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    Uma aposta é uma aposta. Não importa quais sejam as chances de sucesso e fracasso, tudo que não for garantido é de, alguma forma, uma aposta. E se há poucas certezas na vida, então o resto é uma aposta. O que estava prestes a fazer não seria diferente de tudo que já fez: uma aposta. 

    Estando na mira de Raimunda, completamente incapaz de desviar do disparo e muito menos sobreviver à explosão, e ainda estar com a mão esquerda destroçada devido a um franco-atirador, a única forma de conseguir viver para ver o próximo segundo era bloquear o disparo. 

    Podia estar suspensa no ar, mas havia um jeito. Havia uma barreira indestrutível que podia ser usada: sua própria arma slinger 

    Calculou o mais rápido que pode a trajetória da bala, e quando finalmente confirmou, moveu a mão direita em alta velocidade, posicionando sua própria slinger bem à frente do alvo. O gatilho foi apertado, e a aposta, ganha. A slinger foi acertada em seu lugar, e a explosão fez a arma voar diversos metros de distância. 

    Chyou sobreviveu. 

    Caiu de pé no chão e avançou contra Raimunda, que ainda estava tentando compreender o que tinha acontecido. Loki até tentou apontar sua arma mais uma vez, porém já era tarde. Chyou segurou seu pulso com força o suficiente para fazer ela soltar a arma, usou um dos pés para chutar a arma para longe e em seguida, o ombro direito para empurrar sua oponente por alguns centímetros. 

    “Tenho que levar em conta o franco-atirador”, pensou “Não posso deixar ela alcançar a slinger, mas preciso usar ela como uma barreira natural também”. Puxou uma faca da bainha que tinha em seu peito e preparou-se. Por sua vez, Raimunda ainda estava com uma faca em mãos e um sorriso que misturava satisfação e ódio. 

    “É a primeira vez em muito tempo que me desarmam… Pearl também descumpriu a ordem que dei de só atirar caso eu tivesse lutando contra mais de uma pessoa… Tsc, ela sempre me desobedece.” Os olhos de Raimunda viraram levemente para a sua esquerda, onde sua slinger encontrava-se. Era mais ou menos três ou quatro metros de distância. “Mas a situação não é ruim. Ela perdeu a slinger também. Está sem um dos braços. Ela pode ser bem rápida, mas não vai chegar muito longe com um sangramento desses.”

    — Irei enviar alguns soldados para te ajudar. — Pelo comunicador, Chyou conseguia ouvir o presidente. — Apenas aguente firme. 

    — Priorize os soldados e os gunslingers que estão nos vagões que caíram. Não sabemos se ela tem mais comparsas, se tiver, eles vão matar eles logo e pegar as slingers — respondeu baixinho. — Eu dou conta, basta esperar nossos reforços chegarem. 

    — … Certo. Irei respeitar sua decisão. Eles já irão chegar, segure firme. 

    O silêncio predominou. A brisa do fim do dia bateu entre as duas, e como se fosse uma espécie de sino, o round começou. Raimunda correu em direção a slinger,  Chyou não permitiu que isso ocorresse. Ficaram frente a frente. Uma troca de golpes começou. 

    Buscavam cortes e perfurações, enquanto tentavam ao máximo garantir que não fossem acertadas pela oponente. Chyou tentava desviar dos golpes, ao mesmo tempo que usava um jogo de pés para garantir que Raimunda sempre estivesse na frente dela, evitando qualquer chance dá franco-atiradora acertar ela. Raimunda, por sua vez, ia para a rota que acreditava ser mais divertida: parear os golpes de faca. Podia ser mais arriscado, mas era incrivelmente satisfatório. 

    Poderia até parecer que estavam em um impasse, mas isso seria errado. Chyou podia estar conseguindo desviar de todos os golpes, mas seus movimentos ficavam cada vez mais lentos, seus golpes de faca cada vez mais curtos e previsíveis. A falta de sangue estava começando a afetar seu desempenho. 

    E isso cobrou seu preço.

    Foi um movimento em falso, uma finta de Raimunda para garantir que Chyou desviasse para o lado errado, e em seguida, uma rasteira de Loki para fazer a soldada perder o equilíbrio, dessa vez, desviar completamente do golpe seria impossível. 

    Tentou, mas foi inevitável: Raimunda acertou um corte bem acima do seu nariz. Sangue começou a sair descontroladamente, manchando todo o seu rosto de vermelho. Ainda que a tontura tivesse dominado sua cabeça, jogou-se em direção à arma de Raimunda, deu algumas cambalhotas e se afastou em cerca de um metro. 

