Capitulo 28: Desfecho silencioso
Osíris ergueu lentamente a cabeça, a lâmina lunar de sua foice ainda vibrando ao seu lado. A marca do impacto no rosto dele era discreta, mas a tensão em seu semblante morto-vivo era inconfundível. Seus olhos, duas fendas iluminadas por um brilho espectral, fixaram-se em Mirage com uma intensidade gélida.
Não era a dor que lhe corroía a mente, seu corpo há muito havia deixado de reagir a tais coisas, mas a repulsa. A repulsa ardente e profunda por ter sido tocado.
Seus dedos cerraram o cabo da foice com tanta força que o metal gemeu. Um resquício de energia esverdeada escapou por entre as juntas de sua armadura, oscilando no ar como uma névoa venenosa.
Mirage manteve a postura relaxada, o dourado de sua máscara refletindo o brilho fantasmagórico do Ceifador. Mas, por trás da atitude provocadora, ela sabia que havia mexido com algo muito mais profundo que o orgulho de um oponente.
O Undead silencioso soltou a foice, permitindo que sua névoa a envolvesse e a controlasse. A arma girou com tamanha velocidade que varreu detritos e poeira para longe.Ao comando psíquico de Osíris, a lâmina lunar voou em movimento circular na direção de Mirage, que se esquivou com um simples salto para o lado.
Ela quase deixou escapar uma risada ao ver a foice passar direto pelo ponto onde estivera um instante antes. Mas o sorriso morreu sob a máscara quando percebeu que a lâmina não diminuía a velocidade.
Como um predador seguindo o cheiro de sangue, a arma ajustou sua rota em pleno voo, rasgando o ar numa curva impossível, agora apontada diretamente para o comandante da Dama da Ruína.
Zath reagiu por instinto, seus tentáculos-olhos soltando uma tempestade de feixes de energia contra a foice em rota de colisão. Os clarões iluminaram o ar, mas foram inúteis: a lâmina espectral girou e atravessou os disparos como se fossem nada, cortando três tentáculos de uma vez.
Ele mal teve tempo de recuar. A arma manteve o curso, agora na altura de seu pescoço, pronta para arrancá-lo com um único golpe. Zath ergueu os braços diante do corpo num gesto desesperado, e ambos foram decepados, lançando fragmentos de metal e carne para todos os lados.
— AGH!
A foice não parou. Seguiu adiante, subindo em um arco elegante e mortal, como se estivesse se preparando para um novo mergulho.
Mirage correu como nunca até Zath, deixando um rastro de impulsos azuis pelo chão destruído. Não se importava com o fato de estar drenando muito mais energia do seu Núcleo Mutante do que havia planejado; sabia que aquele era apenas o início da investida do Ceifador.
Do alto, Osíris sobrevoava o templo como um presságio sombrio do inevitável. Seus olhos vazios se fixaram em Zath e Mirage, medindo distâncias, ângulos e margens de erro com uma calma quase antinatural.
Então, sem aviso, a foice lunar brilhou num verde espectral e começou a dançar em suas mãos. Cortes de energia se multiplicaram, cruzando o ar em padrões absurdos, cada arco e curva calculados para bloquear qualquer rota de fuga. Era uma tempestade letal de lâminas, um labirinto no qual cada saída terminava em morte.
Mirage, sem tempo para pensar, inflou seu corpo diante de Zath, formando um escudo vivo que absorvia os impactos. Cada golpe arrancava fragmentos de sua armadura carmesim, fazendo-a recuar meio passo, mas ela se mantinha firme, bloqueando o avanço inevitável da foice.
Quando a enxurrada de cortes cessou, o templo permanecia intacto, exceto pelo ponto onde os dois inimigos estavam. Ali, o chão era um mosaico de rachaduras, o ar tremia com o calor residual, e Mirage arfava, ainda de pé, como a única barreira entre Zath e o Ceifador.
A Undead gelatinosa caiu sobre o comandante da Dama da Ruína. Seu corpo era extremamente resistente a qualquer tipo de impacto ou corte, mas ataques de energia liberavam muito calor, um veneno para Mirage, que perdia forças para manter sua forma, insistindo em segurar a máscara dourada no rosto.
— Droga… isso tudo é culpa minha. Por que diabos você não fez o caminho oposto!? — berrou Zath, seus olhos restantes fixos na figura de Mirage escorrendo pelo chão, antes de se prenderem no inimigo que pairava no ar. — Você… não vai escapar desta vez!
Canalizando a força bruta do seu Núcleo Mutante, Zath mesclava os elementos que dominava: fogo incandescente, gelo cortante, eletricidade estalante, mas, naquele instante, o poder gravitacional tomou o centro do palco.
Com um gesto preciso, o olho gravítico projetou um campo invisível de força ao redor do Ceifador, comprimindo o espaço como se uma mão colossal esmagasse o ar. Ele foi puxado abruptamente para baixo, despencando contra o solo com força brutal. A poeira subiu em densas nuvens, e o impacto ecoou pelo templo como a queda de um meteoro.
Avançou, aproveitando a brecha aberta, seus tentáculos irradiando energia multielemental que girava ao redor dele como uma tempestade.
Meus feixes de energia podem ser mais poderosos… mas contra ele eu preciso utilizar toda a minha versatilidade para vencer!
Zath não perdeu tempo. Seus olhos elementais abriram-se em uníssono, liberando rajadas de fogo, lanças de gelo e descargas elétricas que se entrelaçavam em um vendaval de destruição. A luz intensa engoliu a figura do Ceifador.
