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    Capítulo 025
    O Inesperado

    Zorian olhou para o disco de pedra em sua mão em contemplação silenciosa. A pedra foi lançada. Zach finalmente sabia que não estava sozinho no loop temporal. É verdade que o outro garoto não sabia que Zorian era um dos viajantes do tempo — a matriarca havia se apresentado como a viajante do tempo e não fez nenhuma menção a Zorian — mas agora era apenas uma questão de tempo. Não havia como Zorian enganar o outro garoto por mais do que alguns reinícios, agora que a ideia de haver outros viajantes do tempo não era mais um total ridículo na mente de Zach. Supondo que ele ainda quisesse. Afinal, se esse plano funcionasse e o terceiro viajante do tempo fosse neutralizado, não haveria razão para não se apresentar a Zach logo em seguida.

    [Então,] Zorian disse. [Como Zach reagiu à sua… introdução?]

    [Confusão, surpresa e indignação,] respondeu a matriarca. [Ele meio que já sabia que havia mais alguém voltando com ele — era a única maneira de explicar todas as mudanças em larga escala que aconteceram nos últimos reinícios. Ele estava muito confuso sobre como ele surgiu e porque não foi falar com ele, e por isso pensava em fazer algo atraente para chamar nossa atenção. A ideia de que o outro viajante do tempo é uma aranha gigante falante o pegou desprevenido, mas não acho que será um problema a longo prazo — ele não parece ser aracnofóbico ou supremacista humano. De qualquer forma, Zach ficou muito zangado quando eu disse que havia um terceiro viajante do tempo e que ele mexeu com sua mente, então encurtei nosso encontro para que ele pudesse se acalmar um pouco.]

    [Compreensível,] Zorian comentou. [Eu sei que as araneas consideram a edição de memória um negócio normal, mas os humanos tendem a enlouquecer com essas coisas. Você acha que ele comprou sua história sobre você ser a outra viajante do tempo?]

    [Na verdade, eu disse que existem várias araneas viajantes do tempo. Que eu tinha uma maneira de trazer outras pessoas para o loop temporal. Tecnicamente verdadeiro, e nos faz parecer uma ameaça maior.]

    [Não tenho certeza se isso era de fato necessário,] Zorian meditou. [Ou mesmo sábio. O que já planejamos deve ser suficiente para irritar o terceiro viajante do tempo e fazê-lo confrontar você. Tornar-se mais perigoso do que você já é apenas o tornará mais cauteloso e perigoso.]

    [Você está pensando demais nas coisas,] disse a matriarca. [Estamos tentando armar uma armadilha, não engajar o inimigo na batalha. Dado que nosso inimigo não respondeu às nossas provocações até agora, acho que fazê-lo morder a isca é uma prioridade maior do que se preocupar com o que acontecerá quando ele morder. Como você mesmo afirmou, e como Zach aprendeu tão dolorosamente ao longo deste loop temporal, há um limite para o que um único mago pode enfrentar sozinho. Por mais capaz que seja nosso oponente, ele não vai conseguir escapar de uma emboscada bem preparada.]

    [Certo,] Zorian disse duvidosamente. Ele estava muito menos certo do que ela sobre esse plano, mas não era como se tivesse uma ideia melhor. E, além disso, talvez ter um de seus planos explodindo na cara dela a tornasse mais aberta sobre seus planos no próximo reinício. [Então, temos o apoio de Zach nisso?]

    [Ele vai ajudar, sim,] confirmou a matriarca. [Eu não tive que oferecer nada para fazê-lo cooperar. Ele até pediu uma lista de alvos para nos ajudar a suavizar as forças invasoras antes da data real da invasão. Muito sincero e direto, aquele garoto. Muito diferente de você e sua paranóia desenfreada, devo acrescentar.]

    Zorian estreitou os olhos, segurando o disco de pedra em sua mão um pouco mais forte. Era isso? A matriarca estava tentando substituí-lo por Zach? Alguém mais confiante e mais fácil de manipular?

    Zorian seria o próximo a ser eliminado, uma vez que a ameaça do terceiro viajante do tempo se fosse?

    Isso definiu as coisas— ele iria se revelar a Zach em breve, independente do resultado dessa emboscada. Havia uma vantagem no anonimato, sim, mas era muito superada pelo perigo de permitir à matriarca aranea acesso exclusivo a Zach. Isso poderia acabar muito mal para Zorian.

