Capítulo 120 - Departamento de Ciência e Tecnologia
“A verdadeira ciência não é apenas uma coleção de fatos, mas uma maneira de pensar e questionar o mundo. É a incessante curiosidade que nos leva a explorar o desconhecido e a expandir os limites do que consideramos possível.”
— Discursos do Grande Explorador Zandar, Vol. sobre Ciência.
Ao primeiro vislumbre, Harley reconheceu instantaneamente quem estava à sua frente: o homem com os pelos do rosto meticulosamente aparados, que trazia consigo aquela mesma presença imponente e calculada de outrora.
O Observador Arcano estava de volta. O jovem sentiu novamente aquele olhar avaliativo, penetrante, que parecia perscrutar suas entranhas sem esforço. E lá estava também o espelho quadrado e luminoso, sempre em sua mão, brilhando tal qual um farol em meio à tensão que começava a se formar entre os presentes.
Por alguns instantes, o silêncio dominou o ambiente. Ambas as partes, o de Harley e o do Observador, pareciam aguardar o primeiro movimento, o primeiro sinal de ação. A tensão era palpável, mas antes que ela pudesse se intensificar ainda mais, foi Doravan quem quebrou o impasse, dando um passo à frente com sua típica postura controlada.
— Observador Arcano, há algum problema? — Sua voz soava calma, mas carregada de uma cautela cuidadosa.
O homem, sem desviar o olhar de Harley, respondeu com frieza:
— Sim! — disse, retirando outro objeto de seus compartimentos, um pequeno triângulo brilhante que ele segurou com firmeza, dando a impressão de estar prestes a desencadear algum evento, comparando os dois objetos luminosos, cada um em uma de suas mãos — É impossível que um equipamento criado por você seja inferior a qualquer outro, Doravan?
Havia uma insinuação de desdém naquela última frase, uma ofensa velada que fez o velho arquejar as sobrancelhas, pensativo. Harley observava tudo em silêncio, tentando decifrar o subtexto daquela conversa. O Observador estava irritado, claro, mas havia algo mais profundo ali, algo que ia além de um simples desacordo. A raiva do homem parecia pessoal.
Doravan, sempre atento, percebeu o que estava em jogo. Ele sabia que o Observador Arcano havia utilizado um equipamento de outro construtor para tentar captar a energia mágica de Harley, talvez para compará-la com a que já conhecia, e o resultado obviamente não tinha sido o esperado.
— Nosso acordo anterior está defasado — continuou o Observador, seus olhos se estreitando em direção a Doravan — Eu não sou do tipo que gosta de ser enganado.
Houve um momento de silêncio, tenso. Pesado, enquanto Doravan refletia sobre as palavras que diria. Ele sabia que aquela situação era delicada, que qualquer movimento em falso poderia colocar tudo a perder.
Harley sentiu o ar quase vibrar de expectativa, enquanto o velho mago coçava a cabeça, pensativo, provavelmente pesando os custos e benefícios de suas próximas ações.
Então, depois de um longo suspiro, Doravan fez um movimento sutil com a mão, pressionando um dos seis botões prateados que adornavam seu Bracelete no pulso no braço esquerdo.
Algo inexplicável aconteceu. Um pacote quadriculado de tamanho médio voou de uma prateleira distante, girando suavemente no ar até pousar perfeitamente na palma da mão estendida de Doravan. Aquele gesto, embora discreto, parecia ter sido carregado de uma energia que Harley mal podia compreender.
Com uma serenidade quase provocativa, Doravan entregou o objeto ao Observador Arcano, que, por um breve momento, inspecionou o conteúdo com seus olhos afiados. O rosto do homem, outrora tenso, relaxou em um sorriso amargo. Ele parecia satisfeito.
— Por esse preço, até apagarei o meu registro particular de atividades e ameaças incomuns — disse o Observador com uma risada fria, voltando-se para o objeto que carregava. Sem mais uma palavra, ele partiu, desaparecendo no horizonte, deixando para trás apenas a sombra de sua presença dominadora.
O silêncio que seguiu a partida do Observador foi quase sufocante. Doravan, soltando um suspiro aliviado, virou-se para Harley.
