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    “Você é o único insensível,” Kirielle resmungou. “Você prefere ajudar um estranho que conheceu há uma semana do que sua própria irmãzinha. E eu sou grata, só-”

    “Então seja legal e espere,” Zorian a interrompeu, baixando com cuidado o caracol em sua mão. Com certeza não iria treinar mais hoje. “Ele estará aqui em breve. Se você quer algo para fazer, solte o caracol de volta no jardim.”

    “O quê? Sem chance!”

    Zorian levantou uma sobrancelha. “Você não defendia a liberdade disso?”

    “Bem, sim, mas não vou tocar nisso nem nada. É viscoso e nojento.”

    Zorian revirou os olhos e colocou o caracol em uma pequena caixa ao seu lado. Ele iria soltá-lo mais tarde. Um som de porta abrindo sinalizou a chegada de Kael.

    “Estou aqui,” Kael disse. “Não estou atrasado, espero?”

    “Como você sabia que ele estava vindo?” Kirielle perguntou desconfiada, virando-se para Zorian.

    “Feitiços de alarme,” disse Zorian com desdém. “E não, Kael, você não está atrasado. Embora Kirielle estivesse impaciente como sempre. De qualquer forma, você disse que precisa da minha ajuda para acompanhar o currículo do 3º ano, certo? Em qual parte você precisa de ajuda?”

    “Sendo sincero, não sei,” Kael disse. “Como eu disse, minha educação foi um tanto irregular, então, embora saiba um monte de coisas, há coisas que os magos formais treinados dão como certo que nem mesmo estou ciente. Por que você não me dá uma breve visão geral de seus dois primeiros anos e veremos para onde ir a partir daí? Ilsa disse que vai me testar daqui a três meses, então há muito tempo para trabalhar.”

    Zorian deu a sua irmã um olhar conhecedor, mas ela evitou seus olhos. Ele tinha certeza de que Kael sabia muito bem quais eram suas deficiências, mas Kiri provavelmente pediu para jogar junto com ela, fingindo ampla ignorância sobre magia. Ele não sabia mesmo por que ela era tão inflexível em aprender magia agora, em oposição a mais tarde, em um ambiente escolar adequado.

    Sendo honesto, por mais que se importasse com sua irmã e gostasse de Kael, não levaria Kirielle com ele para Cyoria com muita frequência. Ele passava a maior parte do tempo em casa lidando com Kirielle, Imaya ou Kael (e algumas vezes Kana), deixando pouco tempo para seu estudo pessoal. De forma relativa, claro — Kirielle já reclamou que ele passava muito tempo estudando e pouco se divertindo ou dando atenção a ela.

    Mas considerando todas as coisas, poderia pegar leve de vez em quando. Ele poderia reservar algumas horas para ajudar Kael a estudar para seu teste, mesmo que nunca vivesse para fazê-lo durante o loop temporal, e se Kirielle quiser ouvir, e daí?

    Ele deu a ambos uma breve explicação dos dois primeiros anos na academia. Em termos de magia, a maior parte do primeiro ano foi gasta ensinando aos alunos como usar seu núcleo mágico, na maior parte fazendo-os ativar vários objetos mágicos. Havia até uma aula do primeiro ano chamada Operação de Itens Mágicos, que era exatamente o que dizia no título. 

    Eles também trabalharam em sua memorização fazendo seqüências cada vez mais complexas de gestos e cantos mostrados a eles pelos professores, uma prática para estudo posterior de invocações. 

    O resto era teoria: introduções a várias tradições e disciplinas mágicas, aprendendo como entender os fundamentos da linguagem ikosiana, biologia, história, geografia, direito e matemática. Nem tudo era só relacionado à magia, mas- espere, quem é?1

    “Teremos que adiar isso por enquanto,” disse ele, olhando para a porta. “Alguém está-“

    Antes que pudesse dizer qualquer coisa, a porta se abriu e Taiven invadiu seu quarto da maneira agressiva de sempre. Ela logo examinou a sala e de imediato caminhou em direção a ele quando o notou.

    “…vindo aqui,” Ele terminou com um longo suspiro de sofrimento.

    “Barata!” ela exclamou animada. “Você é apenas o homem que eu… espera, estou interrompendo alguma coisa?”

    “Sim?” Zorian tentou.

    “Não importa, só vai levar um minuto,” Ela enfiou um jornal na cara dele. “Você viu isso?”

    Ele suspirou e arrancou os jornais da mão dela para colocá-los sobre a mesa. Pronto, agora podia realmente ver sobre o que ela estava falando. Vamos ver…

    Aluno da Academia Mata Oganj!

