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    “A superfície é apenas o começo; a verdadeira jornada está nas profundezas. Explorar a profundidade da existência é enfrentar nossas próprias limitações e superar as barreiras do desconhecido. O verdadeiro entendimento surge da vontade de ir além do visível. Desvendar a existência requer coragem para mergulhar na complexidade da vida.”

    Fragmentos da Libertação, de Nostradamus.


    O eco da explosão havia se perdido no tempo, mas a fumaça ainda se mantinha tal qual um espectro distante, uma mancha cinzenta contra o céu. De onde estavam, as ruínas eram apenas um vestígio do que fora a imponente Academia de Combate Tradicional. 

    Para Harley e Aurora, aquela visão não era apenas um registro da devastação material. Era algo muito mais profundo.

    A jovem permanecia imóvel, com o olhar fixo no horizonte, à semelhança de alguém que esperava respostas da fumaça para perguntas que ela sequer sabia formular. 

    Sua mente estava dominada pela incredulidade, enquanto o vazio crescente dentro de si parecia ecoar o colapso ao longe. Para ela, aquela destruição era um peso tão grande quanto perder uma parte de si mesma, uma parte que, até então, julgava invulnerável.

    Harley permaneceu ao lado dela, igualmente calado. Ele compreendia a tempestade que se formava na mente da jovem. Sabia que, naquele momento, não era apenas a academia que ruía. Algo invisível e muito mais significativo desmoronava dentro dela: uma convicção, um pilar que sustentava sua visão do mundo.

    A Academia não era apenas algumas construções fortificadas. Era o símbolo de segurança, de ordem e de estabilidade que Aurora carregava em seu coração. Agora, diante do caos, cada pedaço da estrutura destruída parecia arrancar uma certeza, com a mesma força que um alicerce interno sendo lentamente corroído. 

    A jovem estava sendo forçada a encarar uma realidade cruel: o fim pode chegar a qualquer momento, e nada, por mais grandioso que pareça, está protegido da efemeridade da existência.

    Harley olhou para a fumaça mais uma vez. Ele próprio já havia enfrentado perdas como aquela, momentos em que o mundo parecia sair dos trilhos. Ele reconhecia o peso nos ombros de Aurora, porque já o sentira antes. Era uma dor que não tinha nome, mas que deixava marcas profundas, gravadas em um lugar que nem o tempo conseguia apagar.

    — Tudo se foi — sussurrou ela, mais para si mesma do que para Harley. Sua voz era um fio tênue, quase engolido pelo som distante das chamas ainda crepitando nas ruínas.

    Ele não respondeu. Sabia que qualquer palavra naquele momento seria insuficiente. Não era o tipo de dor que se aliviava com conforto ou lógica. Aurora precisaria enfrentar aquilo sozinha, tal qual ele próprio fizera tantas vezes antes.

    A destruição visível ao longe se misturava a outra, invisível, mas igualmente implacável. A fumaça que Aurora contemplava era um espelho das emoções que a consumiam. O fogo, uma metáfora cruel para a transformação que ela agora enfrentava.

    Ela se moveu abruptamente tentando escapar do peso que a imobilizava. Os olhos, antes arregalados em horror, agora carregavam uma determinação sombria. Havia algo diferente nela, algo que Harley percebeu de imediato.

    — Não posso ficar aqui — disse Aurora, mais firme agora.

    Antes que ele pudesse responder, ela já estava em movimento, manipulando os controles da cápsula de transporte que os trouxera até ali. O visor piscou, revelando o mapa do Mundo Mágico. Cada ponto brilhante representava um destino, mas, para Aurora, parecia uma lembrança de que nenhum lugar estava realmente seguro.

    Harley observava em silêncio enquanto ela trabalhava. Aurora não estava fugindo apenas da destruição física. Ela buscava algo: um sentido, uma resposta ou, talvez, uma maneira de reconstruir as certezas que haviam sido consumidas pelas chamas.

    Com um som mecânico, a cápsula começou a se dividir. Harley deu um passo para trás, surpreso, enquanto as duas metades se separavam, criando uma barreira translúcida entre eles. Aurora não olhou para trás. Sua parte da cápsula acelerou rapidamente, desaparecendo no horizonte.

