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    Quando o segundo tiro foi disparado, o alvo não poderia ser outro que o próprio Nil. Ramona não iria mais tomar riscos: ela iria matá-lo ali mesmo. Ele não teria condições de desviar, e a gravidade não seria rápida o suficiente para fazê-lo desviar da bala. 

    Quincas foi mais rápido. 

    Puxou Nil para o lado pela camisa, com velocidade o suficiente para fazer ele desviar do tiro, por pouco. Ainda assim, estavam no meio de uma situação completamente desvantajosa: longe de qualquer cobertura, com um franco-atirador com eles na mira. 

    Quincas era o único que poderia fazer algo. Puxou a pistola da cintura e atirou em direção ao brilho da luneta que poderia ver. Daquela distância, seria impossível acertar de fato, sabia disso, por isso não contava com tal milagre. O milagre na qual contava era que o franco-atirador cairia num blefe de acreditar que aquele tiro teria algum efeito, algum feitiço. 

    E para Ramona, que sabia do feitiço de Quincas, aquele blefe não poderia ser mais perfeito. A bala que Quincas disparou acertou o galho de um arbusto ao lado dela. Para Ramona, aquilo parecia o suficiente para o teleporte de Quincas acionar. 

    Deu um pulo para trás e mirou a slinger para o arbusto, esperando que o gunslinger surgisse. Nada. Ela perdeu dois segundos com aquilo, e quando olhou para o grupo, teve uma surpresa: Quincas estava correndo o mais rápido que podia em direção dali. 

    Não dava tempo de mirar e acertar ele. Ramona mirou no chão, atirou e acionou o feitiço. Quincas subitamente parou. Embora não tenha visto o que realmente aconteceu por conta da grama alta, ele não viu nenhum tiro vindo em direção ou passando próximo. Para ele, aquilo só significava uma coisa: feitiço. Seu inimigo era um gunslinger.

    Nenhuma ideia de como prosseguir surgia em sua mente, mas não tinha o luxo de ficar ali parado, só estava dando mais tempo para o inimigo. Decidiu ir para o caminho mais seguro: circular o oponente. Começou a correr para o lado com velocidade irregular, acreditando que isso poderia impedir de levar um tiro. Pulou no mato alto e sumiu de vista de Ramona. 

    “Merda”, ela pensou. Perdeu ele de vista e não poderia se dar ao luxo de tentar atirar no outro grupo. Deu alguns passos para trás, tentando se afastar o máximo que poderia. Se Quincas se se aproxima demais, com as feridas que ela tinha, seria impossível vencer. 

    O grupo, é claro, não ficou parado. Após Quincas começar a correr, Arya tentou levar Nil para a cabana mais próxima. Émile, mesmo com apenas um braço, foi forte o suficiente para conseguir ajudar Arya ao carregar. Chegando a cabana, fizeram os primeiros socorros as pressas. 

    Por sorte, a bala não tinha o atravessado. Se não fosse uma bala de slinger, estaria ali alojada em algum lugar de seu estômago. Tinha perdido uma abundância de sangue, mas estava estável e com pulsação. Mas não poderia manter-se assim por muito tempo. 

    Arya fez, mais uma vez, um curativo improvisado. O suficiente para parar o sangramento, mas sem real garantia que seria o bastante. 

    — O que a gente faz?! — Émile perguntou, desesperada — A gente…

    — Calma! Ele tá… bom, não diria que está bem, mas deve sobreviver. Eu acho. 

    — Não temos que tirar a bala da barriga dele?! 

    — Eu tenho quase certeza que foi uma bala de slinger. Então já deve ter desintegrado… 

    — E s-se n-não for?! 

    — Vamos torcer que seja!

    Não tinha como confirmar a teoria ou não, Arya poderia apenas ter fé no azar de Nil, ou melhor, na sua sorte de ter sido acertado por uma slinger e não por uma arma comum. Quando terminou o curativo, olhou para a janela da casa de relance em direção ao mato. 

    Havia um silêncio assustador. Nenhum som de disparo foi ouvido desde que tinha chegado na cabana, muito menos poderia ser visto algum brilho de luneta, como se aqueles dois tivessem sumido completamente. 

    — Émile, faz muito mal eu ir lá conferir?

    — Hã?! Tá maluca? O Quincas consegue se virar! É melhor a gente esperar. — Émile segurou o braço de Arya e negou com a cabeça. Arya olhou para o braço e em seguida para a janela, encarando o silêncio que havia. Após pensar um pouco, confirmou com a cabeça. 

    — Vamos esperar ele. 

    . . .

