Capitulo 25: Vazio da alma
Distante do confronto entre a tripulação da Dama da Ruína e os Bestiais do subsolo com suas criações, Jasper permanecia confinado dentro da armadura do Vulto Negro. Estava imerso profundamente em sua própria mente, um vasto espaço escuro e vazio, onde sua consciência flutuava sem direção.
Será que foi realmente uma boa escolha tentar essa sincronização? E se eu ficar preso aqui… para sempre?
De repente, uma corrente fria percorreu sua espinha. O vazio tremeu, como se o próprio espaço reagisse ao seu medo. Ele olhou ao redor, tentando localizar a origem da sensação incômoda.
Foi então que uma névoa espectral, densa e esverdeada, começou a se formar atrás dele, girando como se obedecesse a um comando invisível. Sem emitir um único som, a névoa tomou forma em questão de segundos, solidificando-se numa figura conhecida.
Jasper virou-se bruscamente, o coração disparado, os olhos arregalados.
— Osíris?! Como você…?! Isso é impossível! Você está lá fora, como entrou aqui?!
Osíris flutuava diante dele, os olhos brilhosos como faróis na escuridão. Sua presença ali não fazia sentido, aquilo era a mente de Jasper, seu espaço interno.
— Não se preocupe. O que está vendo é apenas uma imagem mental que criei para me comunicar. O único que possui controle deste vazio é você. — explicou, com a mesma calma e polidez de sempre.
A tensão naquele vazio inexistente diminuiu drasticamente após o Ceifador esclarecer a situação. Jasper se sentiu mais tranquilo agora que tinha alguma companhia por perto, era estranho sentir solidão dentro da própria mente.
— Como você consegue fazer isso? Tipo… invadir a mente de alguém?
— Ah… você me deu permissão para entrar aqui. Lembra do nosso aperto de mão? É o maior sinal de confiança que existe. — afirmou, com confiança, ainda que soasse estranhamente distorcido para alguns.
Jasper preferiu não se aprofundar no assunto; estava mais interessado em concluir a sincronização.
— Tem alguma ideia do que eu devo fazer? Já estou cansado de ficar aqui só encarando o nada.
O Ceifador girou seu corpo flutuante no vácuo. Era impossível ter qualquer senso de direção naquele lugar, simplesmente porque não havia um ponto de referência claro. Tudo o que ele precisava fazer era encontrar um caminho que o levasse até o Núcleo de Mana de Jasper.
— Sinto as frequências energéticas dos Códigos de Essência de Condor vindo daquela direção. — disse, apontando para um ponto aparentemente vazio no nada.
Jasper hesitou por um instante, mas decidiu seguir Osíris. Conforme avançava ao lado do Ceifador, os passos não faziam som —afinal, não havia chão, nem ar, nem paredes. Ainda assim, eles seguiam em frente, guiados apenas pela certeza de que aquilo era um caminho, mesmo que invisível.
Com o passar dos instantes, o vazio começou a reagir à presença deles. Pontos de luz suaves surgiram à distância, como vaga-lumes em uma noite sem fim. As luzes cresciam lentamente, ganhando forma e cor. Uma névoa azulada tomou conta do ambiente, revelando contornos sutis de uma imensidão antes ausente, como se o próprio mundo mental de Jasper estivesse despertando.
As sombras antes densas se afastavam com o toque da luz, revelando fios flutuantes de energia azulada que se entrelaçavam pelo espaço. Era como andar por um mar de constelações vivas.
— Está vendo? Você está abrindo caminho — comentou Osíris, com um leve tom de admiração. — Quanto mais próximo do seu núcleo, mais seu subconsciente revela quem você realmente é.
Jasper olhou em volta, impressionado. Pela primeira vez, o nada já não parecia tão vazio.
À medida que Jasper e Osíris se aproximavam, as linhas de energia começavam a vibrar com mais intensidade, como se estivessem vivas, pulsando em sincronia com cada passo silencioso que davam. As emaranhadas teias de luz se esticavam, convergindo lentamente para um ponto central, onde um cristal dourado flutuava, girando com calma.
O núcleo era hipnotizante, não maior que uma maçã, mas com uma presença imensurável. Cada volta que dava no ar fazia o espaço ao redor ondular suavemente, como uma flauta de vento etéreo.
As vibrações mágicas que emanavam dele percorriam os fios como ondas em um lago, levando memórias, emoções e fragmentos de poder por toda a mente. O som era quase inaudível, mas Jasper podia senti-lo ressoando dentro do peito, como uma nota eterna de uma música que ele nunca aprendera, mas que sempre conhecera.
— É a primeira vez que vejo um Núcleo de Mana de perto, mas… além da beleza exuberante, não é tão diferente de um Núcleo Mutante tradicional. — observou Osíris, com sua genialidade, quase esquecida por si mesmo, começando a retornar.
