Capítulo 128 - Um momento de paz antes da tempestade
“A única certeza constante são as tempestades e antes que elas cheguem, sempre existe um momento de paz, um respiro tranquilo que nos permite refletir sobre o que está por vir. E é nesse momento que o verdadeiro guerreiro afia sua adaga e fortalece seu espírito.”
— O Código do Guerreiro Solitário, Verso 83.
Os olhos de Harley permaneciam fixos na filha do Cônsul. Ela atravessava o saguão, parecendo estar em um mundo à parte. Diferente dos outros, Milenium parecia indiferente, passando pelas pessoas de maneira que nada ali realmente importasse.
Não era soberba, nem arrogância. Era uma distância enigmática, evocando a sensação de ocupar um lugar ao qual não pertencia, criando a impressão de que sua presença fosse um ato contrário à própria vontade.
Quando Milenium e sua comitiva desapareceram pelo corredor oposto, Harley finalmente voltou a si e olhou para Aurora, percebendo que ela o observava atentamente.
Seu olhar era afiado, a ponto de ter analisado cada uma de suas expressões enquanto ele seguia a figura da outra jovem. Harley sentiu uma leve vergonha, passou a mão na cabeça e tentou disfarçar o desconforto:
— Desculpa! Acho que perdi um pouco da compostura.
Aurora se mostrou incisiva, dando uma resposta sem rodeios:
— Não só a compostura, mas a dignidade.
Ela lançou o olhar pelo saguão, onde as atividades haviam sido interrompidas enquanto todos acompanhavam a passagem de Milenium com a mesma atenção que Harley. Então, Aurora completou, com uma ironia sutil:
— E, pelo jeito, não foi só você.
Harley fitou o entorno, percebendo que todos no saguão, homens e mulheres, haviam parado suas conversas, suas tarefas, tudo. A chegada da filha do Cônsul exercia uma força magnética.
Cada passo dela era seguido com uma reverência silenciosa, transmitindo a sensação de que testemunhavam algo extraordinário, uma visão rara que todos sabiam ser efêmera e, por isso, precisava ser absorvida ao máximo.
O jovem refletia, incapaz de afastar os pensamentos sobre Milenium. Ela não era apenas atraente por sua beleza; sua presença emanava algo mais profundo, algo que capturava o coração e a mente de quem estivesse por perto.
Apesar de Harley tentar desconsiderar a influência dela naquele mundo, que incluía o poder político e as credenciais familiares, não podia ignorar o impacto que ela causava apenas por estar presente. Indicando que dominava o ambiente com sua simples existência.
Então, Aurora, quebrando o silêncio tenso entre eles, fez uma pergunta que carregava mais do que apenas curiosidade:
— Você gostou dela?
Harley congelou. A pergunta, à primeira vista simples, carregava camadas de significado. Aurora não queria saber apenas se ele a achava atraente. Havia mais ali. Era uma pergunta sobre o futuro, sobre onde ele colocaria seus sentimentos, suas ambições.
Aurora indagava se ainda havia espaço para ela ao lado dele, ou se Milenium tinha simplesmente apagado qualquer chance de algo maior entre os dois.
Harley sentiu-se exposto, num nível que a jovem ao seu lado desnudou suas intenções e fraquezas com um simples olhar.
Ele esfregou a nuca, um gesto involuntário de nervosismo. Não sabia o que dizer, porque, no fundo, ele não tinha respostas claras nem para si mesmo.
Depois de um momento de silêncio, ele respondeu de forma vaga:
— Existem coisas que não controlamos…
A frase ficou no ar, pendurada entre eles, sem explicações adicionais. Aurora entendeu. Ambos sabiam que aquela simples atração não se tratava apenas de beleza.
Era sobre algo mais profundo, uma jornada de autodescobrimento, de entender as complexidades dos sentimentos humanos, dos desejos que surgem sem aviso.