— Removemos mais um obstáculo — disse o velho mago, seus olhos brilhando com alívio. No entanto, ele sabia que não podia mais adiar a verdadeira questão que o perturbava. Com uma expressão séria, ele continuou, finalmente abordando o assunto que pairava no ar desde o início daquele encontro:
— Harley, estou fazendo isso porque quero ser o primeiro – e talvez o único – a estudar sua energia sombria. Em troca, sua estadia neste mundo poderá ser mais tranquila. E, além disso, te darei acesso a todo o tipo de conhecimento prático que uma escola de magia pode oferecer.
As palavras de Doravan eram claras, quase pragmáticas. Não havia promessas vazias ou emoções exacerbadas. Era uma proposta direta, uma troca de interesses, e ambos sabiam disso.
Harley permaneceu calado por um momento, sentindo o peso da proposta. Ele sabia que Doravan não agia por altruísmo. Havia algo mais profundo ali, uma curiosidade insaciável que guiava o velho mago.
No entanto, a perspectiva de aprender sobre magia, de aprofundar seu conhecimento e, mais importante, de entender sua própria natureza, era tentadora. O conhecimento era poder, como Doravan dissera, e Harley sabia que, em um mundo novo, ele precisaria de todo o poder que pudesse adquirir.
Percebendo a hesitação do jovem, Aurora entrou na conversa, sua voz animada contrastando com o clima pesado que pairava sobre o grupo.
— Harley, aqui é o melhor lugar para aprender como fazer e usar armas e objetos mágicos! — disse ela, os olhos brilhando de empolgação — E o professor é o melhor sábio de todos os mundos!
Harley sentiu um sorriso relutante surgir em seus lábios. Aurora parecia ter um jeito de suavizar as situações, de dar uma leveza a tudo ao seu redor, mesmo nas piores circunstâncias. No entanto, ele não podia ignorar as dúvidas que ainda pesavam em sua mente.
Os conselhos de seu pai ecoavam em sua mente:
“Toda relação é uma troca de interesses, e o mais forte sempre sai beneficiado.”
Harley sabia disso, mas também compreendia que, naquele momento, ele não tinha muitas opções. Estava preso em um mundo que pouco conhecia, e Doravan e Aurora, por mais que tivessem seus próprios interesses, já haviam lhe ajudado mais de uma vez.
Por fim, Harley falou, sua voz controlada, mas carregada de decisão:
— Quantos alunos temos neste departamento?
Aurora sorriu, pronta para responder:
— Só eu por enquanto — disse, percebendo a expressão de estranheza no rosto de Harley. Ela se apressou em continuar — O professor sempre foi muito exigente na escolha de seus alunos…
— Harley — interrompeu Doravan, sua voz firme — com o passar do tempo, a ciência perdeu relevância. Hoje, muito menos pessoas estão dispostas a aprender. E destas, nenhuma parece ter as qualificações mínimas para que eu possa doar meu tempo. A maioria prefere a facilidade que a magia proporciona.
Essas palavras pairavam no ar, carregadas da tensão de uma acusação velada ao estado do mundo. Um silêncio denso se estabeleceu entre os três. Aurora, que até então havia se mostrado otimista, foi tomada por uma expressão de desânimo diante da realidade que Doravan expunha.
A ideia de que a busca pelo conhecimento tinha sido trocada pela conveniência da magia era algo que ela claramente rejeitava.
Doravan, por outro lado, exibia uma expressão de resignação. Para ele, aquela era simplesmente a realidade dos novos tempos, uma realidade com a qual ele havia aprendido a conviver, ainda que com uma ponta de amargura.
Ele sabia que o conhecimento verdadeiro exigia esforço, paciência e, acima de tudo, sacrifício. E poucas pessoas estavam dispostas a pagar esse preço.
Harley, enquanto isso, mergulhou em seus próprios pensamentos. Cada revelação que recebia parecia abrir uma nova porta, uma nova oportunidade, mas também novos perigos.
Ele sabia que aceitar a proposta de Doravan significaria submeter-se a estudos e experimentos, ser um tipo de cobaia sem certezas claras do velho mago, mas também sabia que, no processo, poderia ganhar poder e conhecimento.
E em qualquer lugar ou mundo novo, conhecimento sempre seria uma boa chave para a sobrevivência.
Por fim, com um suspiro leve, Harley ergueu os olhos para Doravan e Aurora.
— Parece que tenho muito a aprender por aqui.
O velho mago sorriu, satisfeito com a decisão do jovem, enquanto Aurora mal conseguia conter sua empolgação.
— Bem-vindo ao centro de estudos, Harley — disse Doravan, dando as costas e se dirigindo ao horizonte distante — Temos muito trabalho pela frente.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.