Índice de Capítulo

    Pelos longos, abertos e quase lotados corredores do shopping, Nil e Arya andavam tentando escapar dos olhos de seja lá quem os seguia. Não tinham noção da quantidade, muito menos quem eram ou suas intenções. Tudo que faziam era tentar escapar, ou ao menos, tentar se manter numa posição vantajosa. 

    — Você tem experiência com isso? — perguntou Arya, enquanto andavam com passo apressado. 

    — Aconteceu vez ou outra quando eu era peixe pequeno. Mas depois que eliminei a concorrência, não aconteceu mais muito, não — respondeu Nil, completamente sincero em relação ao seu passado. 

    Chegando a praça de alimentação, teve o que parecia uma ideia arriscada. Mas era, sinceramente, a melhor escolha. Pegou Arya pelo braço e nem contou o plano: entrou logo para a cozinha da primeira lanchonete de fast food que viu, sem se importar com os olhares ou protestos dos funcionários. Como imaginou, ao fundo da cozinha e na pequena área administrativa, havia uma porta que dava direto para fora do shopping. Tomou esse caminho. 

    — Bora! Se formos rápidos, podemos despistar eles!

    — Beleza!

    Correram. Foram até outra porta que dava no shopping e entraram por ali. Um longo corredor pela frente, cada um com suas portas brancas. Selecionaram uma de aleatório, era uma que dava logo no meio de uma sessão de cinema, de um filme meloso. 

    — Perfeito. — Nil disse, puxou Arya para dentro e, ignorando os olhares dos civis, subiu as escadas até o topo. A sessão estava pouco cheia, sentado-se na fileira mais para cima, podiam ter uma visão completa do local, de cada um que entrasse ali. — Senta e aproveita o filme, a gente vai ficar aqui até o fim da próxima sessão. 

    — Não precisa de tudo isso, né?

    — Ficaria surpresa do quão insistente esses pendejos podem ser. 

    — Conhece eles?

    — Não faço a mínima ideia de quem sejam. Mas para me seguir, tem quer ser idiota mesmo. E idiotas são o tipo mais perigoso.

    — O, cala a boca aí! Tamo tentando ver o filme!

    Os dois calaram-se. E por aquele momento, se contentaram em ver o filme. 

    Algumas horas depois, saíram do cinema. Andaram um pouco e confirmaram: não tinha mais ninguém seguindo eles. 

    — Um bando de amadores… — Nil reclamou — Nem deu graça. 

    — Pensei que você falou que idiotas são o tipo mais perigoso. 

    — Justamente. Achei que iam invadir o filme e ia rolar uma porradaria sinistra! Tsc, tanto faz. Não sei quem são esses caras, mas eu vou achar quem mandou eles e fazer entender do porquê ninguém me seguir.

    Arya achou o comentário quase engraçado, se não estivesse preocupada com o que tinha acontecido. Mas um arrepio passou sobre seu corpo, que a fez olhar para trás. Nada. Mas sua intuição dizia que tinha algo a mais, e sua experiência lhe ensinou que sua intuição estava certa. 

    . . . 

    O clima no bar não estava um dos mais acolhedores. Ao lado de Kawadark e seus mandados, eles bloqueavam a saída e seguravam armas corpo-a-corpo, prontos para correrem e espancarem qualquer um que pudesse atacar sua ídolo. A dubla da Carreta, por outro lado, podiam estar em menor número, porém estavam com uma armas de fogo e com álcool suficiente no sangue para tomar as piores decisões. 

    O pequeno público em meio a essa tensão gravava tudo aquilo com muito âmbito. Sabiam estar presenciando o que seria o assunto do momento. 

    — Acho que não é das melhores idées se envolver em briga de bar quando está cancelada, Baret — O tom de Kawadark era completamente irônico. Sabia que, enquanto houvesse câmeras filmando, estava segura.

    — Vai ser mais um tiroteio do que briga — falou Baret — mas se pedir desculpa, posso até pensar em apenas te deixar perneta. 

    — Hum, é mesmo? Vou deixar uma noté

    Baret estava já com a mão no coldre. Não ligava mais para o que iria acontecer depois disso. Em sua cabeça, a única coisa que precisava fazer era destruir a puta em sua frente. Era verdade, a bebida estava afetando um pouco o seu juízo, mas aquilo era uma questão de honra. Quincas, por outro lado, estava um pouco mais sóbrio que isso. 

    — Baret, acho melhor a gente se contentar só com o soco mesmo. Sem tiro. 

    — Tá brincando, porra?! 

    — Vai me dizer que você não destrói esses caras no soco? — Quincas provocou exatamente onde dói. Alugou um verdadeiro triplex na mente bêbeda de Baret. 

