Capítulo 17 - O Melhor Homem
— Você é uma capitã valorosa. E uma linda mulher.
Martim não acreditava que tinha dito aquilo. Precisou de toda sua coragem para conseguir elogiar a capitã, principalmente depois do susto que levou antes, mas a recompensa que recebeu valeu o risco. Maria exibiu seu sorriso maravilhoso, a boca carnuda e vermelha se esticando de um lado a outro no rosto. Os olhos sorriram também, cintilantes, e ela tombou levemente a cabeça para o lado. Ela gostou.
Depois que se despediu, demorou para ouvir a porta se fechando atrás dele, o que significava que ela ficou parada por um tempo, observando-o. O pensamento o acompanhou até chegar ao salão da guarda. Estava leve e sorridente quando sentou-se para usufruir o pouco tempo que restava de seu intervalo.
— Martim, onde você estava? Faltou um jogador hoje. — Era Tomás, que sentava-se ao seu lado.
— Eu fui resolver umas coisas.
— Que coisas?
— Coisa minha. Nada de mais.
Tomás deu de ombros e não insistiu no assunto, parecendo desinteressado.
— Da próxima vez, faça o favor de avisar, pelo menos. Ficamos esperando.
Martim balançou a cabeça sem muito entusiasmo. Estava com a cabeça em Maria. Como se lesse sua mente, Tomás falou:
— Ah, outra coisa. Romena me perguntou sobre aquela sua amiga.
Seu coração deu um leve salto. Disfarçou e respondeu:
— Hã? Ah, sim, Maria! É amiga da minha irmã, eu nem conheço direito.
— Ela quer saber quando a gente pode sair juntos de novo. Ficou me enchendo o saco, na verdade. Elas se deram bem, pelo jeito.
— Ih, acho difícil. — Essa parte era verdade, mas precisou inventar o resto. — Ela estava visitando a Clara, mas acho que já deve ter saído da cidade, nem sei quando volta.
— Ah, tá! Bom, Romena vai ficar chateada, ela gostou da moça. Até que horas vocês ficaram na taverna, depois que saímos?
— Bem tarde, viu? Ela… Maria… estava animada.
— Sei, ouvi dizer. — Soltou um riso debochado.
— O que?
— Marcel me disse que ela saiu trançando as pernas. — Segurou uma garrafa invisível nas mãos e fingiu beber.
Sem querer demonstrar reação, Martim falou:
— Pois é. Eu precisei levá-la até a casa da minha irmã, coitada.
— Eu admiro, sabia? Uma garota que sabe se divertir, sem frescuras, sem ter muita vergonha. Acho atraente.
— Ô, Tomás! Deixa Romena ficar sabendo.
— Ué, Romena é assim também. Não foram poucas as vezes que ela perdeu a noção e bebeu demais. Além do mais, nessa hora elas ficam taradas. Meu amigo, é bom demais!
Martim acompanhou o riso do amigo, que aproveitou para provocar:
— A tal da Maria não ficou dando mole para você, não? Podia ter se dado bem, hein?
— Não, não. — Deu um sorriso sem graça. — Só a deixei na casa da minha irmã e fui embora.
— Ah, Martim, mas aposto que ela ficou doidinha para pegar o irmão da amiga. Um loirão alto, de olhos azuis, como você? Se até eu fico atraente quando a Romena bebe, imagina você.
— Cala a boca, Tomás! — Ele riu. — Já disse que não rolou nada, e nem ia rolar. Ela é amiga da minha irmã, porra!
— Sempre um cavalheiro. Por isso as mulheres ficam caídas por você, mas tu é cachorrão, que eu sei.
— Cachorrão nada, eu só pego gripe.
— Só porque quer. Se escutasse meus conselhos…
— Não faça isso, Martim. — Era Ricardo que chegava, falando alto. — Se vai ouvir alguém, ouça seu amigo que é poeta e sabe como conquistar mulheres. — Depois acrescentou, falando baixinho: — Esse sou eu, caso estejam se perguntando.
