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    Com o elevador de vidro descendo lentamente, os três tinham uma bela de uma oportunidade para observar a cidade. Era uma visão em tanto, ver toda cidade de Romaniva iluminada. Quincas era o que mais estava admirado pela vista. Ignorando, por sua vez, a discussão que estava acontecendo. 

    — Eu falei para não apertar o botão várias vezes! Porra, mulher! Agora esse negócio ta lento como uma lesma! Eu tinha planos para essa noite! — Axel não parecia nem um pouco feliz. 

    — Se fode! Eu lá ia saber que o elevador de riquinho não aguenta ter o botão do andar apertado várias vezes?! Na real, a porta do elevador tava fechando lentamente também! Vai ver nem é culpa minha!

    — Aham, e macaco voa! — Cruzou os braços. — Primeiro nomeia o grupo de “Carreta”, sem ter a carreta. Depois tu dorme quando tem hora marcada, e…

    — Nem vem! — Apontou para ele. — Você chutou o celular da nossa empregadora! O CELULAR DA NOSSA EMPREGADORA! A gente podia ter, sei lá, recebido um processo!

    Axel ficou em silêncio por um segundo, apenas para falar com voz mais alta ainda:

    — Eu não dei os meus direitos de imagem! Eu tenho direito de negar!

    — Boa sorte provando isso na corte, quando a única evidência que você tinha foi quebrada pelo próprio pé!

    Quincas deu um suspiro. Aumentou o sorriso que dominava a sua face, e virou em direção dos dois. Colocou a mão no ombro de cada um, e falou com uma voz tranquila. 

    — Gente, calma. — E os dois ficaram quietos. — O que importa, é que a gente conseguiu. E o melhor: o irmão da Émile até gostou da gente!

    — Gostou entre aspas, ele nem ligou que a gente tava lá — Baret corrigiu — ele só perguntou se a gente tinha alguma reputação e a garota respondeu que a gente era o assunto do momento, e bum, ele só aceita. Que homem desligado. 

    — É que nem todo mundo tem tempo para ficar gastando nas redes soci… — Axel estava prestes a responder à altura, mas sentindo a mão em seu ombro pesar um pouco, chegou a conclusão que não valia a pena — … Mas tá. Pelo menos a gente vai passar uns dias nesse hotel de luxo. Nesse ponto, eu não vou reclamar. 

    — Eu falei para confiar! Não tem mulher que aguenta a minha lábia. — Baret se vangloriou com um sorriso no rosto.

    — Ata. Tu só deu a sorte de pegar a pessoa mais INCOMPETENTE para nos entrevistar. Porra, dá pra ver que ela não tinha experiência!

    — Melhor pra gente e nada de ruim pra eles. Qual é, o que deve ser cem mil conto para eles? Agora a gente volta pra casa, pega nossas coisas, volta e vive o luxo que merecemos! Depois é só trabalhar e pronto, dinheiro na nossa conta. 

    Pela primeira vez, os três sorriam. Imaginando nas próprias cabeças as coisas que teriam acesso. Baret estava louca para testar a jacuzzi térmica que tanto ouviu falar. Axel tinha outros planos: pegar cada eletrônico do seu quarto escondido e conseguir acesso às peças que tanto sonhou. Quincas apenas queria ter uma provinha do open bar dali. 

    Mas Axel foi o primeiro a voltar a realidade. 

    — Agora só falta a gente conseguir sair desse elevador. 

    E os outros dois apenas conseguiram concordar.

    Doze minutos depois, finalmente chegaram ao solo. Cada um foi para seu caminho, Baret para seu quarto de hotel duas estrelas, Axel foi direto ao seu apartamento pegar suas coisas e Quincas, que não tinha nada, deu um jeito de pegar o roupão do SPA e ir direto para o bar. 

    Demorou cerca de uma hora para Baret pegar as suas coisas, guardar as malas, jogar a sexta ameaça de morte que tinham pendurado na porta do seu quarto no lixo e voltar para o hotel luxoso que lhe foi presenteada.

    “Que bela essa vida!”

    Foi para o quinto andar, onde ela e os outros dois ficariam durante a duração do trabalho. Estava doida para sentir um gostinho da riqueza que lhe esperava. Os últimos tempos poderiam ter sido os piores, mas não importava mais: em único dia, sua sorte virou completamente!

