Capitulo 29: Verdadeira natureza
Alheio ao caos que consumia o mundo exterior, Jasper permanecia mergulhado em seu próprio oceano silencioso. Suas linhas espirituais se estendiam pelo vazio como raízes vivas, serpenteando com paciência, buscando cada fenda, cada recanto. A energia fluía nelas como um rio domado, controlado pela força de sua vontade.
A cada pulsar, ele sentia mais nitidamente os canais ocultos que percorriam a armadura do Vulto Negro, condutos frios e profundos, como veias que transportavam não sangue, mas seu próprio mana.
Antes, ele os utilizava de forma inconsciente para manipular a pressão do ar ao seu redor.Agora, com Osíris tendo refinado cada traço e removido os resquícios de Miasma deixados por outros Bestiais que compunham a armadura negra, o fluxo estava puro, limpo, e infinitamente mais perigoso.
Jasper envolvia seu Núcleo de Mana com ambas as mãos, sentindo o pulsar constante do cristal dourado como o batimento de um coração que, enfim, parecia acompanhar o seu. A última etapa da sincronização se aproximava, ele podia sentir o fluxo perfeito das linhas espirituais correndo pela alma, cada raiz de energia conectando-se ao ponto certo.
Mas então, algo diferente aconteceu.
O vazio dentro de si estremeceu, como se um trovão silencioso ecoasse nas profundezas de sua alma. As linhas espirituais, antes firmes e ordenadas, começaram a vibrar de forma errática, emitindo um zumbido abafado que reverberava em sua mente. Jasper ofegou, apertando o Núcleo com mais força, tentando manter o controle.
— Argh! O que é isso!? — gritou, enquanto um calor súbito, liberado pelo Núcleo de Mana, queimava suas mãos até os ossos.
Um som seco e cristalino quebrou o silêncio.
Metade da superfície dourada do cristal estalou, fragmentando-se como vidro frágil. No interior, um brilho doentio e pulsante, um vermelho corrompido, começou a se expandir, espalhando-se pelas linhas espirituais de Jasper como veneno.
Aquela energia amaldiçoada o puxava para dentro do Núcleo, seu corpo sendo lentamente engolido, como se cada parte fosse dissolvida e absorvida.
Tudo o que restou foi um grito sufocado, engolido pelo próprio vazio.
No templo de Narhma, o Caçador de Ossos permanecia recostado, quase preguiçoso. Estranhou o silêncio repentino, mas uma rápida varredura com seu único olho não revelou qualquer sinal de energia por perto, nem mesmo rastros de calor além dos de Kaern e Jasper.
Se o Ceifador realmente caiu… então nada me impede de invadir este templo e caçar esse Bestial Ancião.
As placas ósseas do rosto do Undead rangeram, denunciando a excitação. A simples ideia do perigo fazia a adrenalina correr mais rápido.
O lobo metálico mantinha-se em constante vigília, circulando o corpo imóvel de Jasper como um guardião incansável. Mesmo com seu instinto de proteção sempre em alerta, ele sentiu a calmaria retornar e permitiu-se relaxar, ainda que por um momento.
A couraça cintilava em tons de azul tranquilo quando nada acontecia, mas pulsava em um vermelho intenso ao menor ruído, pronta para responder a qualquer ameaça.
Então, um zumbido mecânico soou atrás de Kaern, fazendo-o saltar instintivamente. Mas já era tarde.KillSwitch emergiu das sombras como se tivesse se materializado ali, agarrando o lobo metálico pelo pescoço e erguendo-o sem esforço.
Desviando das garras e mordidas letais com facilidade inquietante, KillSwitch cravou uma lâmina curta e tecnológica exatamente numa fresta da couraça do lobo. Em seguida, o arremessou para longe, já antecipando o que viria a seguir.
O Undead lupino conseguiu se estabilizar antes de se chocar contra uma das pilastras do templo, rachando o solo com as patas ao aterrissar.
Preparava-se para investir contra o inimigo novamente, mas congelou no ato quando, do ponto onde a faca de KillSwitch estava cravada, uma explosão interna irrompeu. Suas placas metálicas se despedaçaram como vidro sob pressão, e seu corpo perdeu todas as forças.
— Couraça com absorção de energia… Olha só, você teve sorte no seu Despertar. Mas, infelizmente, eu já neutralizei suas habilidades, cachorrinho — disse KillSwitch, num sarcasmo preguiçoso, antes de seguir com a missão.
Kaern ainda tentava, sem sucesso, seguir em frente, com seus circuitos internos expostos em uma ferida abdominal grotesca que escorria um líquido oleoso sem parar, até que, enfim, ele desabou.
A mão metálica do Desperto se ergueu na direção de Jasper, ainda imóvel, preso à paralisia causada pela sincronização. O brilho frio do visor dele refletia o olhar perdido do alvo, como se já o tivesse condenado.
Antes que seus dedos alcançassem, uma sombra veloz irrompeu pela lateral. O Caçador de Ossos surgiu em um salto preciso, o corpo inteiro girando para concentrar um chute brutal contra o inimigo.
— Já estou farto de como vocês, lacaios, sempre aparecem para me atrapalhar! — esbravejou o ciclope ósseo, decidido a acabar com aquela batalha que insistia em se prolongar.
O impacto veio como um trovão, mas não arrancou nem um passo de KillSwitch.
De forma quase casual, ele agarrou a perna do atacante no ar. Os dedos de aço se fecharam com um estalo seco, esmagando o movimento.
Sem mudar o tom de seu respirar mecânico, girou o corpo e arremessou o Caçador de Ossos contra Kaern, que jazia caído. O choque dos dois corpos no chão ecoou pelo campo como se fossem apenas sucata sendo descartada.
— Dois de uma vez? Prático. Isso vai fazer meu trabalho acabar mais rápido, então… podem vir. — provocou, fechando o punho com estalos mecânicos.
O Caçador de Ossos se levantou atordoado e chutou Kaern para longe. Sentiu a raiva subir à cabeça, ele se orgulhava de sua visão aprimorada, não ter percebido a aproximação de KillSwitch era uma vergonha sem tamanho.
A centopeia filhote, que repousava em seu antebraço, sentiu a tensão aumentar e afundou ainda mais as presas nos músculos avermelhados do Desperto.
Num salto, o Caçador fechou a distância até KillSwitch, desferindo uma sequência brutal de socos, um, dois, três, cada golpe acompanhando o som seco de ossos rangendo. Mas o Undead era uma sombra entre os ataques, desviando-se com movimentos mínimos, quase preguiçosos, bloqueando cada investida com precisão cirúrgica.
Com um giro rápido, KillSwitch prendeu o braço do Caçador, torcendo-o com força suficiente para estalar articulações, e cravou uma lâmina curta na lateral de seu crânio. O metal vibrou ao penetrar, e em frações de segundo, o corte liberou um gás comprimido que explodiu para dentro antes de sair em um jato furioso.
O som foi abafado, mas o efeito, devastador: a pressão interna expandiu-se com violência, abrindo um buraco grotesco na cabeça do Caçador. Fragmentos de osso e carne se espalharam no ar, e a centopeia em seu braço se retorceu em pânico, antes de cair ao chão junto com o corpo pesado do seu mestre.
KillSwitch apenas girou a faca, deixando o gás escapar em um último suspiro agudo, e soltou o cadáver sem sequer olhar para trás.
— Então esse é o lendário Caçador de Ossos? Achei que duraria mais. — comentou, sem empolgação na voz.
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