— Ih, olha quem chegou — disse Tomás.
— Do que estão falando?
— Daquela moça que Martim levou na taverna ontem.
— Ah, sim, Maria, doce Maria… — Ricardo levantou o rosto, fingindo olhar para algum passarinho voando ali por perto. — Mais doce do que um… prato de jiló. — Olhou para os dois. — Sério, me falaram que ela disputou uma competição de arrotos contra o Ulimar.
— Caramba! — Tomás soltou um riso. — E quem ganhou?
— O que importa? — respondeu Ricardo. — Eu até ia fazer meu jogo para cima dela, antes. Afinal, o cachorrão Martim só-pega-gripe deixou ela de lado a noite toda, coitada.
— Vai se foder, Ricardo!
— Mas depois, sei lá, o encanto se foi. Gosto de mulheres mais refinadas, como uma bela poesia.
— E você acha que ela ia te querer? — perguntou Tomás.
— Como é que eu vou saber? Amigos, o coração de uma mulher é o mais misterioso segredo que existe. Numa hora ela pode estar sentada no seu colo, cheia de chamego e, segundos depois, pode estar segurando uma faca contra suas bolas. Deus, eu adoro isso.
Martim riu. De fato, a imagem pintada por Ricardo se espelhava perfeitamente, quase literalmente, em Maria. Porém, não estava se sentindo confortável com os comentários dos amigos. Normalmente não ligava muito e até brincava junto, mas desta vez estava realmente incomodado. Resolveu mudar de assunto:
— E o torneio? Vocês vão entrar?
— Opa, como não? — respondeu Ricardo. — A grana da premiação é sempre generosa. E agora que eu estou melhorando na luta com espada, tenho até chances.
— Eu também, é claro — disse Tomás. — E você, Martim?
— Eu não sei…
Ricardo e Tomás trocaram olhares preocupados. Este último disse:
— Martim, vai lá, cara. Vai ser bom pra você.
— É, eu não sei…
— Não deixa eles te amedrontarem — disse Ricardo. — Na arena, é um contra um, pura habilidade.
— Eu sei, é que eu sou muito ruim com a lança. Não vou conseguir passar da primeira fase.
— André não pode te ajudar? — perguntou Tomás.
— Acho que sim. Ele até estava me ajudando, mas… — Lembrou-se que tinha insistido para não treinar mais com a arma. — Agora eu dei uma parada.
— Pense bem — disse Ricardo. — Eu acho que isso poderia te ajudar. A ter sua confiança de volta, conquistar um pouco de respeito… — Percebendo que entrava em um assunto delicado, mudou a postura. — Mas se não quiser, melhor para nós. É um a menos para disputar o prêmio.
— Vamos ver — Martim apreciou a preocupação dos amigos, mas não queria continuar discutindo. — Bom, já deu minha hora. Onde você terminou a ronda, Ricardo?
— Torre leste. Bom serviço, cachorrão.
Martim se despediu com um gesto obsceno na mão. Deixou os dois amigos rindo e conversando atrás de si.
Enquanto caminhava pelos corredores, Martim se distraiu pensando novamente em Maria. Ela ocupava cada vez mais a sua mente. No começo, tinha admirado principalmente sua força e ousadia em combate, além de sua inteligência para lidar com os inimigos. Mas agora o que atraía seus pensamentos era o seu sorriso, tão espontâneo e natural. Era o jeito adorável que agia quando ficava envergonhada, acanhada, mas sem demonstrar excesso de vaidade ou soberba. Era seu perfume, um raro sopro de frescor adocicado em meio aos odores cinzentos do castelo.
E também não conseguia mais se esquecer de seus olhos. Nunca ficou tão fascinado com o olhar de alguém antes. Maria tinha um olhar que o encantava pela beleza única de seu tom marrom-claro, levemente avermelhado, às vezes com um brilho amarelado. E também era um olhar direto, franco, que conseguia mostrar para o mundo exatamente como se sentia.
