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    Ao fim da tarde, com o sol começando a cair ao horizonte, nenhuma notícia tinha sido dada sobre o desaparecimento, sequestro, ou nada sobre Émile Dayone. Nada nos fóruns, nada nos sites ou canais de notícias. 

    Elliot estava sentado numa poltrona velha de um apartamento velho, scrollava pelo celular enquanto ouvia da TV as notícias mais recentes. Ramona estava no mesmo apartamento, sentada num canto mais afastado, lendo um livro qualquer. 

    — Nada — Elliot disse — já faz algumas horas, e nada. 

    — Vai ver a família está escondendo isso. É uma notícia que pode afetar o encontro diplomático, afinal — ela respondeu certeira, sem tirar os olhos de seu livro. 

    Fazia sentido. Elliot sabia disso, poderia levar um tempo até isso ter alguma notícia de Destroyer. Havia, entretanto, uma espécie de intuição que dizia que algo estava errado. Nenhum funcionário vazou algo de tamanha importância? Mesmo que eles escondessem esse fato, deveriam estar trabalhando com a força de guardas da comissão diplomática e da polícia de Romaniva. Quantas pessoas seriam? Nenhuma delas seria desonesta?  

    Tinha algo de errado nisso tudo, e ele tinha certeza desse fato. 

    — Quanto tempo você acha que vai levar para voltarmos ao QG principal? — Elliot questionou.  

    — Uns três dias, no mínimo. Pode não haver notícia, mas eles certamente estão procurando a gente. Por sorte a garota está quieta, não devemos chamar tanta atenção. Exceto se Destroyer jogue na roda as posições do esconderijo. Tsc, mas ela deve estar morta. 

    — Ainda não temos certeza. E ela nunca faria isso.  

    — Conter um gunslinger não é fácil. Ainda mais do tipo caótico como o dela. Mas um tiro na cabeça? Para isso, todo mundo morre.

    Elliot deu um suspiro. Ramona era assim mesmo, sempre falaria as coisas que mais deixariam o clima desconfortável, era apenas uma questão de aprender a se acostumar. Levantou da cadeira, foi até a cozinha do apartamento. Havia algumas comidas enlatadas: milho, ervilhas e carne. Pegou uma de cada tipo, um abridor de latas, uma colher e um copo d’água. 

    — Tá fazendo o quê? 

    — Ela deve estar com fome — Elliot respondeu, Ramona apenas fez uma cara de nojo e voltou a ler o livro. 

    Andou pelo pequeno corredor do apartamento. Era apertado, e a madeira velha rangia para cada passo que dava. Foi até o último quarto, virou a esquerda e abriu a porta. Teve que abaixar levemente a cabeça para conseguir passar. 

    Estava lá Émile: com os pés acorrentados e mãos presas por algemas,  fita adesiva bloqueando a boca. Fez uma cara de medo ao ver o homem entrando, sem falar uma única palavra e lentamente se aproximando. Elliot colocou todas as coisas numa mesa próxima, puxou um banquinho de madeira que havia ali e sentou-se, em frente a garota. 

    — Irei tirar a fita adesiva. Mas se gritar… — Moveu um pouco o casaco de couro, revelando o coldre com a slinger. — Já sabe. 

    Émile apenas confirmou com a cabeça. O homem botou um pouco de fé e escondeu a slinger novamente. Num movimento rápido, tirou a fita adesiva de forma que Émile sequer pode sentir ela sendo retirada. Ela respirou pela boca por alguns segundos, engoliu saliva a seco e olhou. Após tomar coragem…

    — O que… Você quer?

    — Você não teve oportunidade de almoçar. Imaginei que estava com fome. 

    — Vai realmente me dar comida… Depois disso tudo? 

    — Imagino como se sente. Não espero perdão, apenas não gostaria de te deixar passando fome. 

    Émile quase deu uma risada. 

    — Mas me matar é de boa, né?

    — Princípios e princípios — Elliot respondeu — vai querer ou não?

    Hesitou em responder qualquer outra resposta que não fosse não. Aquilo era mais do que humilhante, era assustador. Vai que desenvolveria Estocolmo? Não é mentira que estava com fome, estava passando mal de fraqueza até, com a visão escurecendo pouco a pouco. 

    Tentou arranjar uma desculpa. 

    — Não consigo comer com mão presa. 

    — Não irei te libertar — informou — irei dar na sua boca, se permite. 

    Iria dizer um não na hora. Naquelas circunstâncias, era impossível concordar. Quando abriu a boca, seu estômago roncou tão alto que até mesmo Ramona poderia ter ouvido. Ficou vermelha. Engoliu todo o orgulho para poder engolir um pouco de comida, disse:

    — Um de carne e um de milho, por favor. 

    — É para já. 