    Desde que Quincas entrou no matagal, nenhum tiro foi disparado. Tinham se perdido de vista, mas ele tinha certeza que o franco-atirador não tinha fugido ainda, ele estava próximo, podia sentir um cheiro de sangue queimado. 

    Andava agachado pela grama alta, atentando-se a não fazer nenhum barulho quando, ao mesmo tempo, estava atento a qualquer barulho ou movimento.

    Crack

     Subitamente, parou. Seus músculos congelaram e sua respiração trancou. Tinha certeza: aquilo foi um graveto quebrando a sua direita. Engoliu a seco e apontou a pistola para a direção do barulho, era muito provável que não fosse acertar, mas talvez o susto do som seria o suficiente para o atirador dar mais sinais de sua localização. 

    Após um segundo de vento parado…

    Quincas disparou. 

    Ramona não teve dificuldade em sentir a arma sendo apontada para ela, quando a bala saiu do cano da pistola, ela já tinha desviado. Pulou para trás com o rifle apontando em direção ao disparo e atirou, nada. Quincas contornou antes que pudesse ser acertado e surgiu no matagal. 

    Com visão clara um do outro, apontaram suas armas e perceberam: daquela distância, se ambos disparassem, morreriam. Como um combinado quase telepático, se abateram de atirar e asfaltaram-se e, cobertos pelo mato alto, começaram a atirar a cegas. 

    Quincas era o mais conservativo, disparava apenas quando tinha certeza que tinha alguma chance decente de acertar, já Ramona, no desespero de ser vencida por conta das feridas, atirava com seu feitiço imbuído em cada bala que atirava. O alvo não era Quincas de fato, e sim o chão. Criando várias áreas com seu feitiço, buscava acertar a chance de Quincas ser morto por isso. 

    Ele tinha quase um instinto que lhe dizia para evitar a área que era acertada. Não sabia quase nada do seu inimigo, mas tinha observado algo: a grama alta, empurrada pelo vento, parecia quase diluir próximo da área que a bala tinha acertado. Aquilo não era bom sinal. 

    “Se eu ao menos tivesse algum recarregamento sobrando…”, pensou Quincas “não poder usar a minha slinger dá muita desvantagem!”

    Vencer aquilo não parecia uma boa opção, e parecia ser a única que tinha. Se fugisse de volta ao grupo, nada mudaria e ela poderia atirar neles a distância. “E quanto mais eu demorar, mais perigo o Nil corre de morrer…”. 

    Precisava se aproximar e garantir que não arriscaria levar um tiro, como na última vez. Sua inimiga não parecia estar nas melhores condições; seu olhar demonstrava dor e desconforto, embora não tivesse ferida aparente. E essa vantagem também era seu maior problema: um animal ferido sempre é o mais perigoso. 

    Após tanto pensar, nesses últimos dois segundos que teve, fez sua decisão: ficou parado. Quincas não lembrava o termo correto, mas sabia que aquela era uma posição como tal: onde o melhor movimento era não fazer nada. Manter a mesma mão do baralho. 

    Focou-se apenas nos arredores, garantir que não seria percebido. Fritado pelo sol da tarde, sabia que aquilo iria demorar. 

    . . .

    — Então o seu truque de gênio foi me usar como parte do acordo? — perguntou Axel, sentado nos degraus de entrada da Carreta, com rosto incrédulo. — E se eu nunca acordasse?

    — Bom, ai eu teria me arrependido de te contratar, porque se você morreu com uma pancada na cabeça, não deveria estar no meu grupo, né não? 

    — Ah, valeu pela fé. 

    — Não é fé, Axel. Você é um gunslinger, então é mais resistente que um humano normal, iara iara. Sabia que não ia morrer. 

    — É quase emocionante você não estar me subestimando. Mais um pouco e eu choro. — Após fazer gesto de choro com as mãos, apoiou o queixo no punho. Baret estranhou o comentário e respondeu no mesmo momento:

    — Eu não te subestimo, eu só abaixo a sua bola. 

    — E tem diferença?

    — Claro que tem. Sabe, você me lembra um ex-aluno meu. Era um moleque muito, muito bom em matemática, fazia uns cálculos de cabeça que eu ia levar um minuto pra fazer na calculadora. Mas sabe qual era o problema dele?

    — Deixa eu adivinhar… ele era… fã de canal de investimentos?

    — Quase. Ele era fã de canal de música, ele queria ser músico, tocar violão ou sei lá o quê. Falava todos uns papos de que música e matemática era a mesma coisa, que não precisava de escola, pois ia ser famoso. 

    — E onde que tá o erro?

