Um garoto solitário caminhava por um deserto árido, trajando uma armadura rústica de tonalidade escura, feita de placas orgânicas arrancadas das criaturas que havia abatido.

    O destaque de sua aparência era um elmo curvado, lembrando o bico de um pássaro, que deixava à mostra apenas os olhos: dois pontos azuis e brilhantes, quase artificiais em contraste com a paisagem morta ao redor.

    Algumas mechas de seu cabelo, de um azul escuro profundo, escapavam por entre as frestas da armadura.

    O solo vibrou levemente sob seus pés. Um som sutil, quase imperceptível, como se algo grande se aproximasse. Seus músculos se tensionaram no exato momento.

    Num salto ágil, desviou de uma massa que rompeu a areia com violência, uma Centopeia Bestial, enorme, com olhos negros fixos nele.

    A presa parecia fácil demais, mas Jasper não era um alvo comum.

    Ainda no ar, agarrou uma das presas pontiagudas da criatura e a rachou com um aperto brutal.

    Um grito agudo rasgou o silêncio do deserto, cortado abruptamente quando ele cravou sua lâmina improvisada — um pedaço de garra que antes fora de outro inimigo — na garganta da centopeia.

    Desceu como uma lâmina viva, abrindo a criatura em uma linha precisa e grotesca.

    O monstro tombou com um baque seco, tremendo violentamente em seus últimos espasmos. Poeira vermelha subiu ao redor enquanto o sangue esverdeado jorrava em todas as direções.

    Com um olhar vazio, o menino se aproximou do cadáver monstruoso. Não havia prazer ou emoção no que estava prestes a fazer, apenas necessidade. O elmo se abriu sozinho, com um estalo orgânico, como se fosse parte de um ser vivo.

    Sem hesitar, lançou-se sobre a carcaça ainda quente, desferindo mordidas rápidas e vorazes. Arrancava pedaços de carne sem piedade, começando pela cabeça e descendo até o estômago aberto, como um predador faminto.

    Uma careta se formou em seu rosto enquanto mascava o gosto amargo e metálico. Sentia o cheiro forte, quase enjoativo, e o sabor áspero lhe queimava a garganta. Uma náusea insistente tentou subir, mas ele engoliu, afundando os dentes com mais força. O desespero por alimento era maior que o nojo.

    — Que gosto horrível… — murmurou, a voz rouca e cansada, como se tivesse passado muito tempo sem falar.

    Após alguns minutos, restaram apenas as patas, as presas e a carapaça, peças duras demais para seus dentes, mas que ainda tinham serventia.

    Com um cuidado quase instintivo, arrancou as partes danificadas da armadura e as substituiu pelos fragmentos mais resistentes do monstro. Eles se fixavam ao seu corpo como se fossem uma extensão natural da pele.

    Além disso, um detalhe o intrigava: um cristal negro sempre sobrava. Sempre que abatia uma das centopeias, encontrava aquele estranho objeto preso no interior do corpo de cada uma.

    Ele podia sentir a energia estranha que se esvaía do objeto após a morte de seu dono, manifestando-se como uma estranha névoa escura de contornos brilhantes. Sem encontrar qualquer utilidade para aquilo, apenas o esmagou com força, fechando o punho em um gesto de desprezo.

    Quando terminou, ergueu o olhar para o céu. O sol já se punha, dando lugar à escuridão que avançava. Um arrepio percorreu seu corpo.

    A noite trazia perigos, e ele sabia disso muito bem. Inquieto, começou a procurar abrigo, desaparecendo na vastidão do deserto vermelho.

    Escorado numa parede rochosa, Jasper entrou em uma cavidade natural. As colunas de pedra ao redor o protegiam do ar gélido da noite. Há meses caminhava por aquele lugar hostil, mas não sem rumo.

    Sempre que parava para descansar, seus olhos se fixavam no céu noturno, especialmente numa constelação que parecia brilhar mais forte que as outras: o Cruzeiro do Sul.

    Estrelas eram difíceis de enxergar ali. Nuvens espessas, carregadas de resíduos radioativos, geralmente as ocultavam. No entanto, sempre que Jasper parava, elas se afastavam, como se algo lá em cima quisesse mostrar-lhe o caminho.

    Apoiando a cabeça contra a pedra fria, seus pensamentos começaram a vagar.

    Será que existe mesmo um lugar melhor… no fim do caminho para onde as estrelas me guiam?

    Por um instante, permitiu-se imaginar um lugar onde a vida não fosse apenas sangue, fome e sobrevivência, onde pudesse experimentar algo além da solidão que o corroía por dentro.

    Mas a fantasia durou pouco.

    E se tudo isso não passar de uma ilusão?

    No silêncio mortal do deserto, que parecia sempre anunciar a chegada de algum perigo, a mente exausta e confusa da criança afundava em questionamentos, enquanto a linha entre realidade e delírio se tornava cada vez mais tênue.

    Talvez… eu não seja tão diferente desses monstros…

    Com mãos trêmulas, puxou de dentro da armadura reestruturada — marcada pelas partes irregulares dos inimigos — uma pequena cruz de prata pendurada no pescoço por uma fina corrente do mesmo metal.

    Gravado nela estava seu nome: Jasper.

    Era seu único elo com o passado. Mesmo sem lembrar de nada, sabia, no fundo, que aquele objeto tinha valor. Um significado que o ancorava à sanidade. Era o que impedia o medo de vencê-lo. Jasper sabia: se cedesse à loucura, já estaria morto há muito tempo.

    Por um raro momento, um sorriso frágil apareceu em seus lábios.

    Mas, perdido nessa tênue alegria, não percebeu o perigo à espreita. No topo de uma pedra próxima, um único olho vermelho brilhava nas sombras.

    Até então, Jasper só enfrentara Undeads bestiais, criaturas irracionais, movidas apenas pelo instinto. Mas aquela era diferente: pensava, e estava ali justamente para caçá-lo.

    O intruso observava Jasper com paciência silenciosa. O vento carregava o cheiro metálico do sangue recente. Seus dedos cerravam-se com ansiedade em torno da empunhadura de uma adaga feita de ossos.

    — Finalmente te achei… — sussurrou. — Vamos ver que tipo de presa você é, Vulto Negro…

    Num movimento fluido, a lâmina foi arremessada direto contra o crânio de Jasper. Porém, no instante em que o projétil o alcançaria, ele desapareceu. O ar ao redor vibrou, como se uma ventania invisível tivesse varrido o espaço.

    Um vislumbre de surpresa surgiu no rosto do caçador, oculto pela escuridão.

    Jasper já estava atrás dele, e sua lâmina improvisada afundou no ombro da criatura. Infelizmente, o pedaço de garra não penetrou mais fundo nos densos músculos do inimigo.

    — Olha só… você realmente é rápido, como diziam os boatos — comentou, agarrando o garoto pelo braço com força esmagadora e lançando-o com violência. — Mas isso não será suficiente.

    Jasper voou de volta ao ponto onde estava antes, mas pousou com a graça de um predador, os pés tocando o solo arenoso sem perder o equilíbrio.

    Seus olhos azuis cortaram a escuridão, mantendo o inimigo no centro da mira de seus instintos.

    A caçada havia começado. E ali, sob aquele céu envenenado… ele não era o único predador.

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