    [Você ficou em silêncio por um tempo,] observou a matriarca. [Você sabe que eu só estava brincando com você, certo?]

    [Eu estava apenas pensando,] Zorian disse, pensando em como ele estava feliz por eles estarem se comunicando através dos retransmissores no momento — tornava quase impossível para a matriarca ler seus pensamentos, a menos que ele os enviasse para ela. Não foi uma proteção que ele instalou de propósito, mais como uma consequência de sua construção de má qualidade, mas Zorian ficou satisfeito com o resultado final do mesmo jeito. [E o dinheiro? Vou ficar sem economias em breve, você sabe.]

    [Serei capaz de conseguir cerca de 20.000 peças até o final da semana. Isso será suficiente?]

    [Para os ingredientes? Claro,] confirmou Zorian. [Se tivermos que contratar especialistas? Não tenho tanta certeza. Bons especialistas são caros, ainda mais se você os contrata com um cronograma apertado ou espera que sejam discretos. Espero que Kael concorde em nos ajudar, ou provavelmente terei que contratar um alquimista.]

    [Vou deixar isso para você,] declarou a matriarca. [Você entende o problema muito melhor do que eu.]

    Houve um breve silêncio enquanto Zorian e a matriarca consideravam o que dizer a seguir, se alguma coisa.

    [Ouça,] a matriarca disse de repente. [Você sabia que as araneas às vezes espalham pequenos pacotes de memória nas mentes de seus machos?]

    Zorian piscou. O que? O que isso tem a ver com alguma coisa?

    [Não,] disse Zorian com hesitação. [Não posso dizer que sim.]

    [Bem, elas colocam,] a matriarca disse. [É uma boa maneira de deixar mensagens secretas se você souber o que está fazendo. Se você dividir a mensagem em pedaços pequenos o suficiente e incorporá-la com cuidado nos alvos, é quase impossível para qualquer um sem uma chave encontrá-los, quanto mais juntá-los em um todo coerente.]

    [Por que você está me dizendo isso?] Zorian perguntou.

    [Só para garantir] a matriarca respondeu. [Os machos araneas são muito menores que as fêmeas e muito, muito covardes. Eles se assustam com fogo e barulhos altos como qualquer outro animal, e a maioria dos feitiços de adivinhação projetados para rastrear araneas não os registram como o mesmo tipo de criatura. Na maioria das vezes, quando um assentamento aranea é destruído, muitos machos sobrevivem à destruição. Deixar mensagens codificadas em suas mentes é uma boa maneira de deixar mensagens post mortem.]

    Zorian franziu a testa. Então a matriarca reconhecia que a emboscada poderia dar errado… mas por que ela deixaria uma mensagem para ele de uma forma tão indireta e complicada?

    [Por que não apenas me conta?] ele perguntou.

    [Provavelmente não é nada,] disse a matriarca. [E você se preocupa demais. Isso é mesmo apenas uma precaução em caso de pior resultado. Novidades lhe dará a chave quando vocês se encontrarem na próxima vez.]

    Antes que Zorian pudesse continuar a discussão, a matriarca cortou a conexão.

    “Muito madura,” Zorian murmurou, jogando o disco na cama ao lado dele. Ainda assim, por mais irritante que a matriarca fosse, ela não tinha sido nada além de útil até agora, então ele lhe daria o benefício da dúvida. Talvez ela tivesse mesmo boas razões para seu segredo.

    Ainda assim, após esse reinício, talvez ele devesse começar a tomar suas próprias precauções. Apenas no caso.

    * * *

    Na estação de trem de Cyoria, Zorian esperava. Demoraria um pouco até que Kael e sua filha chegassem, e enquanto isso Zorian se divertia brincando com os pombos que circulavam nas plataformas.

    As mentes animais eram paradoxalmente mais difíceis e fáceis de afetar com poderes psíquicos do que as mentes humanas. Mais difíceis porque mentes mais simples eram mais difíceis de sentir e identificar, mais fáceis porque seus pensamentos eram mais fáceis de discernir e subverter quando um médium enfim conseguia se conectar a eles.

