Jasper sentiu as vibrações vindas de trás da parede na qual estava escorado. Reunindo o que restava de suas forças, rolou para frente às pressas, desviando por pouco de uma pequena mão que atravessou a rocha onde estivera.

    — Kk… kh… kee… — as risadinhas continuaram, vindo de todas as direções.

    Da fenda por onde a mão do invasor se debatia, rachando a parede para abrir passagem, Jasper percebeu um brilho forte e alaranjado vindo em sua direção, como se aquela criatura o estivesse encarando.

    Logo, vários outros olhos se acenderam em diferentes pontos da caverna, espreitando os três companheiros debilitados.

    Então, as criaturas irromperam pelas paredes rochosas com força surpreendente.

    Eram humanóides pequenos e esguios, com carapaças foscas em tons terrosos. Os rostos, no entanto, estavam ocultos sob estranhas máscaras de solda, deixando à mostra apenas a luz laranja e hipnotizante de seus olhos.

    O primeiro alvo foi Kaern, indefeso e exposto. Além disso, o material de sua couraça metálica era do agrado daqueles Bestiais, que puxavam, sem piedade, cada placa da pele do lobo, a qual se rasgava sem oferecer resistência.

    Jasper se desesperou ao ver o lobo que havia feito de tudo para salvá-los ser brutalizado diante de seus olhos, enquanto o Caçador apenas cerrou os dentes, frio como sempre.

    O som era insuportável, um estalo agudo, seguido pelo arrastar áspero do metal contra o metal, e então o som úmido e viscoso da carne cedendo. Era como veludo sendo rasgado, mas denso e encharcado.

    — Não! — gritou, ignorando a dor em sua perna e mancando na direção dos inimigos, mesmo desarmado.

    Sem hesitar, lançou-se contra o Bestial que arrancava as placas da couraça de Kaern. Seu punho cerrado explodiu contra a máscara metálica da criatura, amassando-a junto do rosto.

    O impacto reverberou pelo braço, e o monstro cambaleou, caindo atordoado ao chão, com o som do ferro amassado se misturando a um coro grotesco de risadas.

    Os Undeads, reunidos em volta da cena, agitavam-se como crianças em um jogo cruel, exibindo os fragmentos negros nas mãos antes de lançá-los contra Jasper.

    Cada pedaço ricocheteava no chão ou rasgava de leve sua pele, transformando a dor em um espetáculo cômico para aquelas criaturas, que gargalhavam com cada ferida aberta.

    Jasper cerrava os dentes, o sangue fervendo de ódio, mas a raiva apenas o cegava mais. Foi então que o primeiro Bestial, ainda caído com a máscara afundada, começou a se arrastar silenciosamente.

    Num movimento súbito, agarrou a perna já ferida do rapaz e a apertou com força descomunal. O estalo que ecoou em seguida foi o som seco, cortante e inconfundível de um osso cedendo, como um galho sobre enorme pressão.

    A dor o atravessou como uma lâmina incandescente, arrancando-lhe um grito que parecia ter estado aprisionado em sua garganta há séculos, finalmente liberto em pura agonia.

    — AAAAAAARRRHHHHHHHH!!!… GRRHHH—AAAHHHHHRRRR!!!

    Jasper tombou indefeso no chão, a perna torcida em um ângulo grotesco, o corpo convulsionando sob o choque lancinante da dor.

    O ar não vinha. Toda tentativa de respirar era um fracasso engasgado, interrompido por soluços que misturavam pânico e desespero.

    Sem dar-lhe tempo de fôlego, as criaturas se lançaram sobre ele como hienas em carniça, começando a arrancar pedaços da armadura do Vulto Negro, como coletores desmontando uma máquina abandonada.

    — Parem… pa… — tentou balbuciar, mas a voz foi engolida pelo próximo golpe que fez sua cabeça ricochetear contra a pedra fria do chão.

    Todo o mundo congelou na mente perdida de Jasper. No fim, tudo o que ele fez foi fechar os olhos com força. Lágrimas cruas escorreram, numa mistura de tristeza e raiva. Aquele era o fim.

    Então é assim que as coisas acabam? Meu objetivo e sonhos terminam aqui?

    As esperanças do garoto eram extintas, o cordão que segurava sua cruz de prata começava a desaparecer aos poucos, como se estivesse se evaporando, emitindo um fraco brilho prateado.

    Um dos Coletores se inclinava para arrancar o elmo do Vulto Negro, fascinado pelo seu formato e material. Porém, seu corpo congelou.

    Antes que pudesse reagir, um braço musculoso e vermelho atravessou sua barriga, cravando-se com força e parando qualquer movimento.

    — A brincadeira acabou, seus merdinhas — declarou o Caçador de Ossos, segurando em sua mão o Núcleo Mutante do Bestial: um cristal pequeno e escuro.

    Ao abrir os olhos, ainda hesitante, Jasper deparou-se com uma visão ainda mais bizarra.

    Não havia nada de normal naquilo: o ciclope ósseo havia se libertado da rocha que o esmagava, mas da pior forma possível. Seu corpo foi arrancado lateralmente, rasgando-se ao meio, enquanto órgãos e sangue jorravam em um rio pelo chão.