Harley se via confrontado com questões que sempre tentou evitar: seus próprios desejos, sua vulnerabilidade diante do desconhecido.
Aurora suspirou, uma expressão de resignação tomando seu rosto, e então disse, com uma voz suave, quase como quem dá um aviso:
Aurora suspirou, uma expressão de resignação tomando seu rosto, e então disse, com uma voz suave, quase em tom de aviso:
— Ela está destinada a assumir a Escola de Exploradores Interdimensionais. Aquela escola é o centro do poder neste mundo. Todos a admiram, desde princesas a líderes guerreiros e magos. Ninguém ousa sonhar em chegar perto dela sem motivo.
As palavras de Aurora pesaram no ar. Harley sabia que tentava protegê-lo de cair em uma armadilha emocional.
Ela estava certa. Milenium era inatingível, não apenas por seu poder e posição, mas porque persegui-la seria o mesmo que se lançar em um abismo, com a única certeza sendo a queda e um fim trágico.
Harley respirou fundo, e com um olhar mais sereno, ele respondeu com sinceridade:
— Eu entendo o que está tentando me dizer. E agradeço pela sua preocupação.
Ele sabia que Aurora estava machucada, mas, mesmo assim, procurava ajudá-lo. Ela o via claramente, e Harley reconhecia a lealdade e o carinho que demonstrava, mesmo diante de sua própria decepção. Agradecia por isso, e ao mesmo tempo, lamentava por não ser capaz de corresponder às expectativas dela.
Os dois continuaram andando pelo vasto saguão da academia, onde o som das atividades começava a retomar sua normalidade. Cada passo que davam aumentava a curiosidade de Harley, que começou a esquecer o brilho efêmero e sem consistência da desconhecida garota para voltar-se a algo que sempre animava seu espírito.
O que ele mais ansiava era ver de que maneira os treinamentos naquele mundo funcionavam, de que forma os guerreiros moldavam suas habilidades, e até onde os limites eram empurrados.
A batalha era a essência de sua busca. Não apenas pela violência ou pela vitória, mas pela verdade que surgia quando se enfrentava o desconhecido.
Harley tinha suas crenças, construídas ao longo de anos de combate real, onde a linha entre a vida e a morte era tênue. Ele sabia que nenhum treinamento, por mais intenso que fosse, poderia substituir o que acontecia em uma batalha real.
O verdadeiro combate não era apenas técnica. Era uma experiência visceral, onde o instinto e a coragem eram testados até seus limites.
— O que você espera encontrar? — perguntou Aurora, interrompendo os pensamentos de Harley.
— Eu quero ver o quanto eles são levados ao extremo — ele respondeu, seus olhos brilhando com expectativa — Quero saber se aqui eles simulam a imprevisibilidade do combate, ou se tudo não passa de um teatro bem ensaiado.
Aurora sorriu, um sorriso meio triste, meio compreensivo.
— Você vai ver. Aqui, eles levam a prática muito a sério. Mas você está certo. Nada substitui o calor da batalha real. Ainda assim, os que treinam aqui são preparados para enfrentar tudo. Eles são moldados para a guerra.
Harley assentiu, sentindo sua empolgação crescer. A batalha era sua verdade. Ele ansiava por descobrir até onde os guerreiros daquele mundo podiam ir, e se ali, naquela academia, ele encontraria algo que se aproximasse da intensidade que conhecera na vida real.
Enquanto avançavam, seu foco já havia se transferido e estava voltado totalmente para o conhecimento que poderia adquirir ali. Ele queria ver os guerreiros, observar seus treinamentos, suas lutas, sentir a tensão no ar.
Observar um combate, para ele, era uma oportunidade preciosa. Não se tratava apenas de força, mas de revelar a essência dos guerreiros. Cada gesto, mesmo breve, poderia condensar uma vida inteira de experiência.
Harley tinha a convicção de que o campo de batalha era o único lugar onde o verdadeiro caráter se revelava, onde as fraquezas eram expostas e as forças, testadas.
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