    Os pombos não eram tão difíceis de sentir — não se ele tivesse uma linha de visão direta em um e pudesse dedicar toda a sua atenção à tarefa — então havia pouco que os pássaros pudessem fazer para se defender contra a experimentação de Zorian. Ele apenas se sentou em seu banco e mirou pombo após pombo de forma sistemática, praticando suas habilidades. Às vezes, ele só tentava entender suas mentes rudimentares sem alertá-los sobre sua intrusão, outras vezes, tentava sequestrar seus sentidos ou manipular seus corpos. 

    Nenhuma das tarefas estava indo muito bem, mas era algo para passar o tempo e ele teve algum sucesso. Após o 50° pombo ou algo assim, ele poderia distinguir um pombo que estava com fome, doente ou com dor daqueles que não estavam. Ele poderia fazer um pombo tropeçar ou paralisar por um segundo, ou assustá-lo até que fugisse o mais longe possível dele.

    Na verdade, esse último foi muito fácil. Considerando que o efeito era quase idêntico ao truque Assustar Animal que aprendeu no segundo ano, não deveria ter ficado surpreso. Embora isso lhe desse uma ideia… feitiços mentais que afetavam animais não eram tão restritos quanto os feitiços direcionados a humanos. Inferno, alguns deles estavam disponíveis de graça na biblioteca da academia! Pode ser uma boa ideia tentar alguns em um dos reinícios futuros e comparar os resultados com o que poderia alcançar com poderes psíquicos.

    Por enquanto, porém, ele se concentrou em outra ideia — em vez de só controlar o pombo, ele tentava apenas amortecer seu medo e influenciá-lo a se aproximar dele por conta própria. Foi muito mais difícil do que assustar o pássaro. Os pombos já estavam inclinados a fugir à menor provocação, então não demorou muito para fazê-los fugir, mas fazê-los se aproximar de um homem estranho sem comida que ficava olhando para eles ia contra seus instintos.

    Levou mais de vinte tentativas, mas aos poucos aprendeu a conduzir os pombos em sua direção. Por fim, em sua 24° tentativa , ele encontrou um pombo destemido o suficiente para jogar junto com seu jogo. Ele lentamente serpenteou perto e então voou um pouco para pousar no mesmo banco que Zorian ocupava.

    Ele arrulhou e olhou para ele, e quando Zorian estendeu a mão e o pegou, não resistiu nem um pouco.

    Sucesso! Zorian enfiou a mão no bolso e ofereceu ao dócil pombo em sua mão um pouco de pão. Era apropriado recompensar um sujeito de experimento tão cooperativo.

    E sua conquista foi bem na hora também, já que o trem de Kael estava chegando na estação. Ele colocou o pombo no banco e saiu para ajudar Kael a desembarcar.

    “Kael Tverinov? Sou Zorian Kazinski, um de seus colegas de classe. A senhorita Zileti me enviou para ajudá-lo a se estabelecer e lhe mostrar a cidade. Não se preocupe com sua filha, eu sei o valor de ser discreto.”

    Kael deu a ele um olhar perscrutador antes de assentir. “Agradeço a ajuda, senhor Kazinski. Assim como o seu silêncio. Mostre o caminho, se quiser.”

    “Não é nenhum problema,” disse Zorian, criando um disco flutuante de força e carregando a bagagem do outro garoto na plataforma. “Afinal, moramos no mesmo lugar.”

    “Nós moramos?” Kael perguntou com curiosidade.

    “Bem, sim. Ou pelo menos moraremos se você alugou um quarto no lugar que a senhorita Zileti lhe recomendou. Ela recomendou o mesmo lugar para mim quando eu disse a ela que traria minha irmãzinha comigo este ano e que buscava alternativas para a acomodação da academia.”

    “Sua irmãzinha?” perguntou Kael, movendo Kana em suas mãos. A garotinha estudou tudo ao seu redor com seus olhos azuis brilhantes, mas permaneceu resolutamente quieta. “Como é que você a trouxe com você, se você não se importa que eu pergunte?”

    “Nossos pais viajaram para Koth e alguém tem que cuidar dela. E, bem, esse alguém sempre fui eu em casos como este. Não me importo muito, na verdade, e a dona do lugar parece ser boa com crianças.”

    “Bem, isso é um alívio,” Kael disse. “Para ser honesto, eu tinha grandes reservas em vir para cá e estava meio preocupado que a senhorita Zileti exagerasse o gosto de sua amiga por crianças para me convencer com a matrícula.”