Perdido em seu devaneio, Martim não percebeu quando cinco homens se aproximaram, cercando-o assim que fez uma curva. Silas, que estava à sua frente, disse, encarando-o:
— Eu ouvi direito agora há pouco, Martim? Você está pensando em competir no torneio?
— Talvez, ainda não sei. Estou pensando.
— Pense bem. Você não vai querer ter esse rostinho bonito todo arrebentado pela minha maça — disse, rindo.
— Nisso você tem razão, Silas — respondeu Martim. — Eu não quero ficar com a cara igual à sua.
Silas reagiu rapidamente, dando-lhe um soco que acertou seu nariz. Martim sentiu uma dor intensa, seguida pelo cheiro de ferrugem e pela umidade do sangue enchendo-lhe as narinas. Caiu deitado no chão e imediatamente começou a sentir pontapés e pisões por todo seu corpo. Encolhendo-se e tentando se proteger com as mãos e braços, não conseguiu reagir. Somente quando os agressores desistiram de castigá-lo é que ele conseguiu erguer o rosto. Desejou não tê-lo feito, pois o que viu foi Silas dando-lhe uma cusparada que atingiu seus olhos.
— Seu merda! Eu vou te matar, se for louco o suficiente para competir e tiver o azar de me enfrentar.
Martim não respondeu. Ficou deitado enquanto os homens se afastavam. Assim que ficou sozinho, levantou-se e foi até o banheiro mais próximo para se lavar.
— Mais alto! Tente acertar a minha cabeça! — gritou André.
— Assim?
— Isso, Martim, boa. De novo!
Martim repetiu o gesto. Segurou firmemente o cabo de madeira com sua mão direita e girou a lança sobre sua cabeça. Quando sentiu que tinha ganhado momento suficiente, esticou o braço e projetou a ponta metálica na direção de André, atingindo seu escudo.
— Perfeito, é isso mesmo. — André abaixou o escudo.
— Obrigado.
— Esse movimento é um dos mais importantes, pois traz força e obriga o inimigo a levantar a guarda. Agora vem a continuação, me acompanhe. Escudo!
Martim levantou seu escudo e aguardou enquanto André repetia o movimento. Concentrou-se não na ponta da lança que girava à sua frente, mas sim em suas mãos, como já tinha aprendido antes. Assim que André empurrou sua arma, Martim se defendeu com o escudo. Mas o treinador não parou. Fez um giro com a mão no sentido oposto e apoiou a madeira em seus dois ombros, por trás de seu pescoço. Empurrou-a rapidamente na direção de Martim, que recebeu o pesado golpe no peito, jogando-o para trás. Era uma lança de treino, sem fio, mas a pancada doeu bastante.
— Entendeu? Agora você.
Continuaram praticando por cerca de trinta minutos, após os quais Martim precisou retornar às suas tarefas. Enquanto caminhavam de volta ao castelo, discutiam a evolução do treinamento. Martim ainda não estava nem perto de ser competitivo, mas já tinha progredido bastante.
— Quando você dominar essa técnica, a gente passa para os movimentos de estocada.
— Certo, muito obrigado, André. Eu finalmente acho que estou pegando o jeito.
— De nada, mas me diga uma coisa… por que decidiu mudar de ideia? É por causa disso aí na sua cara?
Martim coçou a cabeça, envergonhado. Seu nariz estava um pouco inchado, e havia uma mancha roxa embaixo de seu olho esquerdo. Não disse nada, e André deu a resposta:
— É por causa do torneio, não é? Está pensando em competir.
— Não, acho que não vou competir.
— Quer me explicar por que não?
Martim respirou fundo. Não queria entrar nesse assunto.
— Escute… — disse André, aproximando-se e colocando a mão em seu ombro. — Eu fiquei sabendo do que aconteceu com Augusto.
— O que você ficou sabendo?
— Que ele morreu para salvar sua vida.