    E sentia que as coisas continuariam assim. 

    Chegando ao quarto, percebeu que tinha sido a primeira a chegar; ou pelo menos, era a única que estava ali. Sabia que Axel tinha saído para ir seja lá aonde iria, mas que Quincas ainda estava no hotel, e se tivesse que adivinhar, em algum lugar que pudesse beber. 

    — Não que eu ligue! — Foi direto para onde imaginava ficarem as camas. Eram três camas de solteiro, com uns setenta centímetros de distância entre cada uma. Havia, entretanto, um porém: as camas eram duras. — Que porra é essa? Como que… Não vai me dizer que eles pegaram uma cama barata para o nosso andar? Calma lá, não é possível! 

    Olhou ao redor, e percebeu um detalhe interessante: a falta de rodapé na parede onde as camas encostavam era, consideravelmente, maior do que a área das camas em si. A única conclusão que podia tirar, é que eles removeram uma única cama imensa, e colocaram aquelas três camas no lugar. 

    Não sabia se ficava impressionada pela velocidade que fizeram essa troca ou se ficava decepcionada com o fato de terem colocado a cama mais vagabunda possível. 

    — Tá, tudo bem, já dormi em coisa pior. — Colocou sua mala em cima da cama da extrema-direita, marcando seu território e torcendo que Quincas fosse dormir na cama do lado extremo oposto, não queria dormir sentindo aquele cheiro de álcool.

    Agora, deveria fazer alguma coisa. Preparar um plano de fuga caso Émile fosse atacada, conferir onde diabos ficavam as escadas de emergência daquele prédio, ou meramente se preparar para qualquer coisa. 

    A escolha que fez foi colocar um biquíni e descer para a área das piscinas. 

    “Qual é, vai, eu mereço esse luxo depois de um pouco de azar. O que pode dar errado?”, pensou para si mesma. 

    A área das piscinas não era menos luxuosa que o prédio todo. Eram incríveis cinco andares subterrâneos, todos com piscinas com suas próprias peculiaridades. Havia piscinas térmicas, geladas, com temperatura ajustável, tobogã e até cachoeira artificial.

    Preferiu iniciar em algo mais simples, pelo menos por aquela noite. Foi no primeiro andar subterrâneo onde ficavam as piscinas térmicas. Apenas o vapor do ar foi o suficiente para sentir seu corpo relaxar, era ainda mais confortável saber que não tinha absolutamente ninguém naquele andar: a piscina toda era só pra ela. 

    — A vantagem do hotel rico: é tão caro que quase não tem ninguém para se hospedar! Bem… A comitiva toda deve ta cansada demais pra aproveitar, então acho que é só eu por hoje… Tá, tanto faz! Simbora! GERÔNIMO!

    Foi até a piscina mais próxima, e pulou na água, fazendo a maior onda possível. 

    Emergiu, e começou a boiar. 

    — Isso que é vida!

    Ficou assim por alguns minutos, até ouvir o som do elevador parando naquele mesmo andar. Embora tivesse ficado um pouco incomodada com o fato de ter perdido toda sua privacidade, não estava em posição para reclamar. 

    “Por favor, não seja o Axel”, desejou com todas as forças. 

    Seu desejo foi atendido quando uma mulher saiu do elevador. Parecia mais velha do que Baret, com um cabelo longo de cor azul acinzentado, que dava um bonito contraste com seus olhos avermelhados. Quando saiu do elevador, ela levou um tempo para perceber que não era a única ali, mas deu um sorriso simples ao ver Baret na piscina, completamente quieta.

    Colocou suas coisas numa cadeira próxima, em seguida se aproximou da borda da piscina. Pondo a mão na cintura larga, perguntou em voz um tanto quanto doce. 

    — Não imaginei que teria outra pessoa aqui. Se importa de eu entrar? 

    Baret levou um tempo para processar a pergunta, mas quando se deu conta, balançou a cabeça tentando recuperar os sentidos, respondeu logo em seguida: 

    — Ah, claro, claro… Quer dizer, não, não me importo! Não é como se a piscina fosse minha! — Deu uma risada um tanto envergonhada, mas a mulher não pareceu se importar. Sentou na borda e lentamente foi entrando na piscina. Baret tentou evitar contato visual, mas não conseguia tirar os olhos dela. 