    A sensação estonteante de segurar a arma de outro gunslinger a fizeram ter que largar a arma mais uma vez, mas neste caso, atrás dela. Quando viu um brilho de reflexo ao horizonte, sabia que tinha vacilado.

    “Merda, esqueci do franco…”

    Um disparo em cheio ao ombro esquerdo. Tão rápido e potente que nem sequer conseguiu acompanhar. Quando se deu conta, seu ombro já estava perfurado e Raimunda estava vindo em sua direção. Não tinha como aguentar mais. 

    Fez o que pode. 

    Lutou usando apenas o braço que lhe restava, tentando golpear Raimunda com bicudas. Não estava sendo suficiente. Raimunda conseguiu pegar sua arma, estava prestes a disparar contra Chyou. 

    Mas não fez. 

    Loki desviou para trás, evitando diversos disparos de metralhadora contra ela. Os disparos não paravam; Raimunda assobiou e mais um drone surgiu; o segurando por uma alça, Raimunda ficou protegida pelo campo de força e começou a se afastar em alta velocidade.

    Estava pelo menos com um sorriso no rosto. 

    “Ao menos, passei a primeira mensagem!”

    Chyou apenas conseguiu olhar para cima do vagão, vendo os diversos soldados que estavam ali. Não aguentando mais, desmaiou por falta de sangue. 

    . . . 

    “Será que o vermelho que eu vejo é o mesmo vermelho de todo mundo?”

    Esse era o pensamento que Baret tinha enquanto encarava o quadro. Apoiava sua cabeça em sua mão, sentada de forma toda desajeitada no sofá, com o cabelo levemente molhado. O tédio de esperar já tinha dominado seus pensamentos, mas a sua política de não usar celular enquanto trabalha era mais forte. 

    Decidiu não ficar quieta. 

    — Émile, vambora! Tu já ta se arrumando há meia hora!

    — Eu já tô terminando! — Sua voz ecoou pelo quarto, e Baret apenas suspirou. 

    “Que ideia ótima, sair para caminhar em plena noite… E aqueles dois não atendem a minhas ligações. Vou descontar do salário deles”

    Alguns minutos depois, Émile apareceu. Estava bastante arrumada, com maquiagem feita pelos produtos mais caros, roupas dos tecidos mais nobres.

    “Puta look casual em?”, Baret ironizou dentro da própria cabeça. Levantou, estralou as mãos. 

    — Tu tem certeza que quer sair? Tipo… Sei que tu já ta arrumada e tudo mais, mas considerando que tu foi pra piscina né… 

    — Claro que eu quero! Sempre quis conhecer a cidade dos sonhos, seus prédios altos, seu tudo! Por que eu não iria querer?!

    — É porque os dois gunslingers do meu grupo só… sumiram. — Deu um sorriso amarelo. — Meu revólver aqui aguenta muita coisa, mas né… Sair com um gunslinger seria mais sábio, sabe?

    — Entendi… Bom, eu posso levar a minha slinger então, deixa eu achar a mala que botei a arma. 

    — Ah, ok, então… Pera, quê?! Tu é uma gunslinger?!

    Émile deu nos ombros, virou levemente a cabeça para o lado e mantinha uma expressão de dúvida firme. Colocou o dedo no queixo, e perguntou:

    — Não sabia? Não deu pra perceber?

    — Errr, não?! Que gunslinger é esse que não fica com a arma toda hora?

    — Acho muito pesado carregar por aí toda hora. — Após falar da arma, foi para o quarto. Baret iria ficar parada esperando, mas uma lâmpada piscou em sua cabeça. Seguiu Émile. 

    — Pode me mostrar a arma?

    — Claro! Só me ajuda a achar. 

    Abriram e procuraram as malas. Vinte e uma malas no total, cada uma com um tipo de peça de roupa diferente. Após minutos de procura, a mala de “armas” foi achada. E lá estava a slinger de Émile. Se tratava de, como a maioria das slingers, uma pistola semiautomática. Seu design era mais sofisticado, com diversos detalhes de azul e ouro. O carregador era o que mais diferenciava a arma, era longo, conseguia suportar cerca de vinte tiros. 

    Baret olhou de cabo a rabo a arma, mas não achou nenhum número. Decepcionada, entregou a arma de volta a Émile. 

    — Tá… pega seu coldre aí e vamos logo. 

    — Meu coldre? Hm… — Olhou ao redor, vendo as malas. — Não sei qual delas é a mala dos coldres. 

    Baret contou até dez com muita paciência. — Não da pra colocar numa bolsa?

    — É, acho que dá… Mas aí eu vou ter que procurar a mala de bolsas grandes. 

