Capitulo 21: Velhas amizades
A morada dos Coletores era, de certa forma, simples: pequenas casas circulares feitas de barro e pedras, algumas incrustadas nas paredes rochosas do subsolo. Aquilo causava certa estranheza no Caçador de Ossos. Se eles viviam de maneira tão tranquila naquelas condições, por qual motivo se arriscariam lidando com ferro derretido?
Por outro lado, Jasper continuava caminhando em direção à pirâmide, quase como se estivesse hipnotizado. Toda a armadura do Vulto Negro reagia à proximidade, com algumas de suas placas brilhando em um tom azulado-escuro, apenas para logo se dissiparem no ar sem deixar resquícios.
Antes que pudesse dar mais um passo em direção ao templo antigo, os Coletores se colocaram à frente dos três, bloqueando a passagem para a longa escadaria que levava à pirâmide. Seus olhares estavam firmes, decididos, deixando claro que ninguém passaria sem permissão.
O olhar cortante de Jasper se fixou nos Bestiais que bloqueavam seu caminho. Ele sabia que poderia parti-los ao meio com um único golpe, mas conteve o impulso.
Chega de ser impulsivo… pensou, virando-se em seguida para encarar o Caçador de Ossos.
— Você consegue se comunicar com eles, não é? Então pergunte por que não podemos continuar… e, dessa vez, tenta não ofender ninguém. — disse com um tom sério, porém carregado de ironia.
O ciclope ósseo estreitou o olho diante do comentário do Vulto Negro, mas quebrou a tensão logo em seguida com um suspiro relaxado.
— Então vamos de democracia de novo… se não funcionar igual da última vez, partimos para o método mais prático: a anarquia. — ironizou, encarando os Coletores com um sorriso torto.
A sequência de piscadas em padrões diversos começou novamente, mas, dessa vez, o Caçador havia entendido realmente como aquela linguagem funcionava. Era como se comunicar por código Morse: piscar indicava as palavras e rir, as emoções.
— Se eu entendi tudo direito, eles querem que você remova sua armadura, algo sobre ela não estar pronta para o processo de sincronização — traduziu, enquanto descansava a vista cansada.
— NÃO — respondeu, com a voz elevada que fez todos ao seu redor instintivamente recuarem um passo para trás.
Depois de tanto tempo a utilizando, aquilo havia se tornado sua única proteção e a fonte de sua força para enfrentar os inimigos. Tirar a armadura era o mesmo que estar indefeso, e naquele mundo isso significava morte certa.
Nesse aspecto, o Caçador de Ossos conseguia entender o garoto. Todos os Undeads possuíam sua respectiva carapaça ou armadura; removê-la e expor a pele frágil só acontecia em casos raríssimos e, na frente de outras pessoas, era ainda mais arriscado. Por isso, ele comunicou rapidamente a resposta de Jasper aos Coletores.
O grupo de Bestias começou a discutir, lançando olhares na direção do Vulto Negro, como se analisassem cada centímetro de seu ser, até que finalmente se decidiram e comunicaram ao Caçador como prosseguir.
— Pelo visto, a sua armadura precisa ser ajustada antes dessa tal ‘sincronização’, mas o seu elmo não precisa passar pelo mesmo processo. Não tente me perguntar mais detalhes, porque nem eles sabem dizer ao certo; apenas o líder deles tem a resposta — concluiu, sem mais explicações.
Jasper refletiu em silêncio, tendo um pequeno vislumbre daquela figura misteriosa que se mantinha oculta na névoa. Duvidava se realmente era seguro continuar por aquele caminho; talvez aquela pessoa quisesse lhe causar algum mal. No entanto, ao olhar na direção da pirâmide, seus instintos não indicavam qualquer perigo.
No fim, o Vulto Negro começou a remover as partes de sua armadura com certo receio, deixando apenas o elmo no lugar. Suas vestes eram apenas alguns trapos desgastados pelo tempo, e seu corpo, pequeno e magro como o de um garoto de cerca de 13 anos, ainda parecia muito desnutrido.
Jasper sentiu seu corpo mais pesado e só então percebeu que seu Sentido do Vento não estava tão potente quanto antes. O raio de quinze metros de sua percepção especial havia diminuído para menos de dois metros, e ele sabia que o motivo era a ausência de sua armadura.
Eu realmente não sou nada sem isso…
A sensação de fraqueza era tão desagradável que Jasper segurou sua cruz de prata com força; naquele momento, era a única coisa que lhe trazia uma sensação de proteção.
Alguns Coletores correram para suas casas em busca dos itens necessários para os ajustes, retornando com vários sacos cheios de pequenos objetos que faziam sons metálicos ao colidirem entre si enquanto eram arrastados.
De forma despreocupada, os Bestiais espalharam o conteúdo dos sacos pelo chão: pequenas plaquinhas feitas de um material semelhante a metal negro, cobertas por fórmulas e códigos gravados por toda a superfície. Ao ver aquilo, o Caçador de Ossos ficou em completo choque.