    — … Tem razão. — A mão de Baret afastou-se do coldre. Quincas sorriu com o sucesso. Após estalar os dedos e o pescoço, Baret estava pronta para correr, mas ouviu algo que lhe fez parar. 

    O som de uma escopeta carregada. 

    A dupla olhou para o lado, e lá estava o barman, a um metro deles, atrás do balcão com uma escopeta apontada para os dois. 

    — Sem essa merda no meu bar! Saiam daqui, seus merdas! Já atrapalharam meu negócio demais. 

    Mas ele jamais poderia desafiar um gunslinger. Quincas puxou sua slinger numa velocidade tão desumana que o barman não teve tempo de piscar. Quando ouviu o tiro de uma pistola, Quincas estava bem na sua frente, e sua escopeta tinha sumido. 

    Baret reagiu quase tão rápido. Quando a escopeta apareceu no pleno ar, no lugar onde seu amigo deveria estar, ela pegou a arma como se fosse um bastão e correu em direção ao exército de gados. Kawadark deu um suspiro e saiu andando para fora. 

    Golpes com tacos de beisebol e até mesmo espadas tentavam atingir Baret, sem sucesso. Ela desviava dos golpes e bloqueava com a escopeta. Quando deu uma cotovelado no maldito que trouxe uma espada medieval, teve espaço o suficiente para dar uma coronhada com toda a força na cabeça dele. 

    Ele foi o primeiro a cair. 

    Mais dois tentaram atacar ela quando estava com a guarda aberta, mas era isso que ela queria que achassem. Baret deslizou o dedo para perto do gatilho e o apertou, atirando contra a parede. O recuo foi forte o suficiente para acertar um na barriga, e o outro, assustado pelo som do disparo, levou um gancho esquerdo direto no queixo. 

    Quincas não ficou fora da festa. Depois que garantiu que o Barman não iria interferir, foi correndo até o centro da briga e entrou com todo o estilo que podia: uma voadora com as duas pernas direto num magricelo que usava óculos. Ele saiu voando e acertou outro, que nem teve chance, caiu de costas já desacordado. 

    Baret e Quincas ficaram cercados, mas estavam na mais absoluta vantagem. Viraram entre si e trocaram seus alvos. Quincas pegou outro magricelo e usou de escudo humano contra os socos do que parecia ser o único com algum tipo de músculo. 

    A líder, por outro lado, continuava usando a escopeta como se fosse um bastão. Batia com tanta força que a coronha quicava de volta. Dava traumatismos cranianos e costelas quebradas sem pedir nada em troca. 

    Quando os números se igualaram, dois contra dois, o agora pequeno grupo de gados já sabia que não tinha chance. Estavam tremendo, mas não recuavam, a ideia de decepcionar sua milady era demais.

    A esse ponto, Quincas deixou Baret cuidar disso sozinha. Ela largou a escopeta no chão, e começou a andar lentamente até eles. Um deles correu até ela e só conseguiu levar um chute no saco. Faltava apenas um.

    Quando viu aquela maluca indo até ele, o desespero tomou conta e ele começou a correr. Baret não iria deixar ele escapar. Colocou a mão no coldre e, antes que Quincas tentasse impedir, achando que ela iria atirar ele, tirou todos os tiros da câmara e jogou a arma com toda a força, o atingindo atrás da cabeça. 

    Baret foi até o magricelo e pegou o revólver de volta, foi aí que olhou para o lado. Uma tonelada de celulares estava ali, gravando ela. Já era tarde pra se arrepender, já era tarde a tempo demais. 

    Deu uma risada alta e andou até próximo das câmaras. 

    Pegou a câmera de um civil aleatório e aproximou ela do rosto. Sem escrúpulos, anunciou:

    — Me chamem do que vocês quiserem e façam o que puderem, mas saibam uma coisa: vocês não podem me impedir. A Carreta Fogueteira vai dar o seu jeito, a Carreta VAI achar o tesouro e, quando eu achar essa porra de slinger… Me esperem, pois ainda vão ouvir falar de mim. 

    Jogando o celular de volta para a pessoa, as câmeras estavam gravando o seu rosto com pingos de sangue dos outros. Ela apenas sorriu. Foi em direção à saída. Quincas fez uma reverência para as câmeras e, em seguida, saiu com a chefe. 

    Chegando ao lado dela, perguntou entusiasmado:

    — Suas ordens?

    — Liga pra geral. É hora de botar pra fuder. 

    . . . 