— É, esse é um jeito de ver as coisas, mas não foi o que aconteceu.
— E o que aconteceu de fato?
Martim tirou a mão de André de cima do ombro e se afastou. Olhou para baixo por uns instantes, depois virou-se e disse:
— Ele morreu porque eu fui um fraco. Eu deixei aqueles arruaceiros penetrarem na nossa defesa. Droga, eu perdi minha espada para um deles. A própria espada que… depois…
André não dizia nada, apenas olhava para ele com um olhar de pena.
— Ah, esquece — disse Martim. — Eu não quero falar disso.
— Martim — disse André —, foi você quem enfiou sua espada em Augusto?
— Não, mas…
— E foi você quem mandou Augusto pular na frente daqueles homens?
— Não, mas ele só fez isso por minha causa.
— Quantos homens havia a seu lado?
Martim não respondeu. André continuou:
— Você não foi o único a errar naquele dia.
— É, mas… eu tive a chance de agir diferente, e não agi.
— O que quer dizer?
— Se eu tivesse matado uns dois ou três, o resto teria desistido. O homem que matou Augusto, ele… eu tive a chance de matá-lo, mas não o fiz.
— E por que não o matou?
Martim estava começando a se irritar ante a insistência do treinador.
— Eu não tive coragem.
— Por que não?
— DROGA, ELES ESTAVAM DESARMADOS! — gritou. — E não eram inimigos, eram gente da cidade.
André deu um sorriso, e disse:
— Me parece, Martim, que você agiu exatamente como deveria. As coisas saíram do controle, sim, isso é verdade. Augusto provavelmente não merecia morrer, mas ele tomou sua decisão, assim como você tomou a sua. E agora cada um tem que conviver com as consequências.
— Pois é, e é exatamente isso que eu estou vivendo agora — disse, mostrando os machucados no rosto para André.
— O mais importante, Martim, é você ficar bem consigo mesmo. Não fique se culpando por causa de uma coisa que não fez. Se tivesse matado o rapaz desarmado, acredite em mim, estaria com a cara limpa, mas com uma ferida no peito que seria muito mais difícil de cicatrizar.
Martim ficou quieto. André continuou:
— E o resto vai se resolvendo com o tempo. Eu acho que seria muito bom entrar no torneio. Mostrar para os homens que não é um derrotado. Se lutar bem, eles vão te respeitar. Você sabe disso e quer entrar, não é? É por isso que estamos aqui treinando com a lança.
Martim suspirou, antes de responder:
— É, eu acho que sim.
André sorriu para ele e deu-lhe um tapa no ombro. Sentindo-se um pouco mais confiante, Martim disse:
— E você, André, vai participar?
— Não, meus dias de competição já ficaram para trás. Hoje eu prefiro só ensinar.
— Ah, é? Você competia?
— Sim, já ganhei alguns torneios na minha vida. Até Maria chegar no pelotão. A desgraçada ganhava sempre.
— Ah, é? — Martim se interessou.
— Ah sim, ela é muito técnica. É difícil desviar de seus golpes.
Martim imediatamente se lembrou da luta contra Aires e Caim e teve que concordar.
— E será que ela vai participar desse torneio?
— Se eu a conheço, e posso afirmar que a conheço muito bem, eu diria que sim. Ela é muito competitiva e adora lutar por esporte. Na verdade, acho que ela adora lutar por qualquer que seja o motivo — riu.
Martim coçou o queixo, enquanto uma ideia lhe ocorria:
— Escuta… Será que você não poderia me ensinar uns pontos fracos dela? Caso a gente se enfrente, por acaso?
— Martim, isso é trapaça.
— Você mesmo falou que seria bom se eu ganhasse — disse, levantando as sobrancelhas. — Posso te dar uma parte do prêmio.
André deu um sorriso ao responder:
— Ah, ela vai me matar se souber, mas eu não quero prêmio nenhum. É por uma boa causa, eu prometi que ia te ajudar, e vou te ajudar. Nem sei se vou conseguir. Como eu disse, ela é muito boa.
