Capítulo 24 – Fumaça e Espelhos (3/3)
por 444.EXE* * *
Todo o confronto saiu surpreendentemente bem, Zorian refletiu. Claro, Imaya o evitava desde então e Kirielle dava olhares estranhos a ele, mas nenhuma delas estava com medo dele ou algo assim — apenas com um leve desconforto. Elas estavam recebendo a revelação muito melhor do que ele havia previsto.
E então, é claro, havia Taiven, que parecia não incomodada com a admissão de Zorian que ele estava aprendendo a ler os pensamentos das pessoas.
“Você está pronto, Barata?” Ela perguntou, girando seu cajado de combate na mão.
“Estou pronto, sim,” Zorian assentiu, segurando seu bastão de feitiço com mais força.
Se soubesse alguma coisa sobre como Taiven pensava — e ele sabia – ela iria direto para a ofensiva. Sua filosofia de batalha se resumia a atacar forte e você não terá que defender para começar… embora ela pudesse defender também, se pressionada. Ele não tinha como vencer uma luta prolongada com ela, mesmo que fosse um mago com melhores técnicas, então teria que recorrer à trapaça se quisesse prevalecer aqui.
Seria bom se ele pudesse obter uma vitória contra ela — seu rosto quando ela perdeu contra o velho Barata estava fadado a ser absolutamente glorioso de se ver.
Em um piscar de olhos havia 5 mísseis mágicos mirando nele. Ele os deixou baterem de forma inútil contra seu escudo e respondeu com um feitiço elétrico um tanto exótico. Um feixe de eletricidade disparou em direção a Taiven, que ergueu um escudo básico para recebê-lo.
A meio caminho de seu alvo, o feixe se dividiu em três feixes menores — um girou para a esquerda de Taiven, o outro para a direita e o terceiro logo acima dele. E então todos eles mudaram seus caminhos de novo e colidiram contra ela de três direções diferentes, contornando o escudo na frente dela por completo.
Não foi o suficiente. De alguma forma, Taiven conseguiu fazer uma transição suave de um escudo de direção única para uma égide completa antes que os feixes conseguissem alcançá-la. Zorian jogou algumas bombas de fumaça ao redor do salão de treinamento para cegá-la, contando com seu sentido mental para dizer onde ela estava, e começou a lançar um feitiço complicado que não estava gravado em sua varinha de feitiço no momento em que sua localização foi obscurecida pela fumaça.
Taiven respondeu lançando várias rajadas de vento para dispersar a fumaça e, com sorte, pegá-lo na área de efeito também. Ela tinha acabado de despojá-lo de sua cortina de fumaça quando ele terminou o feitiço e sentiu suas reservas de mana quase esgotarem-se.
‘Se isso não funcionar, então acabou’, Ele pensou.
Um raio brilhante de força concentrada disparou de sua mão e atingiu o escudo de Taiven. O escudo brilhou no ponto de impacto, estilhaçando-se quase no mesmo instante, e Taiven foi erguida pelo impacto e jogada violentamente contra o chão. Ela não se levantou, inconsciente pelo impacto.
“Opa,” Zorian disse com calma. “Acho que exagerei um pouco — isso poderia facilmente tê-la matado se as proteções não tivessem funcionado direito.”
Depois de lançar algumas adivinhações para ter certeza de que ela estava bem e sem sangramentos internos ou algo assim, Zorian se permitiu sorrir. Ele teria que trabalhar em sua contenção, mas foi uma vitória. E ela não tinha sido mais gentil com ele em suas lutas anteriores, então ela não tinha o direito de reclamar de força excessiva. Ele mal podia esperar para ver o rosto de Taiven quando ela acordasse.
* * *
“Vamos lá, Barata,” Taiven resmungou. “Encontre aquelas suas aranhas para que possamos terminar esta missão. Já estou ficando enjoada deste lugar.”
Zorian suspirou e voltou a se concentrar em escanear os arredores. Isso seria mais rápido se Taiven parasse de brigar com ele com tanta frequência — fale sobre ser uma má perdedora.
“Ei,” uma voz masculina sussurrou no ouvido de Zorian, tirando-o de seus pensamentos. “O que aconteceu entre vocês para deixá-la tão incomodada, afinal?”
Zorian olhou para Grunhido e considerou como responder por um segundo. Ele decidiu ser franco e verdadeiro.
“Eu a venci em uma luta,” disse ele. “Ela acha que eu trapaceei.”