    — Você tá de brincadeira comigo. 

    — Tô falando sério! Afe, eu mandei as empregadas colocarem só o básico! Umas vinte malas, tava bom, não precisava de trinta e três…!

    — Quer saber? Esquece! — Forçou um sorriso, pegou a slinger das mãos de Émile e colocou em cima de uma escrivaninha. — Vamos sem slinger mesmo. 

    — Mas agora eu to com medo! Sempre falam como Romaniva é perigosa de noite!

    — Então por que tu quer sair de noite, mulher?!

    — Eu já… Ah! Tive uma ideia! — Foi correndo até o elevador, e de novo, Baret a seguiu. Estufando o peito, falou orgulhosa a sua ideia: — Vou chamar a Menta!

    — E… quem é Menta?

    — A guarda-costas do meu irmão. 

    Baret sentiu sua alma tremer. Começou a suar frio. Se o irmão dela descobrisse que Baret precisou chamar a guarda-costas dele para proteger Émile, qual seria o sentido de contratar a Carreta então? Amaldiçoou com todas as suas forças Axel e Quincas por não estarem ali. Concentrou suas forças, disse com o tom mais amigável possível:

    — Peço que reconsidere isso. 

    — Hein? Por que esse tom do nada?! 

    — Ah é que… — Tentou esconder suas intenções, pensando numa desculpa o mais rápido que podia. — Ela deve ser uma pessoa ocupada, precisa proteger seu irmão né!

    — Ah, tem o Lazlo… Mas ele é velho e meio estranho às vezes, então não quero sair com ele. Então vai ser com a Menta! Ela é meio tímida, um pouco boiolinha, mas é gente boa! No pior dos casos ela fica tão quieta que a gente esquece que ela ta lá.

    — Isso é meio err… Não, pera, mas pensa…!

    — Nah! Eu já decidi, e como sua patroa, você vai me obedecer! — Colocou a mão no peito estufado, deu um sorriso orgulhoso. — Como que soou? Mostrou autoridade? Meu irmão falou que eu preciso aprender a falar essas coisas. 

    — … Soou ótimo — respondeu desanimada. 

    — Que bom! Agora vamos logo!

    . . . 

    A situação, em si, era constrangedora. 

    O trio andava pelas ruas de Romaniva, cada uma delas estava em uma vibe completamente diferente. 

    Émile era, dentre todas, a mais sorridente. Olhava cada prédio com entusiasmo. Cada pessoa da rua tinha sua completa atenção, averiguando os diversos estilos únicos de se vestir na qual eram tão famosos em Romaniva. 

    Baret, logo atrás de Émile, era a que chamava mais atenção. As pessoas que passavam soltavam olhares feios, cuspes e xingamentos. Preferiu seguir firme e não fazer uma cena. Guardou a vontade de dar um tiro na cabeça de cada pessoa para si. 

    A terceira pessoa, Menta, ou melhor dizendo, Agnieszka, estava bastante retraída. O fato de estar numa cidade estrangeira, com sua slinger, um rifle de precisão, nas costas não ajudava muito. Ao mesmo tempo que se sentia em serviço, parecia estar meramente saindo. 

    Não demorou muito para Émile se virar e puxar assunto. 

    — Tem algum lugar que você recomenda?! Um Shopping, um bar, algo?! — Aproximou-se de Baret com os olhos brilhando. 

    — Na verdade, sim! Um Hotel 5 estrelas! Ouvi dizer que é bem seguro. 

     — Eu, hein! — Cruzou os braços. — Boa ironia, mas pô, que chata! — Então, tentou pegar o celular do bolso, até notar que não o tinha mais. — … Baret, me faz um favor e procura algum lugar legal pra gravar uns vídeos! Meus seguidores precisam ver esse estilo de vida mais humilde, porém feliz!

    — Tsc… — Colocou a mão na cabeça, coçou um pouco o cabelo enquanto pensava. — Tem o parque central, Tem o Shopping Beira Lago… e tem um bar que tem um cantora bem famosa, não lembro bem o nome, mas sei que falam que a comida é gostosa. E eu to com uma fome…

    — Um bar… Um bar?! Isso é… Perfeito! Vai ser esse! E você, Menta? Alguma ideia pra onde ir? Sou uma pessoa democrática, então quero saber sua opinião. 

    Menta estava retraída, tímida. Seus olhos voltados ao chão e o rosto corado deixavam claro que ela não estava exatamente confortável. Ainda assim, respondeu num tom baixo que era quase difícil de escutar:

    — Por mim não tem problema. 

    — Então está decidido! — Émile anunciou. 

    Começaram a andar. 

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