— Ótimo, então. Estou pronto para seus ensinamentos, treinador. Amanhã, no mesmo horário?
— Pode apostar.
E apertaram-se as mãos, selando o acordo.
A área gramada em frente ao castelo estava cheia de gente. Uma longa fileira de cadeiras havia sido organizada sobre um comprido tapete marrom, em frente aos enormes portões. Sentados nas cadeiras, estavam vários nobres e cavaleiros. Ao centro, em uma cadeira maior do que as outras, sentava-se a rainha Catarina, conversando animadamente com os nobres ao seu lado. Bandeiras coloridas foram hasteadas por toda parte, exibindo os brasões das famílias nobres. No centro, acima das outras, a bandeira com o brasão da família real esvoaçava imponente. Uma música animada alegrava o ambiente festivo daquele final de tarde ensolarado.
Martim e os outros soldados da guarda estavam enfileirados de um lado dos portões, formando um retângulo compacto e bem organizado. Sua capitã estava postada à frente. Com as mãos para trás, acompanhava o movimento das pessoas ao seu redor.
Depois de muitas semanas de expectativa, finalmente o momento chegou. Faltavam poucos minutos para que o torneio tivesse seu início anunciado oficialmente. O clima era uma mistura de celebração e ansiedade. Os soldados se preparavam muito para aquele momento, pois era uma chance de ganhar um dinheiro extra, além de prestígio e — de acordo com os soldados — muitas mulheres, como insistiam em dizer sempre que se discutia quem seria o grande vencedor.
— No baile do campeão, o vencedor pode escolher quem ele quiser — sonhava Ricardo. — As donzelas do reino ficam doidas por um pedaço do seu herói. O Silas, ano passado, levou três para a cama. E ele tem dois dentes faltando na frente da boca.
— Isso foi o que ele disse — reclamou Carlos. — Mas de que adianta? Teresa me mata se eu ganhar esse torneio e ficar me engraçando com qualquer uma.
— Fácil. Se estiver prestes a ganhar — disse Ricardo —, termine com ela por uma noite. Arrume um motivo qualquer, aí você aproveita os minutos de fama, e depois volta como um cachorrinho arrependido.
— Como eu não pensei nisso antes? Você é um gênio do mal, Ricardo — zombou Carlos. — Só tem um probleminha. Ela cortaria meus testículos, um de cada vez, e jogaria no rio para os peixes comerem.
— E por acaso você usa suas bolas para alguma coisa?
Martim riu. Estava esperançoso. Seu progresso nos treinos tinha sido muito elogiado por André. A perspectiva de lutar bem no torneio e chegar perto da final trouxe um ânimo que há muito tempo não sentia.
Uma trombeta soou, alta e estridente. Logo seu som se uniu ao de outra trombeta, e mais uma, formando uma harmonia pomposa que encheu de música os ouvidos da multidão. Ao fim do longo acorde, o arauto apareceu em frente às cadeiras e, com sua voz potente, começou a falar:
— Homens e mulheres do reino de Évora, bem-vindos ao torneio anual da guarda real! Para fazer a abertura, nossa amada rainha Catarina!
Aplausos irromperam na multidão. A rainha ergueu um dos braços, acenando para todos os lados. Usava um vestido prateado, brilhante, que destacava seus cabelos grisalhos e seus olhos azuis. Sua coroa reluzia do topo de sua cabeça. Ela estampava um animado sorriso no rosto.
— Nobres da corte, amigos e bravos soldados — ela disse, assim que a multidão se calou. — É uma grande honra para mim anunciar a abertura deste importante e prestigiado torneio de combate. Nos anos anteriores, quem tinha esse privilégio era meu marido, nosso querido e eterno rei Gregório, que infelizmente nos deixou. E eu nunca pude acompanhar os combates entre vocês, valorosos guerreiros.
