Encarando aquela ameaça, Jasper sabia que não seria fácil lidar com ela. A figura alta, de pele vermelha ainda gotejando sangue, estava coberta por ossos rígidos que formavam uma armadura natural, grotesca e assustadoramente eficiente.

    À primeira vista, parecia um ciclope. Mas, ao olhar mais de perto, era possível perceber que todo o rosto da criatura era formado por placas ósseas, encaixadas com precisão quase cirúrgica. A única parte exposta era a boca, onde um sorriso grotesco se abria, revelando dentes pontiagudos, esculpidos para cortar com o mínimo toque.

    Diferente da felicidade mórbida do caçador, Jasper, o Vulto Negro, estava em frangalhos. O cansaço físico e mental acumulado pela vida selvagem havia levado seu corpo ao limite.

    Conhecia bem demais o comportamento das criaturas do Deserto de Sonata, sabia que ali só existiam dois destinos: morrer pelas mãos do caçador ou ser devorado por uma horda de centopeias gigantes.

    A morte em si não o assustava. O que o aterrorizava era falhar. Morrer sem cumprir seu objetivo… esse sim seria o verdadeiro fim.

    Eu… tenho que aguentar mais um pouco antes que esgote todas as minhas forças. Preciso eliminar esse monstro o mais rápido possível… talvez, se conseguir me alimentar da carne dele, eu possa continuar.

    Ao tentar dar um passo à frente, na direção do inimigo, sentiu a fome constante que o atormentava se misturar ao cansaço acumulado de incontáveis confrontos. As pernas fraquejaram, e ele cambaleou, sem forças. Era apenas uma questão de tempo até que seu corpo colapsasse de vez.

    Sem dar chance para a presa descansar, o caçador sacou uma das inúmeras armas feitas de ossos, guardadas estranhamente ao longo das costas, como se ele mesmo as tivesse cravado ali. Puxou uma lança feita de vértebras alinhadas e fixadas por tendões secos, avançando numa investida brutal, mirando o pescoço do garoto. Cada golpe seria letal.

    Uma das poucas vantagens da estatura baixa de Jasper era sua agilidade sobre-humana, somada a uma estranha sensação que o alertava a qualquer mudança ao seu redor, num raio de quinze metros.Foi assim que conseguiu desviar do ataque surpresa anterior do Undead. Agora, diante do inimigo, com visão ampla, desviou com um pequeno impulso para o lado.

    A lança de ossos atingiu apenas o vazio, abrindo espaço para que o Vulto Negro contra-atacasse. Aproveitando o embalo, girou o corpo para cortar a lateral do abdômen do caçador, já que um ataque mais alto era inviável devido à diferença de tamanho.

    Mas, assim que a lâmina improvisada atingiu as placas ósseas opacas, ela se estilhaçou. A resistência daquela carapaça era absurda, superior a de qualquer outra criatura que ele já enfrentara.

    Antes que pudesse superar o choque de ter sua única arma destruída, o caçador retomou a investida, acertando um soco tão forte no estômago do garoto que rachou a armadura rústica, lançando-o alguns metros para o alto, como uma pena ao vento.

    Caindo, desestabilizado, notou algo que o apavorou: havia focado totalmente no caçador — em parte por causa da tonalidade branca da carapaça que o cobria, destacando-se naquela escuridão. Agora, algo se aproximava numa velocidade descomunal, impossível de evitar naquela posição.

    Graças à sua percepção elevada, Jasper notou a nova criatura surgindo. Mesmo sem poder fugir a tempo, tentou amenizar os danos, reunindo esforço para colocar o braço à frente, que foi dilacerado por presas pontiagudas, rasgando a pele pálida por baixo da armadura.

    A criatura que atacou não era um predador comum do Deserto de Sonata, mas um Undead semelhante a um lobo enorme, furtivo graças à sua couraça escura — em contraste com o branco do caçador. Isso explicava por que Jasper não a percebera nas sombras.

    O lobo chacoalhou o corpo de Jasper, terminando de destroçar seu braço com dentes afiados, espalhando sangue e fragmentos de ossos. Quando pousou na areia, sem emitir ruído, soltou-o com cuidado e correu de volta para as sombras de onde surgira, o mais rápido possível.