Grunhido deu a ele um olhar pensativo. “Você venceu Taiven em uma luta? Você não é do terceiro ano?”
“Claro que sou,” Zorian concordou, antes de notar uma presença familiar em seu mapa mental. “Oh, ei, lá estão elas.”
Depois que as apresentações iniciais foram feitas, Taiven logo mudou para o motivo pelo qual eles estavam nos túneis em primeiro lugar, apenas para ficar desapontada.
“Então vocês não estão com o relógio?” perguntou Taiven.
“Infelizmente, acredito que o próximo grupo de atacantes conseguiu invadir nosso tesouro e escapou com muitos de nossos artefatos… o relógio que reivindicamos do ladrão está entre eles,” A matriarca disse com pesar. “Eu sei onde fica a base deles, no entanto.”
Isso tudo era um monte de besteira, Zorian sabia. O relógio estava de fato em outro lugar — para ser mais específico, em um dos postos avançados que os invasores usavam para lançar ataques contra as araneas — mas estava lá porque as araneas o colocaram lá. A ideia era que Taiven e seu grupo tropeçassem no posto avançado, percebessem que se depararam com algo grande — maior do que poderiam suportar — e então denunciassem às autoridades.
Era trabalho de Zorian garantir que Taiven e seu grupo sobrevivessem ao encontro com os invasores.
“Que conveniente,” Zorian zombou, “que pegar o relógio envolve eliminar um de seus inimigos no processo.”
“Uma feliz coincidência,” A matriarca disse com facilidade. “Afinal, todos nós ganhamos algo com isso — vocês obtêm a localização do relógio de graça e eu consigo lidar com um dos meus problemas sem arriscar minha Teia. Agora… vocês querem a localização da base ou não?”
“Quem são esses seus inimigos, afinal?” perguntou Taiven.
“Não tenho certeza,” A matriarca disse. “Os atacantes consistiam em um mago controlando dois trolls de guerra, mas a base com certeza tem mais forças do que isso.”
“Trolls de guerra!?” Taiven empalideceu. “Inferno, isso é muito mais do que nos inscrevemos!”
“O cara definitivamente não está nos pagando o suficiente para confrontar alguns trolls de guerra com o apoio de um mago,” Murmúrio disse com calma.
“Talvez possamos dar uma olhada de qualquer maneira?” Zorian tentou. “Tipo, à distância? Posso ser capaz de dizer quantas forças existem no local.”
“Sim,” concordou Taiven depois de considerar as coisas por alguns momentos. “Sim, pelo menos deveríamos dar uma olhada. Sem ofensa para a matriarca aqui, mas um bando de caras correndo pelos esgotos com trolls de guerra domesticados soa um pouco… implausível. Talvez ela tenha visto outra coisa.”
“Suponho que seja possível,” A matriarca permitiu. “Na verdade, nunca vi trolls antes e não estava presente em pessoa1 quando o incidente ocorreu, mas eles pareciam muito com os trolls de que os humanos falam.”
“Certo,” Taiven assentiu. “Onde você disse que essa base era mesmo?”
* * *
A base não estava nos esgotos da cidade. Essa parte da Masmorra era um tanto patrulhada e monitorada, e teria sido impossível esconder uma grande massa de soldados ali por um período de tempo apreciável. Aliás, as araneas também não viviam nos esgotos, embora os considerassem parte de seu território. Em vez disso, tanto a base aranea quanto os vários postos avançados dos invasores estavam situados no que era conhecido pelas autoridades de Cyoria como a camada intermediária.
Não era muito raro que magos descessem para a camada intermediária, mas também não era uma ocorrência comum. A camada intermediária era muito perigosa para um passeio casual de um civil desarmado, mas principalmente desprovida de qualquer coisa valiosa que atraísse exploradores de masmorras e outros aventureiros. A cidade contratava mercenários para varrer o local a cada poucos anos e se livrar de quaisquer ameaças óbvias que tivessem estabelecido residência, e no geral eles também limpavam o local de qualquer coisa valiosa, deixando uma grande extensão de pouco valor. Para aqueles que queriam se desafiar contra os habitantes do Submundo e procurar riquezas no local, havia o Buraco e seu acesso direto a níveis mais profundos que não haviam sido limpos ao longo de décadas.
