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    “Em tempos de caos, as leis da realidade se curvam e se quebram. Apenas aqueles que compreendem a natureza mutável da existência podem marchar através das sombras e emergir vitoriosos.”

    Sussurros das Sombras XXXV, transmissão oral do Clã Adaga Arcana.


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    Abaddon, a Serpente do Caos, fixava seus três aliados temporários com frieza enquanto eles se dispersavam para cumprir suas tarefas. Sergio Romanov, a Guardiã Sombria e Isabella eram meros nomes — instrumentos funcionais, úteis apenas até o momento em que seus propósitos estivessem completos. 

    Ele os via com a objetividade de um alquimista escolhendo reagentes: manejáveis, previsíveis e, se necessário, descartáveis.

    Sua estratégia era meticulosa. Milênios de cativeiro o ensinaram que cada elemento, por menor que fosse, podia decidir uma batalha. Nada lhe escapava. 

    Sergio, a Guardiã Sombria e Isabella eram ecos no plano que ele orquestrava, fios de um tecido que entrelaçava com destreza. A qualquer momento, um fio poderia ser puxado ou cortado. E Abaddon não hesitaria em fazer o que fosse preciso para tecer sua vitória.

    Enquanto observava seus peões desaparecerem na distância, uma linha de pensamento o consumia, tal qual um feitiço irresistível que puxava sua mente para as profundezas. Ele recitou baixinho, quase à semelhança de um mantra:

    — Mesmo as correntes mais poderosas enfraquecerão. Em cinco milênios, três serão os convocados que abrirão o selo, trazendo Abaddon de volta, e o prelúdio do caos começará.

    Cinco milênios. Exatamente o tempo de seu aprisionamento, uma eternidade de silêncio forçado. A profecia o perseguia como se fosse uma sombra antiga, um enigma que ecoava em sua mente à semelhança de uma marca indelével em sua alma.

    Ao longo dos séculos, ele aprendera a suportar o peso das palavras proféticas, a decifrar a complexidade de cada predição, frequentemente encoberta por significados obscuros.

    Mas essa, em particular, era diferente. Não apenas um aviso do destino, mas uma revelação arrancada com sangue. Nos tempos antigos, uma sacerdotisa lendária ousou desafiar o destino para buscar essa verdade. 

    Ela se tornou uma lenda nos salões sombrios da Catedral do Continente das Terras Esquecidas, onde Abaddon estava aprisionado. Em um ato supremo de coragem, cravou a adaga no próprio coração, oferecendo sua vida para vislumbrar o futuro e preparar a humanidade. Através do ritual, ela descobriu o tempo que duraria a sua prisão.

    Abaddon sentia o peso daquele sacrifício tal qual uma promessa sombria, uma verdade imutável aguardando para ser realizada. 

    Sabia que a profecia não era uma visão vaga. Era o marco de um destino que avançava com precisão. Interpretar profecias, pensava, era de forma idêntica a tentar decifrar desenhos em uma caverna escura, onde cada contorno era moldado pelo próprio medo.

    As crenças se misturavam com a realidade, distorcendo e ajustando cada detalhe ao que o observador mais temia ou mais desejava. 

    Com milênios de experiência, ele tornara-se mestre em questionar até as visões mais nítidas e promessas tentadoras. No entanto, essa profecia, nascida de um sacrifício extremo, não trazia a fluidez do engano: era nítida, sólida, tão tangível quanto o próprio tempo que o aprisionava. 

    Esse retorno, uma inevitabilidade agora, parecia a chave fria que um dia abriria os portões de sua liberdade.

    Abaddon deslizou os dedos em torno de seu artefato mágico favorito, uma peça que acariciava com a mesma suavidade de quem conforta um velho amigo. Um osso esculpido de uma criatura há muito esquecida, capaz de mapear dimensões e energias criadoras que moldam todos os universos. 

    Esse objeto era sua obsessão, seu portal para explorar realidades além. Mas algumas dúvidas persistiam em sua mente: 

    “É este artefato que o torna único? Ou é ele quem o transforma, imprimindo sua própria marca?”