— Verdade… — disse Ricardo, baixinho, no ouvido de Martim. — Dizem que ela aproveitava que o marido ficava preso no torneio para dar umas escapadas.
— O objetivo do torneio, como todos sabem, é mantê-los preparados, confiantes, competitivos, competentes, prontos para defender o reino contra qualquer ameaça. Mas é claro que vocês estão interessados mesmo é nos prêmios. — Deu uma risada aguda.
A plateia riu, acompanhando o gracejo de sua monarca.
— Então vamos logo ao que interessa — continuou. — Neste ano, a coroa vai presentear os finalistas com… — Pegou um pequeno pedaço de papel que lhe tinha sido entregue por seu secretário e leu: — Vinte dobrões cada!
Fez-se um pequeno barulho de palmas e assovios entre os soldados. Catarina levantou as mãos, pedindo silêncio. Continuou:
— Já para o grande vencedor, a quantia será de… — Fez uma nova pausa para a leitura do papel. — Duzentos dobrões!
O barulho foi ensurdecedor. Gritos por todos os lados expressavam excitação e euforia:
— Essa grana vai ser minha!
— Ah, vem com o papai!
— Eu mato todo mundo aqui, se for preciso!
Catarina mais uma vez ergueu as mãos. Enquanto o barulho cessava, ela levantou o indicador, em sinal que queria acrescentar algo.
— Mas não é só isso. Neste ano teremos uma novidade. Para ser considerado vencedor, não basta derrotar seus concorrentes. O melhor soldado vai ganhar a oportunidade de enfrentar a nossa gloriosa capitã Maria em um combate final, valendo tudo ou nada.
A rainha bateu palmas, em movimentos exagerados dos braços e mãos. Demorou um pouco para que a plateia se juntasse a ela. Primeiro os nobres a acompanharam, depois os soldados, mas era apenas um gesto obrigatório. A tropa estava indignada.
— O que? Que merda é essa de tudo ou nada? — um soldado ralhou, atrás de Martim.
— Quer dizer que a gente pode ganhar de todo mundo e ainda ficar sem grana? — Tomás perguntou, assustado.
— Claro que não, basta derrotar a capitã — disse Ricardo.
— Derrotar a capitã? Você não viu ela lutando contra Caim e Aires? — Tomás estava visivelmente contrariado.
As reclamações vinham de todos os lados. Uns xingavam Catarina, dizendo que era um truque para não ter que pagá-los. Outros diziam que preferiam abandonar o torneio, pois estava claramente arranjado. Martim olhou para Maria, que estava poucos metros à sua frente.
Ela estava na mesma posição de antes. Ereta, olhava para frente, em direção à rainha. Não demonstrava qualquer reação ou fazia qualquer movimento. Mas seus punhos fechados, com os dedos esbranquiçados pela forte pressão que exerciam sobre si mesmos, denunciavam que ela estava muito tensa. Martim chegou a achar que uma das mãos tremia levemente.
— Calma, calma, homens — Catarina continuou. — Ainda não acabou. Se derrotar a capitã em combate e levar o prêmio, o vencedor também ganhará o direito de ser seu acompanhante durante todo o baile do campeão.
Martim achou que Maria não podia ficar mais tensa, mas estava enganado. Já não havia mais dúvidas de que suas mãos estavam tremendo, os punhos tão apertados que pareciam feitos de pedra branca. Sua perna começou a balançar nervosamente, o joelho indo para a frente e para trás em movimentos curtos e rápidos.
— Declaro aberto o torneio! Boa sorte a todos, e que vença o melhor homem! — Catarina bateu palmas, seguida apenas por seu séquito e mais ninguém.
A multidão começou a se dispersar. Os soldados ainda resmungavam, proferiam xingamentos e faziam comentários desconfiados. Maria imediatamente virou-se para eles e gritou, com a voz estranhamente seca:
— Soldados da guarda real. Dispensados!
Ela se virou nos calcanhares e saiu andando rápido em direção ao castelo.
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