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    Os sons de explosão e os tremores no chão não fizeram nenhum dos dois ao menos pararem, o foco de ambos era simplesmente sair dali. Para cada andar que alcançavam, as portas estavam bloqueadas por alguma coisa pesada; talvez um armário ou refrigerador. A única porta que abriu foi a do último andar do prédio do governo. 

    Foram até as janelas, e bastou um olhar para Chyou concluir: 

    — Blindadas, a prova de bala. Não foram feitas para serem abertas. — E começou a andar. Mas Atlantis questionou:

    — Como assim?

    — Estamos num prédio do governo. Pelo que sei, desde a morte de um dos candidatos na última eleição de Romaniva, eles reforçaram as janelas para ser impossível de abrir. 

    — Então temos que sair por uma das portas…? — Atlantis aproximou-se da janela, a rua estava completamente vazia e calma. Mais um indício que ninguém de fora estava ciente de toda aquela situação. Desesperador, ao mínimo, mas sua mente o forçava a manter a calma. — O que recomenda?

    — Não perdemos tempo. Vamos logo. 

    Quando estavam prestes a começar a andar novamente, ouviram um som de tiro e um gemido de dor. Até então isso seria normal, mas o som não veio dos andares de baixo; e sim daquele andar a algumas salas à frente. Chyou puxou suas duas armas naquele exato momento, mas Atlantis pareceu ter outra ideia. 

    — O tom do gemido… Acho que reconheço a voz. Talvez seja o chefe dos meus homens — informou — Vamos, rápido! Talvez ele saiba algo. 

    — Muito bem. — Ela apenas confirmou com a cabeça. 

    Correram pelos corredores, tomando todo o cuidado do mundo para não serem pegos numa armadilha. Mas o caminho estava completamente livre de qualquer perigo. Ao final do corredor, próximo a uma sala de segurança e a outro lance de escadas, estava o homem que Atlantis teorizou: Lazlo. 

    Estava caído, sentado ao chão contra a parede e com a mão no abdômen, aplicando pressão para que o sangue não saísse. Havia um sorriso quase irônico no seu rosto. Sua slinger estava na bandoleira.

    — Quando ouvi os passos, de alguma forma, sabia que seria você, senhor Atlantis. Embora eu não conheça a moça. 

    — Lazlo! O que ocorreu? — Atlantis perguntou, ao mesmo tempo, Chyou se aproximou de Lazlo, arrancou uma parte de sua roupa e começou a estancar o sangramento. 

    — Opa, calma aí moça! Minha roupa não…

    — Cale-se. Você tem sorte de ter sido acertado numa região não letal, ainda mais com um calibre baixo. 

    — Pra compensar essa maré de azar, né…

    — O que aconteceu? — Atlantis perguntou mais uma vez. 

    Lazlo deu uma risada fraca. Olhou para as escadas por um segundo e deu de ombros. Respirou um pouco e começou a relembrar dos fatos. 

    — Logo após você ter entrado naquela sala lá, recebi uma ligação de um dos meus homens pedindo para eu ir até o estacionamento. Disse que parecia haver uma espécie de abertura numa das janelas do prédio, então fui conferir… Quando subi o andar, ouvi os disparos, me preparei para descer… Até encontrar uma mulher. Uma loira, eu acho. Era uma gunslinger, me deixou bem ocupado. Ela tentou fugir quando nos viu. Então mandei o meu homem conferir o que estava acontecendo e fui atrás da mulher. Acho que dá pra ver o que aconteceu. 

    — Para onde ela foi? — Chyou questionou. 

    — Ela desceu as escadas. Com bastante pressa, eu diria. Não teve tempo de me finalizar… Tsc, estou bem. — Mesmo com um pouco de dificuldade, levantou-se. — Perdão ai, Senhor Atlantis. Mas isso saiu de controle bem rápido. 

    — Tomarei as medidas necessárias. O nosso foco agora é sair daqui o mais rápido possível. 

    — Por sinal, cadê tua guarda-costas? 

    — Com o meu chefe. — Chyou respondeu na hora. 

    — Que seria?

    — Senhor Loid III. 

    — Maravilha — ironizou — fazendo o que, exatamente?

    — Lutando contra Raimunda — dessa vez foi Atlantis que disse. Lazlo não acreditou por um segundo, pensou no que falar. 

    Mas após um segundo de silêncio, se virou até a escada e disse: — Vamos logo. O negócio da janela não era mentira, tem uma aberta no segundo andar. 

    — As portas desse lado estão abertas?

    — Por algum motivo, sim. Me foi informado que tudo do prédio estaria trancado. Portas, janelas, elevadores… Tudo que nos estaria disponível seria a garagem e aquela sala subterrânea. Nada mais. 

    — Estamos falando da Wild Hunt. Eles sempre dão um jeito — Atlantis afirmou firme. Com os três descendo as escadas, numa velocidade particularmente lenta por conta de Lazlo, Atlantis decidiu puxar assunto: — O que faremos assim que sair?