    — O erro é que ele era muito merda em português. Errava todas as vírgulas, não sabia o que era uma oração subordinada. Mesmo assim ele achou que o dom de matemática dele iria carregar ele nas costas, só que não carregou. Resultado: ele repetiu de ano, e a mãe dele, em vez de gastar seu dinheiro suado em um professor de música ou qualquer instrumento, contratou uma professora particular, eu. 

    — Ok, corta a enrolação e me diz o final dessa linda história de superação. 

    Baret riu. 

    — Não tem final, eu fui demitida na metade da história por causa do cancelamento. Só tô contando essa história pra avisar que, mesmo você sendo um mecânico muito foda, vai ter alguma coisa, e alguma coisa importante, em que você é ruim. E quando eu descobrir o que é essa coisa… Eu vou rir muito, mas muito da sua cara.

    — Boa fucking sorte com isso, porque vai precisar. Agora, em vez de a gente trocar insultos, a gente não fala sobre…

    — Eu não vou mandar o Nil embora. 

    — Ah, qual é! — Axel se levantou violentamente e jogou as mãos no ar. — O que esse puto tem de tão importante assim?

    — Uma slinger, é sério, é só isso. 

    — Então foda-se se ele é a porra dum lorde do crime e não sei o quê?

    — É. Meu objetivo aqui é achar o tesouro do Tálio, então eu vou precisar de cada maldita ajuda que eu tiver, e gostando você ou não, ele lutou no meio daquele caos e, talvez, foi o motivo de você ainda estar no mundo dos vivos. Então me faz o favor: para de reclamar. 

    Axel suspirou e deu as costas para Baret por um segundo. Botou os pensamentos em dia e olhou para ela por trás:

    — Pode pelo menos descontar da parte dele do tesouro cada centavo que ele cobrou da gente como dívida?

    — Agora, sim, você deu uma boa ideia. Pode apostar que sim, e com juros ainda. 

    Os dois deram uma risada e ficaram ali, sem fazer nada em particular. Após minutos de silêncio, Axel se pôs a comentar:

    — Eles tão demorando pra caralho. 

    — Acontece, pode ter dado merda, mas… Se a gente sair, eles podem chegar aqui, ver um vazio desgraçado e pensar “ah, vamos ter que sair e procurar eles” ai eles saem e tudo se repete…

    — E se… sei lá, a gente deixar um bilhete escrito? Acho que tem papel e caneta na Carreta em algum lugar. 

    — Sério? Um bilhete? A gente pode deixar no lugar mais óbvio do mundo e eu duvido que eles vão achar. E mesmo que achem… Vai mudar algo? Eles esperam como tamo esperando, aí talvez pensem “estão demorando demais, vamos procurar eles” e aí o ciclo se repete.

    Axel bufou, coçou o queixo. Seu incomodo era claro, a perna batendo contra o chão com velocidade indicava a ansiedade que estava sentindo. Até que, subitamente, parou. 

    — A gente pode dar só uma olhada. 

    — Quê?

    — Eu faço um portal pra vila, a gente olha rapidinho. Se não estiverem, a gente volta pra cá no vapiti-vupt. Se estiverem, mesma coisa.

    — Por que diabos eles estariam na vila?

    — Sei lá, porra, na outra eles não estavam, né? E se estivessem indo pra lá, acho que nos encontraríamos no caminho. Qual é, não custa nada, vai ser rápido. 

    Baret deu um suspiro e concordou com a cabeça. Não tinha como recusar tal lógica. Axel deu um sorriso e apontou sua slinger para o morro de terra, deu dois tiros e, num piscar de olhos, cortou o espaço-tempo com a lâmina da slinger, criando um caminho direto pra vila. 

    Os dois passaram pelo portal e olharam ao redor, havia um grande silêncio. Para Baret aquilo parecia mais que o suficiente, estava prestes a voltar pelo portal quando ouviu um disparo vindo do mato. 

    — Eita porra! — gritou, no susto. E isso foi o suficiente para ouvir outro grito. 

    — BARET?! — o grito veio de uma das casas. Pela janela, uma cabeça cheia de cabelo branco brotou, era Émile. Os olhos estavam esbugalhados, cheios de lágrima. — AXEL TAMBÉM?! VENHAM PRA CÁ, RÁPIDO! O NIL TA MORRENDO!

    Essas duas semanas que não postei cap foram foda. Admito, parte foi procastinação, mas teve outros motivos.

    Não lembro se contei, quase certeza que não, mas agosto fiquei de atestado. Até ai, ok, era para voltar a trabalhar esse mês, mas acabei sendo demitido do meu estágio. Esse foi um dos motivos de eu ter demorado pra escrever, mas esse relato continua na próxima parte!

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