— Agora você caiu… — murmurou, sentindo o peso da vitória se aproximar.
Mas algo não estava certo. Os clarões não explodiam contra carne, nem contra a névoa que envolvia Osíris, e sim contra uma muralha cintilante que se erguia diante dele.
Ao focar os olhos, Zath percebeu: eram fragmentos maciços de rocha lunar, arrancados da própria lâmina do Ceifador, girando e se encaixando como engrenagens de um mecanismo sobrenatural.
Cada impacto de energia se dissipava na superfície opaca, como se fosse absorvido e esmagado pela frieza mineral. Por trás da barreira, Osíris permanecia imóvel, apenas o brilho esverdeado de seus olhos atravessando as frestas das rochas, frio, paciente… e levemente irritado.
Osíris pousou uma das mãos sobre a barreira lunar. Sua névoa espectral deslizou pelas superfícies irregulares, envolvendo cada fragmento de pedra com um brilho verde-morto. Então, sem aviso, as rochas se moveram. Primeiro um avanço lento, depois um disparo súbito. Cada bloco girava com velocidade absurda, emitindo um zumbido agudo.
O som foi engolido pelo estrondo seguinte. Zath mal teve tempo de erguer os tentáculos quando os projéteis o atingiram. A primeira rocha atravessou seu ombro, a segunda perfurou seu abdômen, e uma sequência implacável abriu novas lacerações, cada impacto o empurrando mais para trás.
Foi apenas por um reflexo desesperado que seu olho central se fechou sobre si mesmo, erguendo uma barreira interna de energia que protegeu o Núcleo Mutante por um fio de vida. Mesmo assim, sangue e fragmentos de metal pingavam no chão, marcando o preço de ter enfrentado o Ceifador de frente.
Por trás da cortina de poeira, Osíris permanecia imóvel, como se já soubesse que o ataque havia cumprido seu propósito.
O Desperto estendeu a mão, sentindo o vínculo com as pedras lunares. Como marionetes presas a fios invisíveis, elas começaram a se mover, convergindo para formar novamente a foice. Ele queria reconstruí-la no menor tempo possível.
Mas o tempo é um luxo que Mirage não pretendia conceder.
Um borrão azulado atravessou a poeira como um relâmpago vivo, o som dos passos ecoando no mármore quebrado. Cartas explosivas voaram de suas mãos, fixando-se no chão, nas paredes, e até mesmo na própria barreira que Osíris tentava reunir.
As detonações vieram em sequência, abafadas e depois estrondosas, fragmentos de pedra e clarões púrpura envolvendo o Ceifador. Mirage não deu respiro seu corpo se distorceu e girou, desferindo chutes que surgiam de ângulos bizarros. Um atingiu as costelas, outro o ombro, outro o queixo, cada um com a força de uma marreta.
Osíris não recuava. Recebia cada golpe em um silêncio calculado, seus movimentos mínimos ajustando os sentidos para acompanhar a velocidade quase sônica da inimiga. Seus olhos mortos seguiam cada deslocamento, cada oscilação de energia, como se decifrassem um padrão.
Quando um chute frontal estava prestes a atingir em cheio o ponto exato de seu peito, onde o Núcleo Mutante rachado pulsava em fendas âmbar, Mirage foi abruptamente interrompida. Um puxão invisível a travou no ar; a névoa espectral a agarrou, deixando-a suspensa a poucos centímetros do alvo.
Osíris suspirou profundamente, o primeiro e único som que emitira desde o início do confronto. Cruzando as mãos, começou a comprimir o corpo líquido da Desperta, quebrando sua armadura vermelha em pedaços minúsculos, enquanto ela era reduzida a uma pequena esfera azulada que resistia com suas últimas energias.
Quando o Núcleo Mutante da tripulante da Dama da Ruína começou a sofrer rachaduras e a perder seu brilho, o Ceifador se concentrou ainda mais, visando acabar com o sofrimento de Mirage o mais rápido possível.
Porém, esse foi seu maior erro: seu foco absoluto em um único ponto o impediu de perceber quando três jatos de água ultra pressurizada o atravessaram sem resistência.
Fragmentos da armadura vermelha e da massa gelatinosa de Mirage se espalharam pelo templo, cada pedaço pulsando fracamente antes de se recompor aos poucos. No centro da explosão orgânica, o Núcleo Mutante caiu no chão com um som seco, seu brilho quase apagado, mas ainda pulsando, teimoso, vivo.
Osíris, por sua vez, levou a mão ao estômago. Um tremor sutil percorreu seu corpo pálido antes que um jorro espesso de sangue negro escapasse por entre seus lábios. O mesmo líquido viscoso escorria em torrentes das perfurações recém-abertas em seu abdômen.
Ele não disse nada. Não gritou. Não olhou para ninguém. Apenas permaneceu imóvel por um instante, e então seu corpo tombou como uma estátua perdida no tempo, afundando o chão ao cair, inerte, silencioso.
O único som que se seguiu foi o eco metálico dos passos de KillSwitch, ressoando pelo templo devastado. Sem hesitar, ele lançou Fragmentos de Essência diretamente no olho central de Zath e no Núcleo exposto de Mirage. Ambos reagiram com leves pulsos de energia, frágeis, mas presentes.
KillSwitch então voltou o olhar para o Ceifador caído. Nenhuma vibração, nenhum sopro, nenhum resquício de energia. Apenas um corpo vazio.
— Então… só resta capturar o Vulto Negro. — Sua voz robótica carregava o tédio de quem comentava sobre apertar um parafuso. — Volto daqui a pouco, meus manos.

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