    Pelos dez minutos desde que saiu do cabeleireiro, o céu se manteve nublado. A chuva tinha parado momentaneamente, dando sinal que iria voltar a qualquer instante. Quando as primeiras gotas começaram a cair mais uma vez, Axel decidiu que não iria gastar uma bala de sua slinger para fazer um portal e sair. 

    Apressou o passo na rua e, na primeira oportunidade, entrou numa loja de conveniência. Estava bem vazia, somente um caixa que olhava uma pequena TV no balcão, que deu um suspiro cansado ao ver mais um cliente entrar. 

    Pegou das prateleiras e um pacote de bolacha recheada e foi até o caixa. Jogou uma nota de cinco a frente dele e esperou. Esperou por alguns segundos para não ver ação alguma. 

    — Cadê meu troco? — Axel perguntou, começando a bater o pé contra o chão.

    — Não tem troco. 

    — Como não tem troco? Essa bolacha custa 4,95 créditos, tem cinco centavos de troco!

    — Sério, cara? Por cinco centavos? — retrucou o Caixa, indignado. 

    — Nessa economia, não dá para ter o luxo de não contar as moedas. Agora, a gente vai ter um problema aqui? 

    Revirando os olhos, o Caixa abriu a registradora e procurou ao fundo. E, por um pequeno milagre, achou a bendita moeda de cinco centavos. Jogou ela na mesa e, sem mais perder tempo, voltou seus olhos para a TV, tentando ignorar a existência do cliente. 

    Axel não se importou, pegou o pacote de bolacha e sentou-se nas cadeiras que tinham em frente a vidraça. Abriu cuidadosamente o pacote e fez o seu ritual padrão: abria as bolachas e tirava-lhes o pouco recheio de chocolate que tinham. Fazia isso até separar todo o recheio de todas as bolhas e então, juntava todo recheio numa única e grande bola. Finalizado a preparação, comia uma bolacha e em seguida, uma mordida na bola de recheio de chocolate. 

    O lanche prosseguiu normalmente até chegar a metade, quando Axel ouviu a porta da loja abrir, e quando foi olhar, uma mulher inundada entrou. O vestido estava molhado, e a maquiagem borrada. Ela olhou ao redor por um momento, e quando seus olhos passaram por Axel, deu um pequeno sorriso. 

    Ele sabia o problema que estava por vir. 

    Sem se importar de estar pingando e deixando o chão molhado, a mulher foi e sentou-se e frente a Axel. Ele se pôs a falar:

    — A resposta é não, Kawadark. 

    O sorriso virou uma leve risada. Apoiando a cabeça a mão, ela olhou diretamente aos óculos escuros e comentou:

    — Vejo que as notícias correm rápido no grupo da Carreta Fogueteira. 

    — Deixa eu te apresentar um dispositivo… — Tirando o celular do bolso, ele ligou a tela e mostrou a Kawadark. — Se chama “celular”. Ele funciona como um computador pessoal que transmite mensagens de texto e voz em tempo real. Muito foda, né? 

    A mulher deu dê ombros, e com bom humor, disse:

    — Acho que sei o que é um celular. 

    — Então não temos mais motivos para conversar. Pode vazar da minha frente. — Ignorando a existência de Kawadark, Axel voltou a comer sua bolacha recheada de forma exótica. Ela não se deu por vencido. 

    — Não quer nem ao menos ouvir o que tenho a falar? Tenho certeza que seja do seu interesse. 

    — Desculpa, mas o meu QI não é tão baixo quanto o seu. Já me avisaram que você é a responsável por a gente não conseguir trabalho. Então, sinceramente? Não preciso saber mais nada sobre você. 

    — Imagino que tenha sido Baret que falou isso. 

    — Ela mesma. 

    — E você parece confiar nela bastante, para nem sequer duvidar que ela deixou alguns detalhes de fora. 

    — Não tô interessado. Agora vaza…

    — Mesmo que isso fosse para por um gunslinger ter a justiça que merece? — Kawadark interrompeu. O interesse de Axel subiu no mesmo momento, ainda que não fosse admitir; por trás dos seus óculos escuros, estavam olhos dotados de curiosidade. 

    O sorriso de Kawadark subiu no mesmo momento. Do bolso do vestido tirou um celular e, após balançar ele de forma que se disse “Viu? Eu sei o que é um”, abriu ele e colocou uma foto a mesa: a foto de Axel sendo preso.

    — Muitas pessoas gravaram vídeos e tiraram fotos desse momento, e muitas outras estavam e testemunharam o ocorrido… mesmo assim… Não se encontra nenhum relato na internet sobre isso, um único post, nem mesmo nos fóruns mais escondidos… Ele acobertou bem tudo isso.

