Capitulo 13: Coração do Deserto
Ainda perdidos numa caverna escura, Jasper e o Caçador de Ossos se preparavam para buscar uma saída. Mas, antes, o Desperto precisava lidar com os problemas de cura que o abatiam, ele não conseguiria enfrentar novos inimigos naquele estado.
Puxando o corpo empalado do Bestial, preso no teto pelo chute de Jasper, o ciclope ósseo repetiu o processo de antes: arrancou o Núcleo Mutante da criatura para absorver a radiação residual. Porém, parou ao observar o estado do Vulto Negro.
— Ei, com você quebrado desse jeito, só vai me atrapalhar… então coma isso — disse, partindo o cristal escuro ao meio com precisão e o arremessando para Jasper.
Jasper agarrou o objeto no ar sem dificuldade. Já tinha visto muitos iguais àquele, sem saber o valor que tinham para os Undeads. Mesmo assim, ele era um humano, então, não haveria como aquilo funcionar.
— É melhor entregar isso para o Kaern. Eu não sou igual a vocês — respondeu, aproximando-se do lobo metálico enquanto usava a parede como apoio.
— Faça o teste — comentou o Caçador, encarando Jasper com seu único olho vermelho vibrante.
Até para ele, que já tinha visto parte do rosto do Vulto Negro, havia dúvidas se aquilo que estava debaixo daquela armadura ainda era humano. Atualmente, nenhum ser vivo além dos Undeads podia resistir à radiação condensada que permeava todas as Zonas Selvagens, por isso, o fato de Jasper conseguir vagar por aí sem problemas era, no mínimo, estranho.
Por outro lado, a mente do garoto estava em conflito. Era impossível ignorar os sinais de que algo estranho estava acontecendo com seu corpo, especialmente quando cedia aos impulsos raivosos. Tudo que precisava era de uma resposta final. Então, tomou sua decisão.
Abriu o elmo com as mãos trêmulas pela tensão, mas sabia o que tinha que fazer. Engoliu de uma vez a metade do cristal escuro, sentindo o objeto pontudo e quase cortante deslizar por sua garganta. Por um momento, nada aconteceu.
Depois de alguns longos minutos de silêncio, Jasper olhou para o Desperto, sem saber como reagir à ausência de qualquer mudança.
— Acho que não funci— interrompeu a frase pela metade ao sentir o estômago embrulhar, e logo em seguida vomitou tudo o que tinha no estômago.
— Puta merda, que desperdício… Bem, pelo menos temos uma resposta. Hahaha — riu, com uma gargalhada gutural mal contida.
Após se recuperar do enjoo e da náusea causados pela ingestão do Núcleo Mutante, Jasper lançou um olhar irritado na direção do Caçador, considerando seriamente parti-lo ao meio de novo, mas logo despachou esses pensamentos.
O barulho de placas se unindo cortou a risada frenética do Desperto. O corpo de Jasper ainda estava em um estado semi-crítico, principalmente por causa da perna quebrada. No entanto, a armadura do Vulto Negro reagiu à energia radioativa, começando aos poucos a se restaurar sozinha, de forma natural.
Um brilho fugaz azulado foi emitido quando o processo de restauração foi concluído. Aquele parecia ser o tom original do elmo curvado da armadura, que se espalhou para as outras partes — até que todas as placas retornaram à cor escurecida, como se algo ainda estivesse faltando.
— Hum… onde você conseguiu esse elmo? Ele me parece familiar de algum lugar — indagou, tentando se lembrar de onde reconhecia aquele objeto.
— Eu não lembro. Minha última lembrança é de estar perdido no deserto, e ele sempre esteve comigo desde o início — disse, com a voz mais embargada do que pretendia.
Jasper sabia que aquilo também carregava algum valor emocional oculto. Mesmo que tentasse destrinchar sua própria mente em busca de explicações, nada parecia concreto o suficiente, como se aquelas lembranças tivessem sido trancadas.
— Tá, chega de drama existencial. Se ficarmos aqui muito mais tempo, aqueles coletores miseráveis vão voltar com reforços. — disse, virando-se para o corpo desacordado de Kaern.
Com movimentos secos e precisos, ele se aproximou do lobo metálico e, com um estalo grotesco de suas juntas ósseas, agachou-se, apoiando o braço funcional sob o dorso danificado da criatura. Fez força. O peso era considerável, mas seus músculos vermelhos, pulsando por entre as placas ósseas partidas, aguentaram.
Jasper ainda o observava, escorado na parede, respirando com dificuldade.
— Você… não vai deixar ele para trás? Pensei que não ligasse pra ninguém.
O Caçador virou o rosto com um sorriso torto, agora meio inchado e coberto por veias pulsantes de energia radioativa.
— Não me entenda mal. Se esse trambolho acordar e me morder, eu arranco os dentes dele com os dedos. — deu uma pausa, bufando. — Mas por enquanto, ele ainda é útil.
Começou a caminhar em direção a uma das passagens menos destruídas da caverna, onde o chão parecia firme e os cheiros eram menos repugnantes. A cada passo, o som metálico dos restos da couraça de Kaern ecoava nas pedras como uma marcha fúnebre.