    Elliot pegou as duas latas e as abriu com rapidez. Dava uma colherada na lata de carne, e com cuidado, dava na boca de Émile que mastigava aos poucos. A comida não era a melhor que já comeu, ousaria dizer que estava ruim, mas já era um alívio conseguir comer alguma coisa. 

    — Água. 

    Elliot assim o fez, deu um gole de água para Émile. 

    Não havia perversão do lado dele, ou malícia. Isso não diminuia o medo que Émile estava sentido, cada colherada de comida que era colocada em sua boca lhe dava um coração acelerado, prestes a explodir. Os olhos vazios eram o que mais a incomodava. Ele parecia… pensar em algo. Algo que não podia descrever ou prever. 

    Ao término da alimentação, Émile tomou coragem. 

    — O que vai acontecer comigo?

    — Não sei — respondeu sem hesitar — não sei quem é o cliente que pediu sua captura. Mas fizeram o pedido de ser capturada com vida. Tenho as seguintes teorias: a primeira é que Benzaiten fez o pedido apenas para desestabilizar seu irmão durante as negociações, e irão te libertar depois. A segunda, é de alguém que quer cobrar um resgate. Ou é claro… Pode ser alguém queira fazer algo de ruim com você. A missão da Wild Hunt é apenas te capturar. 

     Émile tremeu. Tremeu com a ideia da terceira possibilidade. A Water Inc., os Dayone; tinham inimigos. Sempre soube disso, mas viveu sua vida toda em segurança, alheia a essa possibilidade. Morte talvez fosse um destino brando, e essa ideia era assustadora. 

    — Se quer minha opinião… — Elliot levantou-se, colocou latas de comidas, copo e colher numa mesa. Pegou o rol.o — O primeiro é o mais provável. Precisa ir ao banheiro?

    — Não. 

    — Certo. Irei colocar a fita adesiva, mantenha a boca fechada. Com licença. — Cortou um pedaço de fita e a colou na boca de Émile. — Volto em uma ou duas horas para ver como está. 

    Saiu pela porta, deixando a garota sozinha. 

    Voltou a sala de estar onde Ramona estava e continuou conferindo as notícias. Cerca de vinte minutos depois, alguém bateu na porta. Ambos ficaram surpresos. E quando ouviram:

    — É a Pizza!

    Ficaram alertas. 

    — Pediu pizza? — Elliot perguntou. Ramona não respondeu, fechou o livro, pegou sua slinger e apontou para a porta. Elliot preferiu evitar uma morte de um inocente. Tentou mudar um pouco o tom da voz, tentando parecer com outra pessoa. — Apartamento errado!

    — Nana nina não! Ta bem colocado aqui: “entregar para os membros da Wild Hunt, caso queiram recuperar a garota maluca”. 

    Uma surpresa. Elliot correu até a porta e abriu, apenas para ver uma caixa de pizza no chão. Olhou para o lado, e viu um homem calvo correndo com toda velocidade para fora do prédio. 

    “Um mensageiro” Pensou. 

    Pegou a caixa, e a abriu: não havia pizza nenhuma. Havia somente duas coisas: Uma foto de Destroyer algemada, no verso “Ligue para 712-122-520” e um celular descartável; aqueles que só eram usados para ligar para amantes e para usar no crime. 

    — O que é isso?

    — Uma forma de comunicação dos guarda-costas de Émile. Como imaginei… Eles estão com Destroyer. — Pegou a foto e mostrou para Ramona. — Me pergunto como acharam nossa localização. Fomos descuidados?

    — Tsc… Vou pegar a garota, vamos sair logo. 

    — Espere. Irei ligar para o número. 

    — Com esse celular? Eles podem ter usado alguma bateria explosiva, e quando liga para algum celular, explode, matando quem usou. 

    — Se fizessem isso, colocariam a vida de Dayone em risco. — Abriu o celular, digitou o número. — Irei ligar. 

    O som de chamada durou alguns segundos, até finalmente ser aberto. Havia uma voz feminina na linha. 

    — Coloque Émile na linha. 

    — Farei isso se vocês colocarem Destroyer logo em seguida. — Exigiu. 

    — A única coisa que ela faz é gritar “Neuro Divergente”. Não vou correr esse risco. Agora, eu não tenho garantia nenhuma de como Émile está, então coloque ela no telefone. Agora. 

    Elliot preferiu não argumentar. Sabia muito bem que ninguém poderia inventar algo desse tipo em relação a Destroyer. Quase riu. 

    — Entendido. Me de um minuto. 

    Andou até o quarto que Émile estava. Entrou. Ela estranhou ele chegar tão cedo, mas quando tirou a fita adesiva de sua boca e colocou o celular perto do ouvido de Émile, ela logo entendeu. 