    Axel não respondeu logo de cara. Olhou para aquela foto por alguns segundos e, de rosto emburrado, questionou:

    — O que quer?

    — Apenas quero justiça, fazer as pessoas que acham que podem estragar a vida dos outros e se safar entenderem que não são intocáveis. Um agiota é certamente um desse tipo de pessoas. 

    — Tsc, desejo bastante comovente, hein? Como se eu fosse acreditar. 

    — O que foi? Acha que é o único no mundo com alguma moral? Que quer fazer algo de bom? Bom, sinto em te dizer, mas não é o caso. 

    — Ainda não me disse o que quer. — Ignorando a provocação, Axel tentava se manter centrado. 

    — Quero apenas que me deixe gravar um vídeo de você contando o que aconteceu quando foi preso. Como ele puxou a arma primeiro e pediu para um policial corrupto te prender. Se fizer isso, eu te pago o valor que você precisa pra consertar a Carreta da melhor forma. 

    Axel terminou de comer a bolacha e, quando viu que a chuva tinha dado trégua, levantou sem falar uma única palavra. Kawadark tentou argumentar, dizer algo, mas ele não ouviu. Ele foi pelos becos escuros tentando despistar, mas ela andava logo atrás. Estava prestes a usar sua slinger para criar um portal e sair dali, mas ela chamou sua atenção com apenas duas palavras:

    — Rodrigo Lira. 

    Axel parou e se virou. Olhou para ela com a sobrancelha levantada e, pondo as mãos no bolso, fez a linguagem corporal necessária para mandar ela continuar. 

    — Rodrigo Lira era guarda-noturno de uma empresa de fabricação de lápis. Ele trabalhava das vinte e cinco da noite até às oito da manhã do dia seguinte, todos os dias da semana. 

    — E?

    — Mas o salário nunca era o suficiente para pagar as contas da filha. Ela tinha muita dificuldade na escola, e se não tivesse reforço particular, acabaria reprovando de ano. Determinado a pagar as dívidas que contraiu e dar uma educação a filha… Ele pediu um empréstimo de cinco mil créditos para Simone, prometendo que pagaria no fim do mês. 

    — Já sei como isso acaba, ele não conseguiu e foi morto pela Simone. É isso? Sinceramente, vai ter…

    — Não foi isso que ocorreu. É claro, ele não conseguiu pagar as dívidas, e seu aviso final foi uma surra na frente da filha, sobre a ameaça que, se ele não pagasse, a filha jamais iria conseguir ter uma boa educação. 

    Um breve silêncio aconteceu, o rosto de Axel se fechou por um momento, imaginando a cena. Kawadark continuou a história, enquanto se aproximava lentamente até o gunslinger. 

    — Desesperado, ele decidiu roubar a fábrica que trabalhava para conseguir o dinheiro que precisava. É claro, deu errado. No tiroteio, três pessoas morreram. Rodrigo foi preso, e a filha precisou largar a escola. Fim. 

    Axel deu um suspiro, e disse desanimado:

    — Essa é apenas uma história de Romaniva. Mais uma tragédia entre muitas. 

    — Mas uma que podia ser evitada — retrucou. Ficando frente a frente de Axel, puxou um cartão de visitas, nele, havia seu número e e-mail. — Você disse ser um faxineiro, que iria limpar o lixo de gunslingers que existem no mundo. Estou te dando uma oportunidade para isso, e uma na qual não suja suas mãos. — Sem esperar confirmação de Axel, Kawadark colocou o cartão no bolso dele. 

    — Não vou precisar. 

    — Quem sabe? Não faz mal ter, não é? Estou apenas te oferecendo uma forma de fazer algo bom, faça da sua própria maneira se quiser, mas lembre-se: você precisa de dinheiro.  

    Após dar mais um sorriso, se virou e começou a andar. Axel ficou ali, parado. Antes que ela fosse longe demais, ele precisou perguntar:

    — Você é maluca em achar que eu vou te ajudar. 

    — Talvez… Mas se acha que não estou sendo sincera, saiba uma coisa: eu não forcei sotaque francês com você, Axel. Au revoir.

    Após um longo suspiro, deu alguns passos para frente. Parou e tirou o cartão do seu bolso. Olhou para frente e para trás. Nos dias mais normais iria jogar aquilo fora sem nem pensar, mas agora…— Sujar as mãos, é? — disse ao vento. Amassou o cartão e colocou dentro do bolso mais uma vez. Começou a andar mais uma vez. Tinha sido chamado para uma guerra, mas Axel nunca iria esquecer do ensinamento dele: não é com armas que se vence a guerra.

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