    Ontem de manhã, Zach Noveda chocou o mundo quando anunciou na frente de repórteres reunidos que matou Oganj, o temido dragão que aterrorizou o norte de Altazia por mais de um século. É óbvio que uma afirmação tão ousada requer provas adequadas, e o jovem herdeiro de Noveda com certeza entregou quando convocou o cadáver do dragão para inspeção. Oficiais da Aliança convidados para a ocasião confirmaram que o corpo quase certamente pertencia ao infame Terror do Norte, embora um exame mais aprofundado seja necessário antes que estejam dispostos a presentear Zach com a recompensa prometida por matar a besta…

    Zorian leu o artigo em silêncio de pedra. Ele tinha uma vaga ciência de Kirielle e Kael olhando por cima do ombro para que pudessem ver o que cativou sua atenção assim, mas não deixou que isso o distraísse.

    Foi esse o motivo de todos aqueles reinícios curtos? Porque Zach queria matar um dragão? Zorian não tinha certeza do que pensar sobre isso. Por um lado, o dragão mago era uma ameaça, e matá-lo era um feito impressionante. 

    Por outro, parecia uma perda de tempo e esforço — o que Zach ganhou mesmo com isso, além da experiência de combate? A magia dos dragões não tinha utilidade para os humanos, e Zach já era tão rico que não ganharia muito com o tesouro de Oganj.

    Seja qual for o jogo que Zach estava jogando, Zorian não conseguia descobrir. Ou o outro viajante do tempo apenas fez o que lhe veio à cabeça em um determinado momento?

    “Ei, Barata, você foi para a aula com esse cara, certo?” Taiven cutucou depois de um tempo.

    “Sim,” ele confirmou. “Ele deveria estar na minha classe este ano também, mas não apareceu quando as aulas começaram.”

    “Ele fugiu de casa,” disse Taiven. “Houve um escândalo recente sobre isso há uma semana. Eles perguntaram sobre isso no artigo, mas ele meio que se esquivou da pergunta.”

    Zorian assentiu. Zach apenas disse aos repórteres que teve um grande número de desentendimentos com seu ex-guardião e se recusou a entrar em detalhes. Havia uma história interessante ali, Zorian tinha certeza, mas se os jornais não tivessem conseguido desenterrar algo sobre a coisa toda, então Zorian com certeza não conseguiria muito enfiando o nariz onde não pertencia.

    Zach também disse aos jornais que pretendia voltar para a escola por alguns meses quando foi questionado sobre seus planos imediatos. Ótimo. Ele teria que ficar quieto durante os próximos reinícios, até que Zach se cansasse da academia mais uma vez.

    “Oganj não é o dragão que aniquilou um exército enviado para matá-lo?” Kirielle perguntou. “Ou a mãe apenas tentou me assustar?”

    “Um pequeno exército, e Oganj o atraiu para uma armadilha,” disse Kael. “O general parecia pensar que Oganj esperaria em seu covil enquanto o exército se aproximava. Em vez disso, o dragão decidiu fazer algo a respeito antes que chegassem a ele. Ele esculpiu runas explosivas nas paredes de um desfiladeiro e atraiu o exército para dentro. A única razão pela qual alguém sobreviveu é que alguns dos magos se teletransportaram antes que tudo desabasse sobre eles.”

    “E ouvi dizer que ele matou um dos Onze Imortais também,” disse Taiven. “Então, como diabos esse tal de Zach matou a coisa? Ele é algum tipo de lenda ou o quê? Por que você não me disse que tinha esse tipo de cara na sua classe?”

    Zorian suspirou. Que diabos deveria dizer a ela?

    “Deixe-me colocar assim,” ele disse com cuidado. “Durante os primeiros dois anos, Zach teve problemas com quase tudo. Ele era um mago tão ruim que as pessoas não tinham certeza se passaria em sua certificação, e você sabe como isso é fácil.”

    “Isso… não faz sentido,” disse Taiven. “Mesmo que toda a coisa de matar Oganj seja algum tipo de truque, ele ainda convocou o cadáver de um dragão totalmente crescido. Mesmo eu não posso convocar algo tão grande ainda.”

    “Acho que tudo mudou durante as férias escolares,” Zorian deu de ombros. “De alguma forma, ele passou de um fracasso limítrofe a um gênio incrível entre o segundo e o terceiro ano.”

    “Isso é ridículo,” Taiven bufou. “Como isso funcionaria?”

    “Viagem no tempo?” sugeriu Zorian de forma descarada.

    “Como eu disse, ridículo,” Taiven rebateu de imediato. “Tem certeza de que ele não estava fingindo incompetência?”

    “Não tenho certeza de nada, Taiven,” Zorian disse. E realmente não tinha — mesmo após um ano inteiro preso dentro do loop temporal, ainda sentia que toda a situação era meio maluca. “E as poucas coisas que sei são tão insanas que você não acreditaria em uma palavra.”

    “Oh, agora só tenho que ouvi-las,” disse Taiven, cruzando os braços na frente do peito em desafio. “Vá em frente, só me conte.”

    “Diga, diga!” concordou Kirielle. Kael não disse nada, mas Zorian percebeu que ele também estava curioso.

