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    “Olhares são portais para outras realidades. Eles nos convidam a explorar os reinos internos daqueles ao nosso redor, revelando as complexidades escondidas em cada indivíduo.”

    Discursos do Grande Explorador Zandar, Vol. básico.


    Harley observava Aurora enquanto caminhavam juntos em direção ao invólucro de transporte, e não podia deixar de refletir sobre o contraste que ela representava em relação ao mundo ao seu redor. 

    Em um lugar onde o poder moldava as pessoas, onde as interações eram dominadas pela busca egoísta de vantagem, a presença gentil da garota parecia uma anomalia reconfortante. 

    Sua pureza, sua maneira leve de interagir, era tal qual uma brisa suave em meio à tempestade constante de disputas que cercavam a vida de Harley. Ele temia, no entanto, que o tempo pudesse corrompê-la, da mesma forma que tantas outras almas haviam sido consumidas por esse desejo incessante de ganho pessoal.

    Havia uma esperança em seu peito, uma pequena chama que desejava ver Aurora preservada, fiel a si mesma, intacta frente às pressões do mundo. Ele se perguntava se ela conseguiria resistir ao que o futuro poderia trazer.

    Aurora, por sua vez, sentia os olhos de Harley sobre ela e desviava o olhar, envergonhada. Para ela, cada sonho que deixava de lado era comparável a um pedaço de seu futuro que se perdia no vazio.

    Ela vivia com essa certeza, ela vivia com a convicção de que poderia fazer muito mais pelo Mundo Mágico e por aqueles que amava. Seus desejos eram brasas ardentes, alimentados por uma determinação que se recusava a desviar do próprio caminho, ainda que muitos subestimassem suas ações ou resultados.

    Mas Harley a intrigava. Ele havia chegado de repente em sua vida, e em tão pouco tempo provocava sentimentos e questionamentos que ela nunca imaginou que surgiriam. 

    Aurora não estava acostumada a isso, a ter sua mente tomada por pensamentos que não fossem puramente científicos ou relacionados ao seu plano de suceder o professor. Agora, ele estava lá, uma figura inesperada que desestabilizava suas convicções e a fazia refletir sobre o que realmente queria.

    Para Harley, os olhares dela tinham um peso que ele não sabia de que maneira interpretar. Sentia que havia algo a mais na forma em que ela o observava, mas estava incerto sobre o que aquilo significava.

    Embora não tivesse muita experiência com essas questões, percebia que havia algo diferente na forma como Aurora se comportava perto dele. Ela parecia estar tentando se aproximar.

    Essa ideia o fazia se sentir estranho. Por um lado, ele se sentia honrado por receber atenção, especialmente de alguém tão inteligente quanto a jovem. Por outro lado, ele também se sentia desconfortável. 

    Não sabia de que maneira retribuir aquele tipo de sentimento, nem mesmo se era capaz de fazê-lo. A vida fora implacável, arrancando-lhe o que desejava e forçando coisas que ele jamais quisera.

    Ao olhar para Aurora, Harley começou a perceber algo mais. Ela não era uma mulher comum, e, apesar de inicialmente a ter classificada de maneira desinteressante, agora ele via nela algo diferente. 

    Sua aparência era peculiar: as grandes orelhas, o nariz delicadamente curvado e os olhos ligeiramente vesgos. Mas havia uma sinceridade, uma leveza que não podia ser ignorada. Ela era espontânea, genuína, e parecia cuidar verdadeiramente das pessoas ao seu redor.

    “Ela é agradável, uma boa companhia!” — ponderou o jovem Ginsu — “Mas só isso. Nada além disso.”

    Ele sabia que ela o enxergava de uma forma distorcida, talvez vendo nele algo que não existia.

    “São fantasias dela!” — refletiu — “Mas não passa disso. Aurora me enxerga através de uma lente distorcida, cheia de ideias que não posso, e nem quero, corresponder.”

    Ele estava convencido de que ela estava enganada sobre ele, e isso o incomodava. Sabia que dificilmente seria capaz de corresponder às suas aspirações, e isso o fazia sentir uma estranha sensação de culpa, mesmo sem entender completamente o porquê.

    Harley também refletia sobre o amor. Um conceito que sempre lhe pareceu evasivo e incerto. As lembranças de sua mãe, uma mulher amorosa, mas cujos abraços ele nunca mais sentiria, vinham à tona. 

    E junto com essas memórias, havia também a recordação de sua ex-noiva, fruto de um casamento arranjado que não dera certo, e Lysandra, cujo trágico destino havia destruído todas as ilusões românticas que ele um dia cultivara.

    Para ele, o amor era uma farsa, uma invenção para manter as pessoas unidas em torno de um ideal comum. Não deixava de ser uma forma de controle. O clã, os laços, as alianças… 

    Tudo parecia feito para manter a ordem, aumentar as preocupações e garantir a continuidade de gerações, mas nunca para o bem individual. 

    “O amor é real? Pode mesmo transformar alguém, ou é só um sentimento ilusório que prende as pessoas em uma tranquilidade falsa?” — perguntou-se o jovem.

    Esses pensamentos corroíam-no. Ele riu, ironicamente, ao lembrar de todos os conselhos sobre relacionamentos que ouvira ao longo de sua vida. Cada uma delas só servia para aumentar a confusão em torno desse sentimento. 

    Era uma ideia vaga, moldada pelas experiências de cada pessoa, tornando-se impossível defini-la com clareza.

    No entanto, apesar de seu cinismo, havia algo dentro de Harley que não podia ser ignorado. Havia um vazio, uma sensação de ausência que ele não conseguia explicar e que lutava contra isso, tentando sufocar qualquer resquício de esperança que pudesse brotar em seu coração. 

    Mas, por mais que tentasse, ele sabia que uma pequena faísca ainda queimava dentro dele, um anseio reprimido, um desejo que se recusava a desaparecer completamente.

    “Não posso deixar que isso floresça” — pensou Harley — “A frieza me protege de desilusões. Amor não passa de uma invenção… é uma fraqueza que devo rejeitar.” 

    Ele lembrava bem de que forma as ilusões, quando se desfazem, deixam apenas a dor para trás.

    Ele se perguntou por que estava refletindo tanto sobre isso na presença de Aurora, alguém que, definitivamente, não despertava nele qualquer emoção profunda. Era quase irônico, pensou consigo mesmo, à medida que sua mente insistia em seguir um padrão que não fazia sentido naquele momento. 

    O jovem Ginsu riu silenciosamente. Os ecos de sua criação, a expectativa de sua tribo de que formasse uma família, permaneciam, mesmo quando ele resistia ferozmente a essa ideia.

    Harley nunca quis ser amarrado a um lugar ou a uma pessoa. Ele queria ser livre, voar além das limitações que a vida e as relações humanas impunham. 

    Mas, mesmo em sua busca por liberdade, esses pensamentos o seguiam tal qual sombras persistentes, sempre desafiando sua determinação de viver uma vida autônoma, sem laços que o prendessem.

    A vida já havia tirado tudo dele, e agora o lançava em novos desafios a cada passo. Desde criança olhando de sua gaiola, Harley sonhava em explorar o mundo, em descobrir terras distantes, sentir o vento no rosto e desvendar os mistérios que o universo guardava. 

    E agora, com essa oportunidade diante de si, ele estava determinado a nunca mais abrir mão dessa liberdade.

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