    — Chamarei o resto da brigada — Chyou informou — deveríamos ter um esquadrão no prédio mais próximo pronto para entrar caso não recebessem notícia, mas considerando que não sabemos o que aconteceu no lado de Benzaiten, fica difícil prever o que aconteceu. 

    — Teriam sido mortos?

    — Então o esquadrão que fica no segundo prédio mais próximo perceberia a falta de comunicação e perceberia o problema. Assim por diante — disse com uma total naturalidade do mundo — isso quer dizer que, provavelmente, eles conseguiram interceptar as comunicações e fingir que está tudo ok, mesmo com os códigos… 

    — Eles possuem um monte de gunslingers. Algum com uma capacidade desse nível não seria muito fora do esperado. Lazlo, ainda possui seu comunicador?

    — Aham, assim que a gente sair dessa porra de bloqueador de sinal, vou chamar todos os homens que restaram. 

    — Muito bem. Vamos lá. 

    . . . 

    Um tiro no pulmão e um tiro no braço. Todos os tiros que deveriam causar explosões letais foram evitados completamente pelo feitiço de Loid. Raimunda estava puta, muito puta. Não ajudava que Agni tinha terminado de destruir todas as câmeras e agora estava dando suporte para Loid. 

    Mesmo assim, estava segurando bem e mais ainda… Estava rindo. 

    — Huhu… Feitiçozinho filho da puta, hein… — Evitou outro tiro de Agni. Sua risada estava incessante. Pois ela sabia, sabia perfeitamente que aquilo tinha acabado. Ela tinha vencido.

    A fumaça dos carros explodidos já estava dominando parte do estacionamento. Era uma pura questão de tempo até eles morrerem sufocados ali, enquanto ela, bem protegida pela máscara, estaria tranquila e serena. Mas não aceitaria qualquer resultado se não fosse a cabeça de ambos em pedaços no chão, consumidos pelas chamas de suas explosões. 

    Mais uma trocação de golpes começou entre os dois. Ela sabia agora que não importava mais. Aquele era com toda a certeza o último tiro de Loid. Pois na próxima vez que voltasse no tempo, seu sétimo recarregamento teria sido feito, e esse é praticamente o limite humano, quase uma regra: nenhum gunslinger recarrega sua slinger por completo mais do que sete vezes ao dia.

     Então foi feito: quando Raimunda acertou um direto na mandíbula de Loid, ele apertou o gatilho e voltou aquela posição de sempre, apontando a arma na própria cabeça; ela sabia que tinha vencido. 

    Ela sabia. 

    Mas quando ele apertou o gatilho mais uma vez, preparando o feitiço e recarregou a própria arma, Raimunda ficou em choque. 

    “Oito recarregamentos?!”. Travou de forma tão abrupta que Raimunda quase foi acertada por um disparo de Agni. Desviou por tão pouco que jurava ter sentido o calor da bala em sua pele. “Não, oito recarregamentos só um conseguiu, é o recorde mundial, caralho! Tem coisa aí… Talvez seja algum feitiço que tem algum efeito de recuperação de balas… Nesse caso… Fode um pouco o esquema”

    Feitiços que recuperam munições são raros, mas existem. Mesmo que transformem energia em munição, há uma regra que eles não podem fugir: a regra da entropia nunca será zero. Algo será perdido. Uma bala jamais recuperará completamente uma bala. 

    Mas aquilo era algo acima do comum. Ele se regenera também, e se recupera sua própria munição, significava que deveria converter alguma energia para isso. Qual energia? Ela não sabia. 

    “Também deve ter duas ou três condições, ou restrições… Se eu descobrir quais são, ai que eu venço!”

    Desviou de outro disparo de Agni e nesse ponto encheu o saco. Tinha que acabar com aquela franca atiradora logo. Mirou a arma no chão e disparou, uma nuvem de poeira se levantou. 

    Agni teve que parar para recarregar. Quando viu aquela nuvem de poeira, tomou aquela oportunidade para o fazer o mais rápido possível. O carregador surgiu à mão, Raimunda saiu da nuvem correndo em sua direção e apontou a arma. 

    E então, algo aconteceu. Foi um flash de memórias, algo que ocorreu em menos de um segundo. Ela viu o cano da slinger de Raimunda brilhar, sentiu algo batendo em sua pele e… Num piscar de olhos, tudo estava diferente. 

    A nuvem de poeira já tinha abaixado, Raimunda estava no fundo do estacionamento com uma cara completamente irritada, e Loid estava em frente, a alguns metros, recarregando a sua arma e apontando a própria cabeça, atirando. 

    — Você tá de brincadeira comigo! Eu explodi a perna dela! E… você fez isso. 

    Agni não compreendeu. Sua perna estava no lugar, como sempre esteve. Ela estava bem. O que tinha acontecido? Porque do nada, havia uma sensação de que estava esquecendo alguma coisa. Loki estava com uma cara puta. Colocou a slinger no ombro, apontada para trás e atirou contra o portão da garagem, explodindo-o e criando uma abertura. 