    Jasper ficou caído, sufocando um grito de dor para não atrair mais criaturas. A perda de sangue e a falta de nutrição quase o fizeram perder a consciência várias vezes. Mantinha-se acordado apenas pelo instinto de sobrevivência desenvolvido no deserto. Mesmo assim, tentava se arrastar para longe do caçador, que já se aproximava.

    — Nada disso. Você não vai fugir. Parece que o tal Vulto Negro não é tão corajoso quanto pensei, que decepção — disse o caçador, com desdém cruel.

    De uma bolsa pequena, ele tirou uma corda de cerca de dois metros e meio, feita de tendões secos trançados com fibras vegetais e reforçada por lâminas finas de ossos entrelaçadas. Sem piedade, enrolou a corda no pescoço de Jasper, que tentava fugir com o braço funcional, mas foi puxado para trás, sufocado lentamente.

    Não vendo escapatória, o garoto tentou segurar a corda, mas cortou as mãos nas lâminas entrelaçadas. Sabia que seu fim chegara. Já não entendia por que continuava resistindo à dor; se parasse de lutar, o sofrimento terminaria logo… Mas seu corpo parecia uma máquina que se recusava a desligar, e lentamente afastou o cordão do pescoço.

    — Argh… Me solta… Eu disse, me solta! — gritou com toda força que lhe restava, numa intensidade jamais alcançada antes.

    Aquelas palavras fizeram o caçador parar por um instante. Não por medo, mas por perceber que o Vulto Negro falava. O ar ao redor começou a se mover de forma estranha, como se pequenos vórtices surgissem dentro da percepção especial de Jasper.

    O brilho prateado da cruz que carregava se acendeu como uma chama divina, e uma barreira giratória de vento surgiu ao redor do garoto, empurrando o inimigo para longe com cortes severos em sua armadura óssea.

    Liberto do sufocamento, Jasper virou-se para encarar o caçador, tomado por uma raiva descomunal. Pensava em retribuir cada dano sofrido por aqueles dois. Mas, após a inesperada reviravolta, seu corpo desmoronou, sem mais energia.

    — Droga… — lamentou, desmaiando exausto após lutar pela vida.

    Assim que Jasper desmaiou por completo, sua cruz também parou de emitir aquele misterioso brilho prateado, o poder se esgotara junto das forças do garoto.

    O caçador caminhou lentamente na direção do Vulto Negro, já recuperado daquela estranha manipulação de vento. O Undead lupino aliado também se aproximou, esperando ordens.

    — Perdi o interesse nesse Vulto Negro… Não tem graça caçar um racional estúpido. — resmungou, frustrado.

    Antes que qualquer decisão fosse tomada, o chão começou a tremer sem parar, como se um terremoto estivesse prestes a começar.

    Os Bestiais adormecidos sob as vastas areias do Deserto de Sonata despertaram ao ouvir os ecos daquela batalha mortal, e cabia ao Caçador de Ossos e seu companheiro lidar com todos aqueles monstros traiçoeiros.

    — Bem… posso me divertir um pouco com esses Bestiais. Não são tão fortes, mas dão pro gasto — disse, ansioso para liberar toda a fúria assassina que o atormentava por dentro.

    O Caçador de Ossos puxou mais algumas adagas de ossos presas nos seus joelhos e ombros, ele tinha armas escondidas em toda a extensão do seu corpo o deixando ainda mais grotesco do que o habitual.

    Ao subir no Undead lobo que usava como montaria já avistou algumas dúzias de centopeias gigantes saindo do subsolo prontos para devorar os três.

    — Vamos acabar logo com isso, Kaern. Não me decepcione outra vez. E não pense que esqueci que você falhou em finalizar o Vulto Negro de uma vez — reclamou, como de costume. Ele era muito metódico e odiava quando algo acontecia fora de seus planos.

    O Undead lupino se retraiu um pouco, intimidado, mas sabia que a única opção que restava era obedecer da melhor maneira possível. Além disso, apesar de sua aparência aterrorizante, Kaern não passava de um cão assustado… apenas um pouco maior do que o normal.

    E assim se seguiu uma batalha estrondosa pelo Deserto de Sonata, onde, para cada Undead Bestial caído, outro era atraído pelo barulho, fazendo com que o ciclo se repetisse.

    Enquanto isso, Jasper dormia profundamente e, de forma estranha, nenhuma criatura conseguiu se aproximar dele durante aquele sono turbulento.

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