiados e distorcidos refletindo um brilho sinistro.
Não havia como escapar. Eles estavam cercados, presos entre a vastidão da caverna e a ameaça implacável que vinha em sua direção.
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