— Puta merda! Quem diria que esses anõeszinhos teriam uma fortuna dessas acumulada debaixo da terra? — exclamou, com o olho vidrado naqueles pequenos artefatos valiosos.
Até mesmo Kaern, que sempre se mantinha de lado, contente em ser apenas um espectador enquanto nenhuma ameaça surgisse, ficou atraído por aquelas plaquinhas. A energia concentrada que cada uma possuía instigava os instintos do lobo metálico.
— O que é isso? — perguntou Jasper, sem entender o motivo de tanta comoção.
— São Fragmentos de Essência — explicou, pegando uma das pequenas placas com cuidado. — Essas belezinhas são raras de se encontrar, muito menos lapidadas dessa forma. Em uma estimativa otimista, você só encontra um fragmento a cada dez Núcleos Mutantes de um Bestial.
Em casos raros esses itens poderiam surgir naturalmente nas Zonas Selvagens, mas era um processo lento e ainda era trabalhoso demais extrair os códigos sem perda significativa de energia.
Pelo funcionamento natural dos Núcleos Mutantes dos Undeads, os Fragmentos de Essência eram gerados espontaneamente, o que era extremamente vantajoso para caçadores como o ciclope ósseo.
— Se eu tivesse um desses comigo, nem precisaria consumir o Núcleo daqueles Bestiais naquela caverna. Eu estaria cem por cento recuperado após consumir um ou dois — disse, lançando um Fragmento de Essência para cima enquanto abria a boca.
Os diversos olhos alaranjados se voltaram para a cena, cheios de raiva. No curto intervalo de tempo antes de o Desperto consumir aquele único Fragmento de Essência, uma centopeia gigante atravessou o teto rochoso do subsolo e o segurou com as presas. Sem digerir o objeto, ela o colocou junto das outras pilhas de plaquinhas.
Nenhum dos Bestiais ali presentes tinha a intenção de usufruir dos benefícios que aqueles fragmentos ofereciam; toda aquela riqueza seria utilizada para os planos do Ceifador com a armadura do Vulto Negro.
Vendo aquilo, Jasper passou direto pelos Undeads, sem se importar, indo na direção da escadaria à frente.
— Eu não ligo se isso é valioso para vocês, tenho meus próprios assuntos para resolver. Se quiserem tentar tomar à força essas placas, boa sorte contra todos esses caras — a voz de Jasper ficava cada vez mais distante à medida que ele subia os degraus.
De imediato, Kaern ignorou os objetos à sua frente e correu para seguir o garoto, sem querer deixá-lo sozinho e sem proteção. Já o Caçador de Ossos rangiu os dentes, aborrecido, mas evitou um confronto contra tantos inimigos ao mesmo tempo e foi atrás dos dois companheiros.
Finalmente, diante da imponente pirâmide tecnológica, Jasper notou que a lua que havia visto ao sair da caverna estava logo acima deles, a uma distância considerável. Seu tamanho era minúsculo em comparação com a lua original, mas a visão continuava magnífica.
De repente, o som estrondoso das engrenagens do portão girando chamou a atenção de todos e, em poucos segundos, a entrada do templo se escancarou, exalando uma névoa espectral escura e esverdeada, carregada de uma energia densa e opressora.
Os passos pesados do Ceifador ecoaram por todo o subsolo, como se apenas sua presença fosse suficiente para abalar toda a estrutura daquela Zona Selvagem. Quando, finalmente, a figura do Undead se revelou, toda a pressão no ar desapareceu, e um estranho silêncio calmo tomou o seu lugar.
Por um instante, Jasper e o Ceifador se entreolharam. Não havia palavras para descrever o sentimento que o garoto experimentava; ele nunca tinha visto aquela criatura antes, mas o nome dela estava em sua mente, mesmo que aquela lembrança não fosse verdadeiramente sua.
— Osíris…
Quando aquelas palavras chegaram aos ouvidos do Caçador de Ossos, sua expressão foi de indiferença para surpresa.
— As coisas escalaram de nível bem rápido. Eu nunca imaginaria que encontraria um remanescente do maior grupo opositor da Igreja Amaldiçoada em um estado tão decadente — comentou. Só de observar a pele pálida do Ceifador, era possível imaginar que sua regeneração estava tão fraca que nem ao menos podia reconstruir seu revestimento natural.
O Maverick caminhou na direção de Jasper; de suas feridas escorria sangue negro, como se a cada mínimo movimento seu corpo se desgastasse ainda mais rápido. Mesmo assim, ele não parou até estar diante do Vulto Negro e estender o braço para um simples aperto de mão.
— Bem-vindo de volta, Condor. É bom te reencontrar, velho amigo, mesmo que nós dois estejamos entre a vida e a morte neste momento, haha… — Osíris soltou um riso fraco, esperando timidamente que Jasper aceitasse o cumprimento.
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