Os invasores escolheram bem o momento de sua invasão. A cidade estava tão focada no festival de verão e seus problemas associados que não prestou atenção ao que acontecia na masmorra. Isso normalmente não seria um problema tão grande, já que pouquíssimos problemas poderiam surgir do nada em poucos meses — ainda mais com pouca ou nenhuma indicação de que algo grande estava acontecendo — mas agora…
“Puta merda,” Taiven sussurrou, espiando por trás de sua cobertura para olhar para o acampamento de novo. “Eles têm um maldito exército lá!”
“Abaixe-se, sua idiota,” Grunhido rosnou para ela, puxando-a para trás da pedra que eles usavam como cobertura. “Você quer que eles te vejam? Se eles nos notarem, estamos mortos. Deve haver pelo menos cem trolls lá embaixo e pelo menos 20 manipuladores2.”
“Desculpe,” disse Taiven. “É só… tão irreal.”
Zorian teve que concordar. Ele esperava por isso e ainda estava surpreso com a escala do que viam. Então, pensando bem, foi por isso que a matriarca escolheu essa base específica entre as 12 ou mais que ela conhecia. As outras eram menores e muito mais bem escondidas, mas esta base em particular estava situada em uma grande caverna aberta e tinha iluminação artificial suficiente para que um observador humano pudesse ver todo o acampamento sem problemas de uma posição alta o suficiente… como a que eles usavam, por exemplo. Na verdade, o ponto de vista que eles usavam era quase perfeito para observar o acampamento.
‘Hmm, eu me pergunto…’
Ele em silêncio passou os dedos pelas paredes do túnel que os trouxe até aqui. Eram irregulares, mas suaves. Muito suaves para serem naturais. A rocha que utilizavam como cobertura também.
‘Parece que isso foi ainda mais armado do que eu pensava,’ pensou Zorian. ‘Aposto que uma das magas aranea fez este túnel apenas para que pudéssemos encontrar esse lugar. Isso explicaria porque ninguém parece estar prestando atenção a essa entrada em particular, mesmo que as outras duas estejam guardadas — eles nem sabem que ela existe.’
Bem, tanto faz — hora de fazer sua parte nesta farsa. Ele puxou um espelho de sua mochila e em silêncio lançou um feitiço de vidência nele. A base tinha uma proteção de adivinhação, é claro, mas foi baseada na ideia de impedir que as pessoas percebessem que a base estava lá para começar. Como Zorian sabia que o acampamento existia e onde estava, e estava próxima, toda a proteção era quase inútil contra ele.
Após 5 minutos observando o acampamento através do espelho, Taiven decidiu que já tinha visto o suficiente e fez sinal para que ele cancelasse o feitiço.
“Vamos,” disse ela. “Quero sair daqui antes que nossa sorte acabe.”
Eles quase conseguiram sair sem complicações. Quase.
Quando os quatro se aproximaram de um dos selos entre os esgotos e as camadas mais profundas da masmorra, de repente ficaram cara a cara com uma dupla de magos encapuzados flanqueados por 4 trolls. Por um momento, os dois grupos pararam e tentaram entender o que estavam vendo, nenhum dos grupos esperando de verdade tropeçar um no outro. Zorian notou com aborrecimento que sua presença mental estava de alguma forma silenciada — sem dúvida uma contra-medida contra as araneas — e se amaldiçoou por pensar que seus oponentes não teriam alguma maneira de lidar com o sentido mental.
O impasse foi quebrado quando um dos magos ordenou que os trolls atacassem.
Nem Taiven nem seus dois companheiros de equipe hesitaram quando se depararam com quatro trolls de guerra atacando-os, levantando seus cajados para explodir os atacantes antes que eles pudessem atacá-los. Zorian decidiu manter os magos ocupados e disparou um pequeno enxame de quatro mísseis perfuradores, dois para cada mago.
Várias coisas aconteceram ao mesmo tempo. Um dos magos parou qualquer feitiço que estava lançando e ergueu um escudo para rebater com sucesso os mísseis que vinham em sua direção. O outro era menos habilidoso e se atrapalhou com o escudo — os dois perfuradores o atingiram direto no peito e ele caiu em uma chuva de sangue. Grunhido e Murmúrio usaram lança-chamas rápidos para deter o ataque dos trolls, mas enquanto três dos trolls se esquivavam das chamas, o troll maior e mais bem armado avançou, um pouco atordoado, mas ileso.
Taiven atingiu todos eles com um aríete de força, com a intenção de derrubar todo o grupo e dar-lhes algum espaço, e na maior parte conseguiu — os três trolls em recuperação e o mago sobrevivente foram lançados mais fundo no túnel e longe deles, mas aquele troll na frente manteve sua posição.