    O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Harley ficou parado, olhando para o vazio deixado pela partida de Aurora. Sentiu-se mais sozinho do que nunca, mas sabia que não podia detê-la. Ela precisava fazer aquilo por si mesma.

    Enquanto contemplava o horizonte, ele foi tomado por uma familiaridade desconfortável. A solidão, que sempre fora sua companheira, agora retornava à semelhança de uma sombra inevitável. Harley sabia lidar com ela, mas isso não tornava a experiência menos amarga.

    “As relações humanas” — refletiu — “são como um jogo de apostas altas. Cada conexão traz consigo a possibilidade de perda, e cada escolha, um sacrifício inevitável.”

    Ele olhou para o céu, onde a fumaça ainda dançava. Era um lembrete do caos que podia consumir tudo, mas também um reflexo do próprio caos que ele carregava dentro de si. O fogo destruía, mas também transformava. Harley sabia disso, mas a ideia não trazia conforto.

    Aurora, por outro lado, estava a quilômetros dali, ainda presa em seus próprios pensamentos. A cápsula que a levava parecia tão vazia quanto ela se sentia. A imagem da academia em chamas estava gravada em sua mente, uma cena que se repetia toda vez que fechava os olhos.

    Ela respirou fundo, tentando afastar a sensação de impotência. Mas, ao invés de desaparecer, o peso parecia crescer, pressionando-a cada vez mais. Aurora percebeu que não era apenas a destruição da academia que a assombrava. Era o que ela significava: o fim de um mundo que ela julgava ser seguro.

    O visor da cápsula piscou novamente, trazendo-a de volta ao presente. Cada ponto no mapa era uma escolha, um destino possível. Mas nenhum deles oferecia a segurança que ela procurava.

    Enquanto isso, Harley permanecia no mesmo lugar, perdido em seus próprios pensamentos. Ele sempre acreditara que a solidão era sua maior aliada. Ela não exigia nada, não trazia riscos, não pedia sacrifícios. Mas agora, após a partida de Aurora, ele começou a questionar se essa aliança realmente valia a pena.

    “A solidão pode ser segura” — pensou — “Mas não é viva.”

    Ele fechou os olhos, tentando encontrar alguma resposta no vazio ao seu redor. Mas o silêncio, que antes era um consolo, agora parecia gritar com mais força do que qualquer palavra poderia.

    Aurora, por sua vez, não conseguia ignorar a sensação de que algo dentro dela estava mudando. As obrigações que a levara a partir era agora acompanhada por uma nova percepção de que ela devia se apressar. 

    Ela apertou os controles da cápsula com mais firmeza, com a sensação de que o movimento físico poderia refletir sua nova convicção. A academia havia caído, mas ela ainda estava de pé. E, de alguma forma, isso significava algo.

    Harley, ainda parado no mesmo ponto, finalmente se moveu. Olhou para o horizonte mais uma vez, mas desta vez não viu apenas destruição. Viu possibilidades, caminhos que poderiam levá-lo a algo além da solidão que o envolvia tal qual uma armadura.

    Ele sabia que Aurora não voltaria tão cedo. Mas, pela primeira vez em muito tempo, sentiu uma faísca de algo que parecia esperança. Talvez, apenas talvez, as conexões humanas fossem mais do que um risco. Talvez elas fossem o que dava sentido ao caos.

    Com esse pensamento, Harley reafirmava que cada vínculo o deixava vulnerável de uma maneira que o aterrorizava: ceder o controle, entregar fragmentos de si que talvez jamais recuperasse ou, pior, que poderiam ser distorcidos ou usados contra ele.

    Com esse pensamento, Harley revalidava que cada vínculo o expunha a um tipo de vulnerabilidade que o aterrorizava: ceder o controle, entregar pedaços de si que talvez nunca mais voltassem ou que poderiam ser usados de forma indevida.

    A solidão, por outro lado, não fazia exigências. Era um refúgio seguro, uma fortaleza onde nenhuma parte de si precisava ser cedida. Oferecia paz, controle e uma ausência total de demandas. 

    Mas essa tranquilidade tinha um custo que ele não conseguia ignorar. Cada vez mais, a pergunta surgia, insistente, como um eco no vazio:

    “’A que preço?”

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