    O Caçador nem ao menos retirou o braço de dentro do Bestial, que, sem seu Núcleo Mutante, não passava de uma carcaça vazia. Abocanhou o cristal sem hesitar, absorvendo a energia radioativa para acelerar sua própria regeneração.

    Afinal, mesmo que Undeads Despertos conseguissem sobreviver com corpos destroçados das formas mais brutais, se seus Núcleos perdessem toda a carga, apodreceriam como qualquer outro.

    Com esforço sobre-humano, puxou o braço para fora do cadáver em um movimento seco. Um fio de sangue escorreu pelo chão, mas o Caçador não demonstrou dor, apenas fúria concentrada.

    Todos os Coletores, que até então riam e festejavam, congelaram no lugar. Pela primeira vez, não havia zombaria em seus rostos, apenas um terror primitivo.

    A aura assassina emanando do ciclope era quase palpável, tão intensa que obrigou os invasores a recuarem em disparada pela passagem que haviam aberto.

    Claro, todos carregavam o máximo de sucata que conseguiram roubar de Jasper e Kaern; a pressa não era maior que a ganância.

    Um deles, distraído, deixou um pedaço de couraça cair no chão com um clang estrondoso.

    Olhou para trás, respirou fundo e, antes que pudesse pensar, se abaixou rapidamente, pegou o fragmento e continuou a fuga, tropeçando nas próprias pernas e quase derrubando outro Coletor no processo.

    O corredor ressoava com o caos da retirada, mas mesmo assim a cena arrancou uma risada curta e abafada do ciclope, que desabou ao lado do menino logo em seguida, totalmente esgotado.

    Ambos haviam chegado ao limite de seus corpos, mas a dor que sentiam era tamanha que os manteve acordados.

    — Não, não, não… — sussurrou, em aflição, ao ver sua armadura ruir por completo.

    — Sério? Vai chorar agora… por causa de meia dúzia de tapas? — zombou, o sorriso torto se abrindo pela metade do rosto quebrado.

    — Só cala a boca… Você nunca entenderia como é estar à mercê de tudo. — respondeu, pressionando os pedaços quebrados contra o corpo, como se esperasse que se fundissem sozinhos.

    O Caçador de Ossos soltou uma gargalhada gutural e falhada, abafada pela falta de parte da traqueia.

    — A verdade dói, não é? Sem essa armadura, você não passa de um garotinho assustado.

    — E você fala como se fosse diferente. — Jasper ergueu o olhar. — Sem sua carapaça de ossos, só sobra um monte de carne podre tentando se segurar.

    Ele não obteve resposta por um longo tempo e começou a achar que o Caçador de Ossos havia finalmente sucumbido. O silêncio, denso e absoluto, parecia se arrastar por minutos inteiros.

    Aquilo lhe causou uma estranha tristeza. Mesmo com as provocações cruéis e o humor distorcido, odiava ainda mais a ideia de ficar sozinho.

    De repente, o Desperto se reergueu de forma abrupta, os músculos deformados estalando como cordas prestes a arrebentar.

    Seu único olho vermelho ardeu no escuro, mais vivo do que nunca, iluminando Jasper com uma intensidade quase predatória.

    — Mesmo sem uma couraça de ossos, eu ainda sou o Caçador de Ossos, fedelho. Agora levante-se: temos um longo caminho pela frente.

    As palavras vieram pesadas, carregadas de uma firmeza forjada em séculos de sobrevivência num mundo quebrado em inúmeras dimensões.

    Sem dizer nada, o Desperto virou-se para o canto da gruta, onde o corpo do Coletor morto ainda jazia contorcido, o cristal faltando no peito aberto. Agarrou o cadáver pelo pescoço e o arrastou, deixando um rastro escuro pelo chão.

    — Você não vai durar muito tempo nesse estado — disse, a voz rouca e impiedosa. — Então coma.

    Antes que Jasper pudesse responder, o corpo inerte foi arremessado em sua direção.

    O impacto espalhou sangue coagulado sobre o elmo, um borrão quente e denso que o fez hesitar. Por um instante, ele apenas olhou o cadáver, confuso, nauseado, os lábios trêmulos.

    Mas a fome vinha de um lugar que nada humano compreenderia. Quando percebeu, já estava ajoelhado sobre o corpo, as mãos cravadas no peito do Coletor, os dentes rasgando a carne morta.

    O gosto metálico e amargo o fez engasgar, mas não parou. Cada pedaço engolido fazia o corpo se aquecer, as dores se dissiparem.

    O Caçador observava de longe, imóvel; não havia julgamento em seu semblante, apenas o reconhecimento frio de quem já havia feito o mesmo inúmeras vezes.

    Aquilo bastou para trazê-lo de volta à realidade. O cordão da cruz, antes consumido pela energia do desespero, recuperou sua forma e brilho prateado, cintilando sob a luz fraca da gruta.

    Jasper respirou fundo. Ajustou o elmo curvado e, com esforço, apoiou o peso no joelho firme.

    O Vulto Negro se ergueu, mancando, até o ponto onde sua espada de ossos estava cravada na pedra. Fechou a mão sobre o cabo e puxou, o som do atrito ecoando como um juramento silencioso.

    — Vamos…

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