Jasper começou a prestar mais atenção no que o Ceifador estava dizendo.
— Como assim? Existe alguma relação entre eles?
— Talvez, mas é uma questão de origem. Os Núcleos Mutantes foram projetados com base nos Códigos de Essência de um Undead. Quando atingem o estágio de Núcleo Escuro, circuitos se formam, conectando toda a energia radioativa, chamada de Miasma, pelo corpo, o que dá origem aos nossos poderes.
Ele se aproximou mais da fonte de energia brilhante que dançava à distância.
— Já o seu Núcleo de Mana utiliza esses inúmeros fios espirituais para o mesmo processo. A grande diferença é que, diferente de um Undead, seu núcleo não existe no plano físico, é uma manifestação metafísica da sua alma. Por isso, é impossível que humanos acessem esses poderes sem alguma ajuda externa.
Jasper refletiu sobre as novas informações que havia recebido, comparando com tudo o que já aprendera. Sua boa memória, ao menos para o que acontecia no presente, estava ajudando bastante naquele momento.
Aproximando-se do seu Núcleo de Mana, Jasper não hesitou ao tocá-lo, sendo imediatamente atingido por uma onda de energia mágica que se expandiu pelo vazio. No entanto, não era esse o caminho que desejava. Aos poucos, começou a reprimir a energia, fazendo-a retornar ao núcleo.
Se eles têm quase a mesma funcionalidade, então tudo o que me falta para assumir o controle… é expandir essas linhas espirituais por toda a extensão da minha alma, assim como os Undeads fazem dentro de seus corpos.
Sua energia jorrou do núcleo como um rio sem leito, um fluxo mágico e bruto, vibrante e quente, que percorreu as linhas espirituais até então adormecidas, fazendo-as brilhar como veias de luz no escuro. As fibras, antes tênues, começaram a se expandir, crescer e se multiplicar, como raízes vivas que buscavam espaço por todo o vazio da alma.
Cada centímetro percorrido pelo mana se transformava. O abismo escuro ganhou contornos, pulsos, ecos. Era como se seu próprio ser estivesse se reescrevendo sob sua vontade.
A imagem de Osíris, até então estável ao lado dele, começou a oscilar, as bordas de sua forma espectral tremeluzindo como fumaça ao vento.
— Infelizmente, não posso continuar por mais tempo — disse com calma, mesmo que sua voz vacilasse ao ser arrastada pela expansão mágica. — O Miasma e a Mana são energias semelhantes, mas quando entram em contato direto, a mais poderosa prevalece, destruindo a outra.
Jasper manteve o olhar fixo em seu núcleo, as linhas ainda se expandindo como artérias de luz, mas agora hesitavam por um breve instante, sentindo a ausência iminente daquela consciência familiar.
— Não se preocupe. — completou Osíris, sua voz já parecendo vir de longe, abafada. — Seu corpo está seguro. Seus amigos estão o vigiando.
A imagem do Ceifador se desfez como cinzas ao vento, lentamente sendo engolida pela maré crescente de mana que inundava o plano espiritual. Por um momento, restou apenas o silêncio. Um silêncio vasto e solene.
Mas Jasper não fraquejou.
— Então está tudo comigo agora… — sussurrou para si mesmo, sentindo o calor da energia mágica pulsar em cada fio de sua alma.
O silêncio que pairava sobre as escadarias do Templo de Narhma foi abruptamente rompido.
O corpo inerte do Ceifador, largado no degrau superior como uma estátua abandonada, estremeceu. Seus dedos, antes rígidos como mármore, se moveram com um estalo seco. Um segundo depois, seus olhos se abriram de súbito.
Do sopé das escadarias, envoltos por distorções no ar e resquícios de ilusão, Zath e Mirage emergiram como fantasmas em carne. O Desperto de múltiplos olhos inclinou a cabeça, seus tentáculos se contorcendo ao redor do próprio corpo, como cobras famintas aguardando a ordem de ataque. Ao seu lado, Mirage girava como uma bailarina bêbada, rindo baixinho, a máscara de bobo escondia uma ferocidade pulsante.
— Estávamos quase acreditando que tinha morrido, Ceifador — sibilou Zath, os olhos girando como engrenagens descontroladas. — Mas parece que a peça mais difícil do tabuleiro ainda tem um pouco de energia.
Osíris não respondeu. Seus olhos percorreram o templo ao redor, os pilares rachados, a poeira sagrada manchada com pegadas estranhas. Ele sentiu o cheiro do caos que havia se aproximado em sua ausência.
Levantou-se devagar.
A tempestade se armava.
E o templo de Narhma, testemunha de tantas eras esquecidas, prestes a desabar sob o peso do confronto iminente.
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