Capitulo 6: Linha Fractal
Parado diante de uma elevação montanhosa no Deserto de Sonata, Jasper questionava a necessidade de subir por aquele terreno íngreme. Talvez fosse melhor apenas dar a volta, mesmo que isso custasse mais tempo e esforço.
Ao olhar para cima, observando o quão alto poderia chegar no topo daquele lugar, Jasper sentia-se cada vez mais tentado a escalá-lo. A ideia de estar perto do céu lhe trazia uma sensação de liberdade que jamais experimentara naquele lugar assombrado por aberrações.
Então, assim o fez, agarrando com força cada mínima lacuna ou fresta para se apoiar e continuar subindo cada vez mais alto. As luvas de sua armadura o ajudavam no processo, graças à estranha aderência que tinham ao seu corpo.
Em pouco tempo, Jasper se acostumou com os movimentos necessários para garantir sua sustentação, passando a executar pequenos saltos para acelerar a subida, algo que seria impossível, se não fosse seu equilíbrio natural impecável.
Ao se firmar sobre um pedaço de rocha, Jasper notou de imediato estranhas vibrações na superfície da estrutura, o que só poderia significar uma coisa.
De repente, um dos abutres que ele havia visto mais cedo naquele dia surgiu, perfurando com seu bico giratório a pedra onde estava apoiado.
Jasper teve que saltar para o lado às pressas para desviar da criatura, e ainda assim uma das longas asas afiadas atingiu seu elmo com força, fazendo-o vacilar por um instante e perder o apoio.
Despencando do penhasco, Jasper tentou agarrar qualquer coisa que o impedisse de colidir contra o solo, que parecia estar cada vez mais próximo. Num ato de desespero, afundou as mãos na parede rochosa, suas luvas faiscavam ao contato com o pedregulho, mas isso não o livraria da morte iminente.
Seu estômago se revirou, e por um instante breve, achou que tudo terminaria ali, esmagado como um cadáver seco no deserto.
Fora do seu próprio conhecimento, as pontas dos dedos da armadura organica de Jasper se esticaram como garras, perfurando a rocha com facilidade e freando sua queda aos poucos, até que finalmente conseguiu parar em um ponto específico.
O que é isso!? Espera… é melhor continuar subindo antes que mais desses abutres malditos surjam para me atrapalhar.
Sem desperdiçar mais tempo com suas dúvidas, Jasper voltou a escalar, agora com muito mais velocidade, graças às garras misteriosas que atravessavam as rochas com facilidade.
O silêncio no topo era delirante. Jasper se jogou no chão, exausto e ofegante, tanto pelo esforço físico quanto pela quase morte.
Ao olhar para as próprias mãos, viu aquelas malditas garras que haviam surgido para salvá-lo no último momento. Jasper sentia como se fossem parte do seu corpo, mas sabia, no fundo, que não era verdade… ou torcia para que não fosse.
— Será que estou virando um monstro também? — disse, sentindo o coração acelerar com a aflição crescente. — Não, não… por favor, não.
O medo voltava a se manifestar, pesando no coração do garoto. Não importava o quanto tentasse afogar aquela sensação, o desespero sempre retornava. Porque tudo o que cresce nas sombras se torna mais poderoso.
Sabia que, se removesse a armadura, não conseguiria sobreviver naquele mundo hostil, mas continuar a usá-la também significava perder, pouco a pouco, aquilo que ainda o ancorava.
A mente do garoto começou a se confundir com os fragmentos de memória que pairavam sobre seu subconsciente. Uma voz grave sussurrava em sua mente, como se o próprio elmo ainda carregasse traços da vontade do Undead de quem se originou aquele objeto.
Mesmo tentando compreender o que aquela criatura, entidade ou alucinação dizia, tudo era confuso demais — e Jasper precisava de respostas concretas naquele instante.
O que eu devo fazer? Matar ou morrer? Sofrer ou viver? Tudo é tão confuso… me responda.
Os pensamentos conflitantes do Vulto Negro foram interrompidos por um grunhido alto e pelo som do vento sendo cortado por um bater de asas.
No céu, voava o abutre que havia causado toda aquela situação. Jasper sentiu vontade de atacá-lo, mas, ao presenciar o voo daquela ave… tudo o que conseguia era se imaginar em seu lugar, livre.
Erguendo-se, Jasper seguiu o abutre com os olhos azuis brilhantes, sem notar que as garras se retraíam aos poucos, voltando ao seu estado original. A ave voava para longe, na direção do horizonte, até que, com um rasante, afundou na areia interminável do deserto.
Admirando aquela vista única, Jasper sentiu a mente se tranquilizar aos poucos, até notar um novo detalhe que o encheu de expectativa.
A paisagem desértica tinha um fim, marcado por um “bug”: um ponto onde a realidade parecia se distorcer em uma barreira de múltiplas cores. Aquela era a passagem para uma nova Zona Selvagem.
Se continuasse por mais alguns quilômetros, estaria livre daquele lugar horrível. Mesmo sem saber o que o esperava por trás daquela barreira, ainda assim parecia melhor do que continuar vivendo no Deserto de Sonata.
Além disso, estaria um pouco mais próximo de seu destino final, guiado pelo Cruzeiro do Sul.
Mas, antes de conseguir dar o primeiro passo na direção do futuro que tanto almejara, toda a montanha em que estava começou a sofrer tremores em diversos pontos diferentes. Sem que pudesse sequer entender o motivo, vários abutres bestiais emergiram do interior das rochas, fugindo na mesma direção que o outro havia tomado.
O mundo parecia começar a ruir de repente quando Jasper ouviu inúmeros barulhos de explosões atrás de si. Ao se virar, deu de cara com o que, em sua visão inocente, parecia ser uma baleia de ferro voadora, confundindo o metal escuro do navio com a pele de um animal vivo.
Dentro de um vendaval vermelho, uma embarcação pairava sobre o solo como um predador. Sua carapaça metálica, negra e fosca, absorvia a luz ao redor, criando uma presença opressora. A silhueta angular, com dezenas de lâminas e pontas, parecia rasgar o próprio ar.
Mas é claro… justo agora que a saída apareceu, aparece também um maldito Leviatã de ferro.
Preparando-se para descer da montanha e, em seguida, correr na maior velocidade que pudesse. Jasper hesitou ao notar duas figuras familiares se aproximando junto da embarcação: o Caçador de Ossos e Kaern.
Kaern parecia correr com hesitação, os segmentos vermelhos de sua couraça pulsando em agitação. Talvez ele não quisesse arrastar o garoto para aquilo, mas não teve escolha.
No mesmo instante, lembrou do que Kaern havia feito antes de os três se separarem.
E se ele memorizou meu cheiro para que pudesse pedir ajuda? Droga, eu deveria correr. Era só isso que eu fazia. Mas por que diabos me sinto preso aqui em cima?
Entre a liberdade longe das areias do Deserto de Sonata e as únicas pessoas com quem teve mais contato, e por quem desenvolveu certa amizade, o Vulto Negro se via indeciso sobre qual seria o próximo passo naquela situação.
E, a cada segundo perdido, o destino cruel que o perseguia se aproximava…
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