    — Quer saber? Cansei! Puta luta chata do caralho! — Começou a andar para trás, sem tirar os olhos dos dois. — Da próxima vez eu vou matar o de Romaniva, pelo menos ele não apela com essa porra de feitiço! E ainda destruíram as câmeras… Porra, acabou com o meu vídeo! — Pulou sobre a abertura e então desapareceu na rampa. 

    Loid e Agni relaxaram. 

    — Que final anticlimático, não é mesmo? — Loid comentou — mas é melhor do que uma fatalidade. Você está bem?

    — … Sim. Estou. O que aconteceu? Eu lembro dela apontando a arma dela para mim, mas… Do nada…

    — Ela atirou e você tentou desviar. Porém, a bala acertou sua perna e a explodiu… Por sorte, eu acertei você primeiro e por isso, ativei meu feitiço… Bom, se me dá licença…

    Loid mirou sua arma no chão e disparou mais uma vez. O feitiço se ativou, o fazendo voltar a mesma posição de antes. Dessa vez ele piscou algumas vezes, olhou ao redor e em vez de atirar na própria cabeça, afastou a arma. 

    — Então a luta acabou, é…? — disse a si mesmo. Se virou para trás, e olhou para Agni. — Vamos embora, imagino que Raimunda tenha fugido, não é?

    — Hã? É… Sim? Você viu, não viu? 

    Loid ficou em silêncio. Foi até a abertura para escapar da fumaça, Agni fez o mesmo. Indo até as ruas escuras de Romaniva; não levou muito tempo para encontrarem Atlantis, Chyou e Lazlo. Numa questão de alguns minutos, carros e mais carros de ambas as facções chegaram, junto a ambulâncias, bombeiros e jornalistas. O local todo ficou lotado de uma multidão. 

    Ao centro de todo aquele evento, Atlantis e Loid ficaram frente a frente. 

    — Obrigado por lutar com Raimunda — Atlantis disse, estendendo a mão. Loid por sua vez respondeu com um sorriso, apertou a mão dele. 

    — Não há de quê. Sua guarda-costas, Agni, creio que tenha feito um ótimo trabalho. Não teria conseguido sem ela. — Ajeitou o óculos, e pouco a pouco o sorriso se esvaiu. — Mas nossa parceria acaba aqui. Minhas exigências e ideias continuam as mesmas. 

    — As minhas também. Nesse caso, será guerra?

    Loid negou com a cabeça. 

    — Não tem cedo. Não tão fácil. Jamais irei me rebaixar a esse nível sem tentar outras formas de conciliação primeiro. Porém, espero que você entenda: eu terei o que quero. Benzaiten terá o que quer. 

    — Sabe que não permitirei isso. — Atlantis cruzou os braços e negou com a cabeça. — Eu estou disposto a atacar primeiro, se for necessário. 

    O silêncio predominou entre eles. E pouco a pouco, afastaram-se. Cada um foi para o próprio lado, cercado pelos próprios homens. Ao lado de Loid, entrou em um dos carros blindados, acompanhado de Chyou com um tablet

    — Senhor, permissão para falar?

    — Permissão concedida. 

    — Recebi agora um relatório… Para que eles encontraram aquele jovem que fugiu. 

    — Estou ciente que ele está aqui, o que isso tem a ver?  

    — Bom… Pelo que parece, ele deve sair em breve de Romaniva, numa espécie de jornada paras terras selvagens. Pode ser um bom momento para… Você sabe. 

    — Certo. Mandem ele para dar uma observada, diga para dar um desconto especial. 

    — Você não precisa mandar! — Uma voz conhecida saiu do banco do motorista. Se virando, vestindo um terno, havia um homem de cabelo loiro e barba mal feita. — Pode me dizer pessoalmente!

    — O que está fazendo aqui?! — Perguntou surpreso. 

    — Hah, e eu deixaria você se entediar com todos os protocolos de segurança? Qual é?! Tenho um monte de histórias do caminho pra te contar. Mas primeiro, vamos aos negócios… Apenas uma promoção não será o suficiente para atrair a atenção! Tem que ser algo a mais!

    Loid deu um sorriso e uma risada, não esperava ver ele assim. Deu uma tossida, e então. 

    — Nesse caso, dê algum item e diga que será por conta da casa. — Apoiou a cabeça no retrovisor. — Afinal, ninguém vende melhor que você, José. 

    . . . 

    Atlantis já estava no elevador sozinho. Lazlo estava no hospital, e ao seu pedido, mandou Agni conferir a tal “perna explodida”. Estava quieto, quase encarando o chão. Olhou a própria mão, estava trêmula. O silêncio do próprio silêncio já não era reconfortante. E o som do barulho lhe era abominável. 

    Sentou-se no chão do elevador e se encostou na parede. Suspirava lentamente.

    Quando a porta se abriu, levantou-se e entrou no seu quarto. Olhou ao redor, e percebeu algo:

    Não havia ninguém. 

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