    Esse pensamento o consumia: 

    “É o desejo de explorar dimensões realmente seu, ou apenas o sussurro hipnótico da magia desse objeto?

    Enquanto recitava a profecia mais uma vez, Abaddon mergulhou no turbilhão de memórias do passado. No início, especulava sobre a existência de outras dimensões.

    Depois, descobriu-as, fontes de poder inimaginável, capazes de moldar realidades e alterar as leis do próprio universo. 

    Mas nessa busca por poder, percebeu que não estava sozinho. Outros, igualmente ambiciosos, também tentavam dominar esses reinos desconhecidos. As primeiras incursões pareciam uma eternidade atrás. 

    Agora, preso, sua mente fervilhava com tentativas de encontrar respostas, relembrando sua derrota. 

    Cada pedaço de névoa ao redor de sua prisão evocava memórias amargas de guerras perdidas e inimigos cruéis. Imagens de dor o assombravam, recordações de quando comandava legiões, apenas para vê-las desmoronar diante de uma coalizão que subestimara.

    As pedras na ilha-prisão pulsavam com o eco de sua derrota. O Continente das Terras Esquecidas, envolto em uma névoa impenetrável, era o símbolo de sua humilhação. O lugar que mais odiava, onde a neblina devorava suas memórias e corroía seu poder, apagando lentamente sua essência. 

    Ali, ele estava preso na dimensão do esquecimento, onde o tempo não avançava. A dor e a solidão eram constantes, de modo análogo a feridas que jamais cicatrizavam.

    Desenvolveu uma teoria sombria sobre aquela dimensão: o que era vivido ali permanecia imutável, congelado no tempo. Mas o que acontecia fora dela, em outras realidades, era consumido pelo esquecimento, erodido pelo avanço implacável do tempo. 

    Era uma prisão dupla. Dentro da névoa, as lembranças de dor eram frescas; fora dela, o mundo o esquecia, e com ele, seu legado.

    Essa dualidade moldava sua existência. A preservação das memórias dolorosas contrastava com o esquecimento de quem ele fora. Para resistir, Abaddon se agarrava à única arma restante: projetar sua consciência para fora daquela dimensão, mantendo sua essência viva mesmo que o corpo definhava.

    Se rendesse-se ao esquecimento e permitisse que o tempo corroesse sua mente, ele se tornaria uma folha em branco, sem memórias, sem identidade. Um invólucro vazio, incapaz de sentir ou desejar, aprisionado para sempre na névoa. E isso, Abaddon sabia, seria um destino muito pior do que a morte.

    Mas, ele resistia, sua mente não havia cedido, e agarrava-se à profecia semelhante a um náufrago a um pedaço de madeira em meio ao oceano.

    A visão do futuro feita pela sacerdotisa era sua maior esperança e fonte de força para suas múltiplas tentativas de escapar do cativeiro. Sabia que ainda havia poder nas outras dimensões e que sua consciência poderia escapar, mesmo que seu corpo estivesse preso.

    Voltando sua atenção ao presente, Abaddon emergiu das memórias. Embora confinado, não estava derrotado. Milênios de confinamento não haviam apagado sua determinação. Conseguiu aliados e ainda tinha peças em movimento. Sergio, Guardiã Sombria e Isabella: eram suas ferramentas, e com eles, teria uma chance de retomar o que era seu.

    Observou a névoa ao seu redor, sentindo o peso do esquecimento. Com um leve sorriso nos lábios, repetiu seu propósito, com a mesma certeza de um lembrete de seu destino:

    — Mesmo as correntes mais poderosas enfraquecerão. Em cinco milênios, três serão os convocados para abrir o selo, trazendo Abaddon de volta, e o prelúdio do caos começará.

    Essas palavras reforçavam sua determinação. Mesmo que o esquecimento tentasse consumi-lo, Abaddon, a Serpente do Caos, não seria esquecido.

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