Capítulo 9 (Parte 1) - Gorjeta paga em sangue
“É um pesadelo.”
Era isso que Émile pensava e desejava. O que era para ser um dia feliz tornou-se algo desesperador. Seu coração batia a mil, as mãos segurando a slinger estavam trêmulas, a respiração, pesada. Quando sentiu o toque de Arya em sua mão, percebeu estar na mais pura realidade.
— Tenta controlar a respiração — mulher mais velha falou em um tom baixo — Quincas é seu guarda-costas, não é? Confie nele, e no resto do pessoal.
— Eu sei… — Engoliu a seco. — É só que… Não. Eu consigo me proteger. Eu sou uma gunslinger.
Dizia isso, mas sua mão não parava de tremer.
Tentava controlar sua respiração, tentava manter-se sobre o controle de si mesma. Em vão. É como se houvesse algo apertando em seu peito, rasgando seu coração e o obrigando a continuar batendo em alta velocidade.
Ambas estavam em um dead end do labirinto. Quando foram empurradas por Quincas, começaram a correr desesperadas. Viraram uma esquerda, uma direita, seguiram reto, deram curvas e mais curvas e agora estavam ali. As chances de Ramona as acharem talvez fosse baixa a depender de quanto tempo tivesse. Por outro lado, a chance era tão real quanto qualquer outra.
— Se eu ao menos tivesse trazido alguma arma… — Arya cochichou — desculpe por ser um peso morto. Posso tentar imobilizar ela, eu tenho algum treinamento de combate.
— Não precisa — Émile respondeu com uma voz fraca — você é uma pessoa normal. Eu consigo… Eu sou boa em tiro.
Mas ser boa em tiro difere de ser boa em combate. Émile sabia disso. Num combate de gunslingers, ela precisaria atirar para matar, e o mais importante de tudo: atirar primeiro. E se ela demorasse uma fração de segundo a mais que seu oponente…
Ela morreria.
Morreria.
“Ela realmente veio me matar…?” Émile começou a imaginar, processando todo o bruto de informação que tinha. “Aquela pistola… Pelo som não era uma de pólvora, e parecia ter lançado algum dardo… Estava mirando em mim de certeza… Se ela não usou a slinger dela, quer dizer que não, quer me matar… Por outro lado…” Deu uma leve olhada na própria slinger, em seguida para Arya, que concentrava seu olhar para o corredor. “Se eu lutar e morrer, eles pegam a minha arma. Se eu esperar eles chegarem aqui e morrer, a Arya também vai morrer… Mas se eu morrer em outra parte do labirinto, talvez eles saiam logo… E tem a chance deles não me matarem…”
Não era uma questão do provável, mas sim do mais viável. Ficar apenas pensando em si não iria adiantar de nada. A vitória parecia algo impossível, então o que fazer além de minimizar o dano? Tinha que fazer algo, tinha que decidir seu futuro.
Não era uma escolha difícil.
Se era tudo que ela podia fazer, então…
— Arya…
— O que foi? — Perguntou em voz doce.
— Você acha que… Se eu morrer… Eu vou ser lembrada pelo mundo?
A mulher ficou surpresa com a pergunta. Mas não deu uma resposta evasiva. Bastava olhar para os olhos de Émile, aqueles olhos cheios de lágrima que precisavam de uma resposta sincera.
— Talvez não pelo mundo — respondeu — porém, com toda certeza… Vai ser lembrada por mim.
Émile deu um sorriso e confirmou com a cabeça. Expulsou todo o ar que tinha em seus pulmões, num ato de coragem, entregou sua slinger para a Arya e levantou.
— O que você…
— Se algo acontecer comigo, dá a minha slinger pra algum dos meus irmãos, certo? Diz pra eles que eu amo eles! E pro pessoal da Carreta… Que o tempo foi curto, mas foi divertido.
— Émile, calma. Pensa bem no que você tá fazendo…!
— Eu pensei! Se eu não fizer nada… Nós duas vamos morrer. Mas se eu fizer algo, ao menos você tem a chance de sobreviver, não é? Então… — Olhou para frente e começou a correr, deixando Arya para trás.
Começou a correr entre o labirinto, fazendo o máximo de barulho que podia. Seu coração estava disparado e sua visão embaçada de lágrimas. Aquele tinha que ser o seu momento, o ato final, seu magnum opus. Émilie Antoinette Dayone estava escolhendo o próprio futuro.
“Mesmo que seja só para morrer… Tem algum propósito, né?! Não é sem sentido! Então… Então…!”
Quando ouviu o som de ar comprimido sendo liberado, e sentiu seu braço sendo perfurado por algo pontudo, ela sabia que chegou momento. Sua visão ficou escura, seu corpo ficou pesado. Não levou muito tempo para cair ao chão.
Foi um último segundo de consciência… Até fazer uma pergunta que não sabia responder.
“O que eu realmente quero pro futuro?”
Émile fechou os olhos sem um sorriso no rosto.
. . .
Essa é uma memória do dia anterior ao aniversário.
O grupo foi a um Shopping perto do hotel almoçar, e fazer as “Poucas compras” que Émile queria, além é claro de um celular de última geração novinho em folha, substituto do que foi destruído pelo quebrador de celular. O resultado foi sete sacolas de roupas diferentes e duas sacolas de outras coisas.
Estavam na mesa de um restaurante apenas Baret e Émile. Axel tinha saído para comparar algumas “ferramentas”, enquanto Quincas disse que iria ao banheiro.
Não estavam com assunto nenhum. Baret observava ao redor como uma boa guarda-costas faria, embora um sono de tédio estivesse começando a dominar sua mente. Já Émile mexia no celular, editando os vídeos que tinha feito durante o dia. Entediada com o silêncio, a guarda-costas decidiu puxar assunto.
