Capitulo 17: Caminho da lua
O clima no Subsolo era totalmente diferente do Deserto de Sonata. O ar era frio e úmido, carregado com o cheiro de terra molhada após a chuva. Uma névoa esbranquiçada e tênue cobria o ambiente, impedindo uma visão ampla do terreno, apenas alguns pontos alaranjados eram visíveis: os olhos dos Coletores, que limpavam toda a bagunça às pressas.
Jasper continuava parado, encarando a pirâmide ao longe com um fascínio inexplicável. Uma sensação estranha de déjà vu o atingiu, como se já tivesse visitado aquele local antes em algum momento de sua vida… mas isso era impossível, fazia apenas alguns meses desde que chegara àquela Zona Selvagem.
A atenção de Jasper se desviou quando o Caçador de Ossos se aproximou, demonstrando um leve descontentamento.
— Fomos salvos mais uma vez… A gentileza do líder deste subsolo já está começando a me enjoar — resmungou, enquanto seu olho focalizava a pirâmide, como se tentasse decifrar suas intenções à distância. — Bem… enquanto eu não souber como sair daqui, vou continuar com esses Bestiais.
— Você confia neles? — questionou com um tom de desconfiança. — Eles tentaram nos matar duas vezes, e nas duas escapamos por pouco. Onde foi parar a sua noção?
O Caçador olhou para os Coletores, que terminavam de arrumar suas ferramentas de trabalho, rindo entre si como crianças exaustas depois de uma brincadeira. Eles podiam ser trabalhosos quando se uniam, ou com suas armas, mas bastava o ciclope ósseo estar totalmente recuperado para iniciar um massacre.
— Confiar? Nunca. E sobre noção… eu realmente pareço ter alguma? — respondeu sem rodeios. — Além disso… meus instintos de caça estão me dizendo que há algo maior nos esperando.
Jasper se afastou em silêncio. Sua raiva era quase palpável, visível até para o Caçador de Ossos, que não parecia se importar. Sem dizer uma palavra, ele seguiu em meio à névoa, à procura de Kaern e da pequena centopéia filhote.
Ele se sentou na primeira rocha que encontrou. A maldita perna quebrada tremia sem parar, amplificando sua dor a cada segundo. Ainda assim, não era o que mais o incomodava. O verdadeiro desconforto vinha de seus próprios pensamentos.
O que diabos eu estou fazendo…? Quando foi que comecei a me misturar com esses monstros?
A mente de Jasper pesava. Era como se todo o cansaço, a dor e a angústia dos últimos eventos estivessem colapsando sobre ele ao mesmo tempo, forçando-o a reviver cada momento em uma espiral sufocante.
Puxou a pequena cruz de prata pendurada em seu pescoço, como se buscasse abrigo em algo familiar. Mas naquele instante, até mesmo aquele símbolo, que antes lhe dava forças, parecia vazio. Um pedaço de metal frio em meio ao caos.
Sua mente afundou ainda mais.
Droga… você sabe muito bem por que está aqui. Foi você quem escolheu voltar… em vez de seguir em frente atrás do seu objetivo.
Ao erguer os olhos, Jasper sabia que não encontraria o céu, tudo o que havia era uma imensidão de rochas perdidas na escuridão. Nenhuma estrela, nenhum ponto de luz para guiá-lo.
Tudo o que Jasper desejava era fechar os olhos e desaparecer por um tempo — a sensação de não existir lhe parecia, de forma estranhamente contraditória, prazerosa. Então, sem aviso, a armadura do Vulto Negro reagiu por conta própria. Seu corpo se moveu antes mesmo que ele pudesse pensar, o braço erguendo-se lentamente até apontar para uma direção obscura à frente.
— Agh… o que está acontecendo agora? — Jasper tentou resistir, mas, ao notar para onde sua armadura o obrigava a apontar, ele parou.
Isso é a lua!?
Levantou-se apressado com um pulo, quase tropeçando nas próprias pernas enquanto caminhava para observar com clareza o astro suspenso no ar. Pela distância, era difícil perceber seu brilho, e a névoa só piorava a visibilidade, mas o formato era quase idêntico ao de uma lua cheia.
A aparição daquela figura, a reação da armadura, tudo parecia chamá-lo para aquele lugar, como se fosse algo predestinado pelo destino. No fim, tudo o que Jasper precisava era de um caminho certo para seguir, não importava qual fosse.
Jasper retornou ao local onde havia se separado do Caçador de Ossos. Sabia que havia se tornado muito dependente da ajuda dele para enfrentar as novas ameaças que surgiam, mesmo que, no fundo, odiasse admitir sua própria fraqueza.
Em meio à névoa, a figura do ciclope ósseo era visível, mas não da maneira que Jasper esperava. Ele estava sentado ao redor de uma fogueira improvisada, cozinhando uma espécie de sopa, enquanto alguns Coletores traziam pedaços de centopeias gigantes como ingredientes.
— Pensei que você já tivesse dado no pé depois daquelas birrinhas. — O sorriso torto e zombeteiro do Caçador surgia como um lembrete para Jasper.
Não houve resposta, apenas os passos do Vulto Negro se aproximando em silêncio, encarando o alimento à sua frente como se fosse um tesouro sagrado. Depois de vomitar ao ingerir aquele Núcleo Mutante, seu estômago estava completamente vazio.
Que moleque esfomeado, nem sequer está me escutando.
O Caçador revirou o olho enquanto jogava uma tigela para Jasper, que a pegou sem dificuldades. Ele a encheu de sopa até quase transbordar e, pela primeira vez em muito tempo, o Vulto Negro removeu o elmo para se alimentar.
Os longos cabelos azul-escuros de Jasper caíam como uma cascata sobre seus ombros, contrastando com a pele pálida, quase reluzente pela falta de exposição à luz solar. Abaixo dos olhos, grandes olheiras denunciavam o cansaço constante, mas ele insistia em manter um semblante sério, como se estivesse sempre em alerta.
Sem se importar com os olhares espantados ao seu redor, o garoto bebeu toda a tigela de sopa de uma só vez, repetindo o processo de enchê-la e esvaziá-la em um único gole, sem demonstrar qualquer intenção de parar tão cedo.
— Ei, feioso, vê se deixa alguma coisa pra mim, seu fedelho abusado. — O Caçador também pegou um pouco de sopa; mesmo podendo viver só de radiação, ainda era prazeroso se alimentar. — Da próxima vez, avisa antes de matar todo mundo de susto.
Os Coletores observavam com cautela o Vulto Negro se empanturrando. Tudo nele causava uma repulsa instintiva, talvez fosse sua aparência ou algo além… No fim, isso não importava. Eles haviam recebido um comando de seu mestre, Osíris: cuidar de Jasper até que ele estivesse pronto.
A lua misteriosa do subsolo continuava a iluminar tudo com seu brilho espectral, aguardando com paciência a chegada do Vulto Negro.
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