    — … O-oi?

    — Émile?

    — Ba…?! — Uma felicidade genuína surgiu em seu peito, mas foi logo cortada. 

    — Não fale o meu nome. Agora, como você tá? Estão te maltratando?

    — Não, eu tô bem. Ele acabou de me dar comida. 

    — Certo. Escute: iremos te tirar dai, ok? Você vai estar segura em uma questão de horas. Segure firme. 

    — Tudo bem… Eu confio em vocês. 

    Elliot tirou o celular do ouvido no mesmo momento. 

    — Você ouviu ela, Baret. Agora me diga: o que você quer?

    — É meio óbvio, não é? Eu irei negociar a slinger da garota “Destroyer” pela libertação da Émile, mas parece que ela importante para você. Até me disse que não iria entregar um amigo. Que fofo, não?

    — Vá direto ao ponto.

    — El gato rojo, conhece?

    — Naturalmente. Foi onde seus colegas arrumaram briga. Está querendo fazer a negociação aí?

    — Não. A negociação está acontecendo agora. Lá vai rolar a troca de reféns. Você vai trocar a Émile pela Destroyer. Nenhum de nós tem algo a perder com isso. Me parece justo, não é?

    — Justo até o ponto de você estar escolhendo o local. 

    — Um local que sou tretada com uma dona que só liga para dinheiro. Público o suficiente para não rolar nenhuma gracinha

    — Como posso ter certeza que vai cumprir sua parte do combinado?

    — Não vou brincar com a vida da minha empregadora. Agora, me escute bem: se a Émile chegar com um arranhão sequer, ou se ela não chegar… Eu vou garantir que a Destroyer nos dê todas as informações que precisamos. Pois afinal… Temos um gunslinger que consegue ver memórias. 

    — Qual o horário?

    — As vinte e seis horas. Em ponto. 

    — Estarei lá. 

    Baret desligou o telefone. Elliot fechou, botou a fita adesiva novamente em Émile e voltou até a sala. Pegou o celular próprio, ligou para um local. 

    — Boa noite. Eu gostaria de uma pizza, tamanho pequeno, de coração e de calabresa. — Ramona estranhou tudo aquilo. — Entrega, isso. O pagamento vai ser em dinheiro. Tem um detalhe: preciso disso para agora, e se possível, o entregador deve entrar no prédio, tem problema? Obrigado. Irei enviar a localização.

    Desligou a chamada. 

    — Vou pegar Destroyer de volta. Prepare Émile para ser transportada, vou precisar do seu suporte. 

    — Quem disse que eu vou te ajudar? — Ramona cruzou os braços. — Aquela garota não vale nada. 

    — Eles ameaçaram averiguar as memórias dela com o feitiço de um gunslinger

    — Não é óbvio que é um blefe? Devem ter torturado ela para pegar a informação. 

    — E se não for? Teremos que lidar com a polícia no QG principal. Como Raimunda vai reagir a isso? Prefiro não arriscar. E Destroyer… Nunca iria dar uma informação. É esse tipo de pessoa que ela é. 

    — Se eles têm um gunslinger que conseguem ver memórias, já devem saber onde está o QG. 

    — Também é possível. 

    — Então por que está fazendo tudo isso? Não vale o risco. 

    Elliot tirou de um armário um instrumento: um kit de tirar sangue de um ser humano e armazenar. — Não planejo falhar. Irei recuperar Destroyer, fazer a troca de reféns e pegar Émile de volta. Sem perder ninguém dessa vez. Sem deixar testemunhas, não muitas, pelo menos. 

    — Tsc… O que precisa que eu faça?

    — Apenas prepare ela para a se locomover. E esteja pronta para um combate. 

    — Certo.

    — Inclusive… Tem algum tranquilizante sobrando?

    Ramona ergueu a sobrancelha. Colocou a mão no bolso e tirou um fraco de tranquilizante e uma seringa, jogou ambos para Elliot que pegou com reflexos afiados. Após trinta minutos, ouviram a porta bater. 

    — É a pizza!

    Elliot foi atender, abriu a porta com a seringa em mãos.

    — Deu quarenta cré… — Antes de terminar a frase, sentiu uma seringa perfurando o seu pescoço e um líquido estrangeiro entrando, sua visão ficou turva e em menos de um segundo, caiu no chão desmaiado. Elliot pegou o entregador num braço e a pizza em outro. Colocou o homem em uma cadeira e perfurou seu pulso com o instrumento de coleta de sangue. 

    Ramona apenas o olhou a distância, não sabia se tinha pena do entregador ou um fascínio por Elliot, um verdadeiro vampiro. 

    Ele era um homem misterioso. 

    Mas se tinha algo que sabia dele…

    É que Elliot nunca deixa alguém para trás.

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