— Então… Por que vídeos?
— Hm? — Émile não entendeu. — Como assim?
— Tipo, por que fazer vídeos? Sei lá! Pensei que todo artista tem uns super motivos para fazer o que faz. Só fiquei curiosa.
Émile pensou por um segundo. Abriu a boca para responder, fechou no mesmo momento. Desligou o celular, pensou mais um pouco. Foram longos e vergonhosos dois minutos de Baret e Émile se encarando.
— Acho que eu só gosto…? Tipo… Não exatamente. Eu gosto de câmeras, sabe? — Pegou o celular, e botou bem em frente ao rosto. — Nessa posição, eu consigo gravar exatamente o meu ponto de vista. O que meus olhos veem, a câmera também vê…. Então acho que é por isso. Gosto de mostrar o que eu vejo. É uma boa forma de expressão. Claro, tem vídeos que eu apareço na frente da câmera e outra pessoa grava por mim, mas os meus preferidos de fazer é quando eu gravo!
— Então tu gosta de gravar para mostrar suas perspectivas das coisas, é isso?
— É. É isso. Eu sei que sou riquinha e consigo viver um monte de coisas que a maioria das pessoas não consegue… Então eu queria mostrar, sabe? Pra todo mundo como a minha perspectiva das coisas; a minha vida.
— Bom, acho que esse ponto eu entendo, é só que… — Baret colocou a mão no queixo. — Você pode até mostrar a sua visão, mas… Não pode mostrar o que vê de fato, né não?
— Hm?
— Tipo… Ok, é meio abstrato… Mas tô falando que você pode até mostrar o que vê, mas não… O que você sente vendo aquilo? Por exemplo, se você mostra sua viagem num cruzeiro, algumas pessoas podem pensar “Que bonito”, “A meta”, enquanto outros vão pensar: “caralho que fascistinha rica privilegiada”.
Émile apoiou a cabeça em cima da mão e respondeu:
— É… sim. Acho que esse é um dos pontos da arte, não? Mostrar algo e deixar as pessoas sentirem o que quiserem.
— Acho que sim… Desculpa aí, não entendo de arte. Sou mais de números mesmo.
— Nah, foi válido! — Émile deu uma risada. — É a primeira pessoa a me perguntar isso, na verdade. Então eu tô feliz.
— Pera, sério? A primeira pessoa?
— Bom, já recebi umas perguntas assim na internet, mas em pessoa, vida real? Primeira vez. A maioria do povo da cidade alta é meio desconectado, preferem fazer os torneios de slinger, ler livro ou sei lá, pintar coisa. Isso quando não tão trabalhando. Então o que eu faço não é muito bem-visto como “arte”.
— Não consigo conceber um povo que não usa internet.
— Não é que a gente não usa… É só que o sinal é ruim. Então acaba sendo coisa de cultura.
— É, eu sei, eu sei. Bom, mesmo com a internet ruim, não acho que seria ruim ter uma mansão lá. Deve ser uma vida mó fácil.
No momento que falou isso, Émile deu um sorriso amarelo e desviou o olhar. Pareceu triste, desanimada. Baret certamente percebeu, pensou um pouco e falou:
— Eu toquei em algum ponto sensível?
— Não, não! — Émile voltou para realidade — É só… Err…
— Desembucha.
— Não é nada de mais. É um só um negócio que me pega, mas… Acho que você vai entender, mas já teve aquela sensação de que não sabia o que queria pro futuro? E tipo… Não só uma dúvida a curto prazo, e sim que você não sabe realmente o que queria da sua vida em si? Na verdade, acho que todo mundo ente…
— Não. Não entendo não — Baret respondeu sem hesitar.
— Sério? — Seus olhos abriram de surpresa. Émile pareceu quase indignada com a resposta. — Nunca sentiu isso?
— Nop. Sempre soube o que eu queria pra minha vida, sempre. — Cruzou os braços, e mudou o foco do assunto de volta para Émile. — Esse é o seu problema? Não sabe o que fazer?
— É mais… Desculpa ai, não queria desabafar com você nem nada. Não é seu dever como guarda-costas ouvir minhas coisas. Heheh, desculpe aí.
— Relaxa. — Baret deu de ombros. — Posso ser sua guarda-costas agora, mas você é gente boa. E ter uma amiga rica não me parece ruim. — Deu uma pausa, percebendo o que falou. — Pareci meio interesseira, né? Não era a intenção. Bom, é uma gunslinger também, mesmo que sem experiência de combate. Se você quer largar tudo, a Carreta ta sempre contratando mais gente.
— S-sério? Você deixaria?
— Claro, por que não? Uma companhia feminina seria bom. Sozinha, vou perder todos os meus neurônios com aqueles dois.
Baret deu uma risada. No fundo, achou que era apenas uma brincadeira e apenas imaginou “Como se ela fosse querer”. Mas Émile sentiu algo, uma batida no seu coração, uma espécie de chamado. Olhou para o celular em modo câmera e pensou consigo mesma.
“Não seria um futuro tão ruim.”
. . .
Quando ela abriu os olhos, foi uma surpresa.
“Não to morta”, ela iria dizer, no exato momento que recuperou consciência, se sua boca não estivesse coberta com fita adesiva. Ergueu a cabeça e olhou ao redor: uma sala vazia, com as paredes velhas e chão de madeira. As janelas estavam fechadas e tampadas com as cortinas. Toda iluminação vinha de uma lâmpada no teto. “Ainda”, complementou.
Estava sentada em uma cadeira de ferro, com as duas pernas presas a uma corrente de aço e as mãos presas a uma algema de titânio.
A situação era ruim. Mas um raio de esperança desesperado bateu em seu coração. Com a voz da mente, gritou: “pessoal, me ajuda…!”
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