    Em partes era por sua beleza e o corpo violão, por outro, realmente estava um tanto envergonhada, querendo ficar sozinha. Ao mesmo tempo, tinha notado um detalhe um tanto curioso. A mulher banhou-se por alguns segundos em silêncio, mas quando notou que Baret dava eventuais encaradas, se pôs a perguntar. 

    — Algum problema?

    — Não! — Baret respondeu o mais rápido possível, até tirando as mãos da água, balançado-as para dar ênfase na negação. — É só… Desculpe pelo comentário, mas seus olhos são iguais aos meus. Não vejo isso todo dia, então… Acabei ficando curiosa, é isso. Desculpe se te deixei desconfortável.

    — Entendi… Hm… — Encarou os olhos de Baret por alguns segundos, chegando até mesmo se aproximar para ter certeza disso. Mas quando percebeu a semelhança, deu mais um sorriso. — Verdade! Essa é a primeira vez que vejo alguém com os mesmos olhos que eu. Nem meus pais tinham, então sempre me perguntei de onde vieram. Vai ver temos um descendente em comum. 

    — Ah, acho um pouco difícil… — Baret colocou a mão atrás da cabeça, coçando um pouco. — Se eu não me engano, minha família saiu de Orfenos na primeira leva emigratória, acho que não tenho nenhum parente lá…

    A mulher estranhou o comentário. 

    — Não é de Orfenos…? Estranho, pensei que a comissão tinha reservado o hotel inteiro pra si própria…

    — Ah, eu… eu sou uma das mercenárias que a Senhorita Émile contratou. Eles me deixaram ficar no hotel enquanto a gente trabalha pra ela… Achei que não tinha problema eu relaxar um pouco aqui… — Deu uma pausa longa, reunindo coragem pra dizer o que ia dizer. — … Pode não dizer pro seu chefe? Não quero que ele tenha a ideia erra…

    Mas antes que pudesse terminar, a mulher deu uma risada simples. Até tentou disfarçar, escondendo a boca com a mão, mas foi alto o suficiente para ecoar por toda o andar. Baret apenas não entendeu. 

    — Desculpe! Hah, desculpe mesmo. Apenas gostei da sinceridade! — Deu um suspiro satisfeito. — Relaxe. Estava falando do Atlantis, não é? Não se preocupe, ele não é meu chefe, não faço parte da comitiva. 

    “Hein?”

    Baret ponderou por um segundo que aquela mulher era algum tipo de invasora, ou talvez a dona do hotel, ou talvez qualquer outra coisa que fizesse algum sentido, além de ser parte da comitiva diplomática. 

    — Quem é você?

    — Esqueci de me apresentar, desculpe-me. — E então, estendeu a mão. — Arya Wolfgang, artista. 

    — Ah, é… — Achou melhor não dizer seu nome, com medo de fazer a mulher sair dali completamente enojada. Mas seu medo de causar confusão ou algum mal-entendido foi maior. Preferiu ser sincera, apertou a mão de Arya e disse seu nome em um tom envergonhado. — Baret. 

    — Baret… Ah, aquela…?

    — É. 

    Mas para sua surpresa, Arya não pareceu incomodada. Seu sorriso que estava no rosto não mudou, mas conseguia perceber um olhar de curiosidade vindo dela. Não se deixou intimidar, não mais do que já estava pelo menos, tentou manter a conversa. 

    — Então, eu pensei que só a comitiva tava no hotel, como que você ta aqui? 

    — Bem, já que você é uma das guardas da Émile, não faz mal contar. — Começou a andar entre a piscina térmica, pouco a pouco indo para as partes mais fundas da piscina. — O aniversário da Senhorita Émile é daqui a uns dias, e pelo que parece, ela é bem fã do meu trabalho! Por isso, Atlantis decidiu me contratar para fazer uma exposição de artes aqui em Romaniva. É pra ser uma surpresa, então ela não sabe que vim. 

    — Ah, que legal! Eu conheci ele, achei ele um cara meio apático… Mas não é um irmão ruim, ao que parece. Você faz o quê? Pintura?

    — Estátuas! — Virou-se para Baret, com uma paixão em seus olhos. — De todos os tipos, em todos os materiais. Mármore, madeira, gelo, etc, etc! O material vária dependendo do que eu for fazer. Essa em especial vai ser uma exposição com 22 materiais diferentes. É a idade que ela faz, por sinal. 