    “Eu não acho que você tenha muito com o que se preocupar. Imaya, a dona do lugar, parece honesta e amigável o suficiente. E eu sou um empata, então no geral posso dizer.”

    Kael deu a ele um olhar afiado e questionador.

    “Muito repentino?” Zorian perguntou. “Desculpe, mas eu queria tirar isso do caminho primeiro. Sei que algumas pessoas não suportam a ideia de alguém conhecer suas emoções particulares, mas não acho que posso manter isso em segredo de alguém com quem vou dividir o mesmo teto permanentemente.”

    “Se você não está preocupado em viver com um morlock, eu não acho que tenho o direito de reclamar sobre você ser um empata,” Kael disse, balançando a cabeça. Ele deu a sua filha um olhar triste. “Sendo sincero, estou com ciúmes. Kana é tão quieta na maioria dos dias que às vezes gostaria de poder espiar sua cabeça e ver o que ela está pensando.”

    Kana imediatamente colocou suas mãozinhas em volta da cabeça de Kael e deu-lhe um beijo rápido na bochecha. Kael bufou com ironia e bagunçou o cabelo dela, um sorriso dançando em seus lábios.

    Kana 1, Kael 0, Zorian pensou consigo mesmo. Quieta ela pode ser, mas Kana claramente sabia como lidar com seu pai de forma eficaz.

    Alguns momentos depois, quando aquele instante já havia passado, os dois garotos retomaram a conversa de uma forma muito menos reservada, o gelo tendo sido quebrado com sucesso.

    * * *

    A cozinha de Imaya estava lotada. Lotada e barulhenta. Entre Zorian e Kirielle, Kael e sua filha, as visitantes Ilsa e Taiven e, por fim, a própria Imaya, a sala estava tão cheia quanto poderia estar de forma confortável e havia sempre pelo menos duas conversas simultâneas acontecendo a todo momento. Estranhamente, Zorian se sentiu confortável em estar lá. No passado, esse tipo de reunião o incomodava muito, e ele encontrava algum motivo para se desculpar e sair o mais rápido possível. A diferença, ele percebeu, era que não estava mais em uma reunião de estranhos. Esta foi a primeira vez que ele de fato sentiu que pertencia a uma delas, em vez de ser um intruso mal tolerado, sempre examinado por fraqueza e mau comportamento.

    Ele ainda permaneceu em silêncio, é claro. Mas era um silêncio confortável.

    “… e então Grunhido e Murmúrio o atingiram com raios polares e o congelaram,” falou Taiven de forma animada. “Não sei se isso o matou mesmo, mas o colocou fora da luta por tempo suficiente para nós fugirmos. A experiência mais angustiante da minha vida, deixe-me contar. Estou muito feliz por Zorian estar lá — se eu tivesse escolhido qualquer outro aluno do terceiro ano como substituto, acho que não teria sobrevivido a esse encontro.”

    Zorian se mexeu em seu assento, um pouco desconfortável com o elogio. Se não fosse por ele, Taiven não teria encontrado aquele troll em primeiro lugar, então ele não sentiu como se tivesse feito nenhum favor a ela.

    “Embora seja mesmo impressionante que Zorian possa contribuir em tal luta, vou ter que insistir que você se abstenha de trazê-lo para suas incursões na masmorra no futuro,” comentou Ilsa com um sorriso divertido. “Ele é meu aprendiz agora, e seria absolutamente terrível em meu registro se eu deixasse meu aprendiz ser morto por um troll furioso ou algum outro monstro logo após assinar o contrato.”

    “Err, sim…” Taiven se atrapalhou. “Bem, não tenho intenção de ir lá por um tempo. Eu denunciei o incidente à polícia, mas a limpeza provavelmente levará meses e o local é muito perigoso para mim e meu grupo no momento.”

    “Uma decisão sábia,” Ilsa assentiu. Ela então mudou sua atenção para Zorian. “E o mesmo princípio vale para você. Não quero que você corra tais riscos no futuro. Vou ignorar o problema desta vez, já que você estava ajudando uma amiga e a situação piorou além do esperado, mas a partir de agora considere todas as excursões à Masmorra proibidas até novo aviso.”

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