Ele ergueu sua enorme maça de ferro para um ataque aéreo e gritou um desafio, seu grito cambaleando-os como um golpe físico, agindo quase como uma versão menor do aríete que Taiven acabou de lançar. Estranho, Zorian sempre pensou que os trolls não tinham magia além de suas absurdas capacidades regenerativas.
Ele não teve tempo para pensar nisso, no entanto, já que o troll aproveitou de imediato a distração que causou e avançou.
Zorian ergueu um grande escudo na frente do grupo de forma frenética, tentando ganhar tempo. Infelizmente, ao contrário dos outros trolls que Zorian lutou nos reinícios anteriores, este era muito inteligente para apenas colidir com o escudo. Ele esmagou sua maça no escudo com grande força — uma, duas, três vezes. O escudo quebrou e o troll o chutou no peito, catapultando-o para trás, onde ele colidiu com Grunhido e Murmúrio e interrompeu tudo o que eles estavam prestes a lançar.
Taiven, por outro lado, conseguiu terminar seu feitiço. Um vórtice de fogo avançou, acabando com o mago sobrevivente e os outros três trolls que estavam se movendo para ajudar seu camarada, mas deixando o troll líder apenas chamuscado.
E muito, muito bravo.
“Merda,” Taiven disse em voz baixa, enquanto o troll levantava sua maça para um golpe mortal.
Mesmo sabendo que a morte dela não seria permanente, mesmo sabendo que havia uma chance disso acontecer quando ele concordou em participar desse plano, Zorian ficou completamente horrorizado com a ideia de assistir Taiven ser esmagada até a morte. Morta por causa dele e de suas tramas e esquemas…
Ele alcançou a mente do troll e notou que não estava mais sendo silenciado — enquanto o feitiço de Taiven falhou em incinerar o troll, parecia ter queimado tudo o que o protegia da magia mental. Em vez de tentar qualquer tipo de ataque sofisticado, ele apenas o inundou com bobagens sem sentido, explodindo sua mente com telepatia aleatória.
O troll se encolheu em choque e teve um espasmo, parando o ataque e deixando cair a maça que segurava. Zorian imediatamente jogou dois cubos explosivos a seus pés.
“Taiven, volte!”
Ela não precisou ser avisada duas vezes, saindo de seu torpor no mesmo momento e se arrastando para trás fora do alcance do troll. Zorian ativou as bombas assim que a julgou fora de alcance e o troll foi envolvido por uma explosão ensurdecedora.
De alguma forma, ainda sobreviveu. Ele estava ajoelhado, segurava a perna com dor e sangrava por toda parte, mas Zorian já podia ver sua carne se unindo.
Droga, o que havia com esse troll!? Era um super-troll ou algo assim?
E então dois feixes de gelo azul impactaram direto no peito do troll, cortesia de Grunhido e Murmúrio, e a criatura logo congelou e ficou imóvel.
“Está morto?” Ele perguntou.
“Eu não sei e não me importo,” disse Taiven. “Vamos sumir antes que encontremos outro.”
Zorian respirou fundo e estremeceu e assentiu com a cabeça. Então ele tentou dar um passo e estremeceu com a dor na perna. Ele podia andar, mas sabia que ia sentir dores pelo resto da semana.
‘É melhor que valha a pena, sua maldita aranha manipuladora,’ ele pensou por dentro.
* * *
[Então está tudo feito?] perguntou a matriarca.
Zorian agarrou o disco de pedra em sua mão com mais força. [Sim. Eu acabei de dizer isso, não disse? Por sorte, não houve vítimas reais, embora tenha sido perto. De muitas maneiras, nosso contato próximo com a morte funciona a favor do seu plano, já que Taiven está mesmo chateada com essas pessoas agora e determinada a levá-las à justiça. Ela vai relatar tudo amanhã às autoridades da cidade. Sendo sincero, espero que não tenha sido você quem providenciou para que tropeçássemos naquele grupo, senhorita Lança da Resolução, ou ficarei muito zangado com você.]
[Não se preocupe, não tive nada a ver com isso,] A matriarca assegurou.
[Certo,] Zorian suspirou. Talvez ele estivesse sendo paranóico, mas o comportamento da matriarca havia se tornado cada vez mais secreto nos últimos reinícios e ele não duvidaria que ela fizesse algo assim. [E você? Sua tarefa está concluída?]
[Sim,] a matriarca confirmou. [Entrei em contato com Zach e disse a ele que as araneas estão cientes do loop temporal.]