    “Ela é mais velha que eu?!”, pensou Baret, não conseguindo conceber a ideia da garota ter essa idade, pela aparência de adolescente. 

    — Maneiro. Não tenho um olho bom para arte, sendo sincera. Meio não posso comentar muito sobre, mas sei que é um trabalho difícil. 

    — Não diria difícil… Exige inspiração, sabe? Todo ser humano tem potencial pra arte! Só precisa aprender a achar sua fonte de inspiração. Mas não vou falar muito disso, pois se não vamos ficar nessa piscina a noite toda. 

    Ambas deram uma risada leve, Baret mais pelo fato que não queria deixar o clima ruim dizendo “não entendi, mas beleza”. Porém, no meio da risada, um pensamento dominou sua cabeça, um instinto de perigo, a fazendo parar subitamente de rir. 

    — Pera aí. 

    — Hm? — Arya ergueu a sobrancelha. 

    — Se você é meio que a surpresa de aniversário, não é meio arriscado sair do seu qua…

    Um som do elevador abrindo interrompeu sua fala com pequenos passos ecoando pelo andar fazerem Baret ter certeza que era tarde demais. 

    — Tentaram me impedir, mas não conseguiram! Piscina, lá vou eu! GERÔNIMO! — Antes das duas conseguirem processar o que estava acontecendo, uma onda de água as molhou. Saindo do epicentro do tsunami, estava Émile. — Essa água ta uma delícia…! — Olhou ao redor, percebendo Baret com uma boquiaberta. — E aí, Baret?! Me disseram que você tinha descido para os andares das piscinas, então eu, como uma boa empregadora, achei melhor te dar companhia! Só achei estranho a Menta insistir tanto pra eu não ir. 

    Baret estava em frente a Émile, e Arya, que ainda não tinha sido percebida, atrás. A artista tentava sair lentamente sem chamar atenção, e Baret sabia que tinha o dever de dar essa mão para ela. 

    Então respondeu à altura. 

    — Oi, Émile! N-não pensei que você viria aqui! Já que tinha acabado de sair de um banho e tudo mais. 

    — Ah, não se preocupe! Esse negócio que tomar muito banho por dia é ruim pra pele é mito, bom, nem tanto. Depende do quão calcária é a água… De toda forma, eu uso uns produtos pra pele que ativam com água quente, então pensei, por que não?! Como disse, achei melhor não te deixar sozinha. Uma boa empregadora deve conhecer seus empregados!

    Arya se movimentava em passos curtos pela piscina, tomando todo o cuidado do mundo para não fazer barulho ou ondas demais, o que era particularmente complicado. O pior de tudo, é que teria que sair pela borda da piscina. Percebendo a situação, Baret teve uma ideia. 

    — Então… Já que ta aqui… Quer competir pra ver quem fica mais tempo debaixo d’água? Dizem que é um bom exercício!

    — Ah! Hm, nunca fui de mergulhar, mas pode ser! 

    Puxaram o máximo de ar para seus pulmões e mergulharam. Arya usou essa oportunidade e saiu da piscina o mais rápido possível. Pegou as suas coisas sem ao menos se secar, indo direito para o elevador. Baret segurou o ar o máximo que podia, tanto porque não queria perder, tanto porque queria garantir que estaria dando abertura o suficiente para Arya sair. Mas ao marco dos vinte e três segundos, não aguentou mais. 

    Saiu de baixo d’água com os pulmões implorando por ar, seguida de Émile, que saiu com um sorriso no rosto e parecendo nem mesmo afetada. 

    — Venci! Haha, Baret, achei que ia ter um fôlego maior!

    — Porra, eu também achei… — Na medida que recuperava o fôlego, olhou ao redor, e percebeu que Arya tinha finalmente saído dali. Nesse quesito, poderia ficar mais tranquila. 

    — Mas é estranho, juro que escutei algo quando tava mergulhando… Será que é fantasma? — Colocou a mão no queixo, olhando ao redor do andar. 

    — Sim, fantasmas das pessoas que se afogaram aqui — respondeu em tom irônico — tsc, perder isso me deixou mal-humorada.

    — Qual é! Então vamos pros tobogãs! Me disseram que são bem grandes!

    Émile não esperou. Pegou a mão de Baret e já foi arrastando ela pra fora da piscina. E nesse momento, Baret sabia que a noite seria longa.

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