    Hum. Ele poderia contar a eles sobre o loop temporal, mas mesmo que acreditassem nele, o que isso faria? Eles não eram mais qualificados para resolver esse mistério do que ele, e se saíssem contando essa história para as pessoas, poderiam revelar seu disfarce para Zach ou possíveis terceiros. Então, pensando bem, ele já contou a Haslush sobre a invasão, então já estava brincando com fogo neste reinício…

    Oh para o inferno com isso, como se eles acreditassem nele de qualquer maneira.

    “Se eu dissesse que Zach e eu somos viajantes do tempo revivendo este primeiro mês de escola de forma perpétua, e que um exército gigante de monstros e magos hostis invade a cidade durante o festival de verão, o que vocês diriam?”

    Taiven ergueu a sobrancelha para ele.

    “Bem, continue,” Zorian solicitou.

    “Você está certo,” Taiven suspirou. “Eu não acredito em uma palavra disso. Então você está dizendo que as coisas que você sabe são tão insanas?”

    “No mínimo,” Zorian confirmou.

    “Huh,” Taiven disse em especulação. “Parece interessante, mas você terá que me contar essas histórias outra hora. Eu segurei você tempo suficiente, eu acho. Vejo você por aí, Barata!”

    Zorian observou como Taiven saiu antes de voltar para Kael e Kirielle. “Então. Vamos continuar de onde paramos?”

    Ambos permaneceram em silêncio, olhando para ele.

    “Hum,” ele disse. “Por que vocês estão me olhando assim?”

    “É verdade?” Kirielle perguntou com medo. “Você é um viajante do tempo de verdade?”

    Zorian abriu a boca e fechou-a de novo. O que?

    “Sua amiga pode ser muito alheia para reconhecer uma resposta formulada como hipotética, mas nós não somos,” Kael elaborou. “Você acredita mesmo nisso, não é? Que você é um viajante do tempo?”

    “Eu… sim. Se for uma ilusão, é muito convincente,” Zorian disse com cuidado. “As magias que aprendo em cada iteração deste mês são transferidas para o próximo. Insanidade não dá à vítima feitiços e habilidades de modelagem.”

    “Eu não entendo,” Kirielle reclamou.

    “Eu também, Kiri,” Zorian suspirou. “Eu também.”

    “Talvez você deva explicar desde o início?” Kael sugeriu com paciência. “Diga-nos o que você entende.”

    “Eu vivi este mês antes,” disse Zorian depois de tomar um momento para organizar seus pensamentos. “Na primeira vez, antes de saber sobre o loop temporal, não trouxe Kirielle comigo para Cyoria.”

    “O quê!?” protestou Kirielle. “Zorian, seu idiota!”

    “Eu morava em um dos apartamentos fornecidos pela academia e ia às aulas normalmente,” disse Zorian, ignorando-a. Ele olhou para Kael. “Você também, mas eu não te conhecia então. No entanto, tivemos um colega de classe extra.”

    “Zach?” Kael adivinhou.

    “Sim,” Zorian confirmou. “Ao contrário dos dois anos anteriores em que compartilhei uma aula com ele, desta vez ele era incrível. Resolveu todos os testes com perfeição, dominou centenas de feitiços e era bom o suficiente em alquimia para impressionar você, de todas as pessoas.”

    Kael ergueu suas sobrancelhas para ele.

    “Sim,” Zorian assegurou. “Foi como se ele tivesse uma transformação completa durante as férias de verão. Na época não me importei muito — estava curioso para saber como ele conseguiu, mas não era da minha conta me intrometer. E então veio o festival de verão e tudo foi para o inferno. Feitiços de artilharia desceram do céu sobre a cidade, e um exército de monstros os seguiu. 

    Enquanto corria pela cidade em chamas, testemunhei Zach lutando contra os invasores. Ele lançava feitiços de alto nível como se fossem doces, lutando com uma habilidade que nenhum aluno do terceiro ano poderia possuir. Ele se saiu muito bem no começo, mas então um lich chegou ao local e o destruiu.”

    Ele parou por um momento para considerar suas próximas palavras, mas Kirielle claramente não queria esperar tanto.

    “E depois?” Kirielle perguntou. “O que aconteceu depois?”

    “O que mais?” Zorian zombou. “Nós morremos. O lich lançou algum tipo de feitiço estranho em nós — um feitiço necromântico, segundo me disseram — e fomos mortos instantaneamente.”

    “Então, como você voltou no tempo?” perguntou Kirielle desconfiada.

    “Eu não faço ideia. Tudo o que sei é que de repente estava de volta à minha cama em Cyoria, com você me desejando um bom dia do seu jeito único e encantador. A princípio pensei que fosse algo que o lich fez, mas logo descobri que não era uma ocorrência isolada. Toda vez que eu morro, ou no final do festival de verão, minha alma é transportada de volta para aquela manhã em Cirin antes de pegar o trem para Cyoria.”

    1. ficou estranho, mas no original tá assim

    Nota