Jasper soltou um riso fraco, apesar da dor que ainda latejava por todo o corpo. Ajustou o elmo no rosto, que agora brilhava com um tom levemente azulado sob a luz mortiça da caverna, e seguiu mancando, pisando com cuidado entre os escombros.
O corredor que seguiram era um antigo túnel, escavado com brutalidade cirúrgica. As paredes tinham marcas semicirculares, perfeitamente espaçadas, como se garras monstruosas tivessem raspado a rocha em ritmos compassados.
Jasper apoiava o peso do corpo na parede úmida, a respiração pesada ecoando como sussurros entre as pedras. O som dos próprios passos era abafado pela areia fina que cobria o chão, trazida de cima pelas criaturas que escavaram aquele lugar.
À frente, o Caçador de Ossos marchava em silêncio, carregando Kaern no ombro como se ele fosse apenas uma sacola de sucata mal dobrada. Seu olho vermelho iluminava o caminho com um brilho fraco, mas contínuo.
— Essas marcas… — murmurou Jasper, tocando um dos sulcos profundos na parede com a ponta dos dedos — elas vão tão fundo que parecem feitas com intenção.
— É porque não foi — rosnou, sem virar o rosto. — Essas centopeias não cavam apenas por instinto. Elas obedecem… alguém — ou algo mais forte.
Jasper franziu o cenho. As palavras do Caçador vinham carregadas de uma seriedade que ele raramente demonstrava. Isso o preocupava.
Continuaram caminhando, e a passagem começou a se abrir em uma ampla câmara. No centro, havia uma espiral escavada no chão, como uma piscina rasa de areia dourada que girava lentamente, mesmo sem nenhum vento por perto.
Pequenos fragmentos de carapaças, e até pedaços de mandíbulas bestiais, estavam espalhados ao redor, como se algo tivesse acontecido ali.
— Isso é um ninho? — perguntou Jasper, já em alerta.
— Não. Esse deve ser um dos Núcleos Catalisadores do Deserto de Sonata — respondeu o Caçador, aproximando-se da borda da espiral com cautela.
Quando abaixou o olhar encontrou marcas, runas geométricas e fórmulas numéricas. De dentro da areia, um som seco ressoou, como rochas se movendo. A espiral afundou levemente. Um dos fragmentos de mandíbula se mexeu sozinho e foi engolido pela areia que girava.
O Caçador recuou alguns passos, tranquilo, como se o que ocorreria a seguir fosse algo rotineiro.
Um pulso abafado ecoou sob a espiral, como um batimento cardíaco. A areia começou a se erguer em redemoinhos verticais, sendo repelida para os cantos da câmara por uma força invisível e densa, que vibrava o ar com um zumbido profundo e crescente.
Um segundo pulso fez com que rachaduras vermelhas riscassem o centro da espiral, como se linhas de magma estivessem sendo desenhadas por dentro da rocha. Então, a areia afundou abruptamente, como sugada por um vazio.
Do abismo surgido, uma estrutura gigantesca começou a se erguer.
Era um cristal vermelho profundo, do tamanho de uma árvore centenária, com arestas perfeitamente lapidadas e uma superfície translúcida que pulsava como um coração. Em seu interior, fluxos de energia negra corriam como veias, e ao redor dele girava uma corrente de símbolos e fragmentos de dados digitais, um anel de circuitos vivos, feitos de luz branca, dourada e esverdeada.
Jasper recuou um passo. O ar ao redor ficou pesado, e sua armadura reagiu com um estalo sutil, como se estivesse sendo pressionada. O cristal pulsava, liberando ondas de radiação rítmicas que distorciam a luz ao redor.
Sem aviso, o núcleo brilhou com força, liberando uma explosão silenciosa de energia vermelha que se espalhou em forma de anéis até tocar as paredes da câmara. Quando a luz se dissipou, cristais menores e escurecidos surgiram ao redor da espiral, como sementes que haviam brotado do solo contaminado.
As pequenas estruturas tremeram, racharam e se abriram.
Filhotes de centopeias bestiais emergiram uma a uma, como larvas feitas de pedra negra e obsidiana viva. Seus corpos eram densos, compactos, e suas carapaças brilhavam com uma camada escura reluzente.
Jasper tentou sacar sua lâmina, mas antes que pudesse preparar uma postura, uma das criaturas reagiu à hostilidade, rasgando o ar com a mandíbula pontiaguda. Ele contra-atacou com um golpe preciso.
CLANG!
O som que reverberou foi metálico. O corte que deveria atravessar a criatura mal arranhou sua carapaça. O filhote ricocheteou para o lado, caindo de pé e recuando assustado.
— Elas… são resistentes demais — sussurrou Jasper, os dedos trêmulos no cabo da arma.
— É claro que sim. Essa nova leva deve estar adaptada a cortes. Você deve ter matado tantos Bestiais da mesma forma que o Núcleo Catalisador usou essas informações para evoluir alguns espécimes.
Filhotes Bestiais se organizavam como um enxame disciplinado, ocupando a câmara e girando em torno do Núcleo Catalisador, que continuava sua rotação serena, como o coração sombrio do deserto.
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