Capítulo 26 - A Cachorrinha
Ainda não tinha amanhecido e Maria já estava do lado de fora do castelo. Fazia muito frio e ela apertava seu casaco junto ao corpo para barrar o vento. Ao seu lado, estava seu baú, que tinha arrastado sozinha desde seu dormitório até os portões, pois não quis incomodar ninguém naquela hora. Colocou uma seleção de roupas suficientes para o tempo previsto para a viagem.
Droga, está frio! Cadê essa carruagem?
Esfregando as mãos, ela olhava de um lado para outro, à espera de sua condução. Na noite anterior, assim que chegou ao seu quarto, um criado apareceu e disse para ficar pronta antes do Sol raiar, pois a carruagem real estaria esperando-a. Pelo jeito, esqueceram de avisar o cocheiro.
Depois de muito tempo, o veículo apareceu, vindo de um dos pátios internos. Era puxado por dois cavalos e guiado por um homem baixinho de idade bastante avançada, a julgar pela grande quantidade de rugas em seu rosto, além da barba e bigode grisalhos. Ele usava um grosso casaco e um gorro feitos de pele de animal. Parecia estar aquecido, bem mais do que ela.
— Bom dia, madame — ele falou ao se aproximar.
— Bom dia.
— Permita-me ajudá-la.
Ele desceu de seu assento em um salto, e Maria achou que tinha se machucado, pois ficou agachado por alguns segundos, com as mãos nas costas. Mas ele logo se levantou e abriu a porta da carruagem. Em seguida, puxou o baú dela com facilidade, ergueu-o e colocou-o dentro do veículo. Baixou uma pequena escada que estava escondida embaixo da porta e estendeu a mão:
— Por favor, madame.
Não querendo ser antipática, Maria agradeceu e segurou a mão dele para subir, ainda que fosse perfeitamente capaz de subir sozinha.
Nunca tinha andado de carruagem antes. Por dentro, era bastante luxuosa. Havia dois bancos caprichosamente acolchoados e revestidos de tecido marrom, mas um deles estava cheio de caixas. O baú de Maria havia sido colocado sob este mesmo banco. Grandes janelas de vidro dos dois lados davam uma visão panorâmica aos passageiros. Ela sentou-se no banco e achou-o muito confortável.
— Já podemos partir, madame? Precisamos ser rápidos se quisermos chegar ao nosso primeiro destino antes do anoitecer.
— Sim, é claro.
O homem fechou a porta, subiu a pequena escada e voltou ao seu assento, em uma escalada ágil. Logo a carruagem começou a se mover.
Maria ficou curiosa para saber o que havia naquelas caixas. Abriu a que estava por cima e confirmou serem as tais roupas que Catarina prometeu. Na primeira, havia um vestido dourado, muito parecido com o que foi obrigada a vestir no baile. Nas outras, havia calças, camisas e vestidos de diferentes tamanhos e cores. Maria acabou gostando de alguns trajes apenas, os mais discretos e não decotados, ainda que imaginasse que sua escolha era exatamente o oposto do que a rainha pretendia. “Jogue seu charme” — ela diria — “Consiga as doações, custe o que custar”. A lista de vassalos era composta exclusivamente de homens, e Maria estremeceu ao imaginar que tipo de constrangimento e assédio teria que suportar nos próximos dias.
Depois de separar as roupas escolhidas e colocá-las em seu próprio baú, Maria enrolou-se em seu casaco e colocou o rosto perto da janela, admirando a paisagem. Ainda estava escuro, mas uma linha dourada já começava a ficar visível no horizonte. O balanço da carruagem logo deixou-a sonolenta. Desejando estar de volta em sua cama, cruzou os braços e encaixou-se do jeito mais confortável que conseguia. Fechou os olhos e adormeceu rapidamente.
Não deve ter dormido muito tempo, pois o Sol não estava muito acima da linha do horizonte. Maria se espreguiçou, sentindo-se um pouco mais revigorada do que antes. Ainda estava frio, mas agora a proteção do seu casaco já era suficiente.
Ela imediatamente puxou seu baú e o abriu. De dentro, retirou uma sacola que tinha preparado, com alguns pães, carne seca, e uma garrafa de chá, que ainda estava quente. Pegou um pedaço de pão e uma xícara, que também tinha separado. Antes de se servir, teve uma ideia.
Levantou-se, abriu uma das janelas e colocou metade do corpo para fora. Olhou para cima e conseguiu ver um pedaço do ombro e da cabeça do cocheiro. Estudando um pouco, calculou que conseguiria subir por ali. Voltou para dentro, colocou tudo de volta na sacola e esticou mais uma vez o corpo para fora. Fez força com os braços, escalou e subiu até o teto da carruagem, ficando atrás do cocheiro. Ela disse:
— Com licença, pode abrir um espacinho ao seu lado?
— Madame? — Ele se assustou ao vê-la em pé atrás dele. — Cuidado, madame, é perigoso!
— Eu sei, por isso eu quero me sentar ao seu lado. — Sorriu para ele.
O cocheiro se moveu para um lado e abriu espaço suficiente para que Maria se sentasse. Ficaram um pouco espremidos, mas estava confortável.
— O meu nome é Maria. Como o senhor se chama?
— Tiago, madame.
— Acabei de lhe dizer o meu nome, não precisa me chamar de madame. Eu não gosto.
Ele sorriu, meio sem graça. Estava provavelmente enfrentando uma situação inusitada.
— Eu trouxe comida — ela disse, abrindo sua sacola e mostrando os pães e a garrafa. — O senhor já tomou café da manhã?
— Já, já tomei.
— Ah, que pena. Tem certeza, senhor Tiago? O chá está quentinho ainda.
— Se é assim, eu aceito, madame.
— Maria, por favor. — Ela sorriu enquanto enchia uma das xícaras com o chá. Entregou-a para Tiago, que a segurou com uma das mãos, deixando a outra livre para conduzir o veículo. Maria também serviu-se de chá e de um pedaço de pão.
Ficaram em silêncio por um tempo, comendo e bebendo. Maria apreciou a paisagem. Estavam rodeados por árvores altas, espaçadas entre si. O chão ao redor da estrada era repleto de arbustos verdes e floridos que pareciam bem cuidados. A estrada também estava bastante limpa, o que ajudava no deslizar suave da carruagem.
Fazia muito tempo que ela não viajava. Sair do castelo e admirar as colinas verdes sob o céu azul fazia bem ao seu espírito, ainda que não estivesse muito animada com o trabalho que teria que fazer.
— Onde é a nossa primeira parada, senhor Tiago?
— O castelo da família Castro, mad… Maria. — Ele sorriu após corrigir seu erro. — É o mais próximo daqui. Devemos chegar lá antes do horário do jantar.
— Mas não precisaremos parar para almoçar, antes?
— Não, eu trouxe mantimentos. Se pararmos, não conseguiremos chegar no horário. Acho que é uma boa ideia chegar antes da janta, não? Assim você terá tempo para se acomodar e jantar com lorde Castro sem atrapalhar sua rotina.
Ugh! Um jantar de negociações com um nobre. Nada poderia ser pior!
— É, tem razão.
Ficaram mais um tempo comendo e bebendo, enquanto a carruagem avançava. O ar era fresco e agradável, e Maria não queria deixar que o mau humor tomasse conta. Ela disse:
— De onde você é?
— Eu? Por que quer saber?
— Vamos ficar um tempão juntos, é melhor a gente achar alguma coisa em comum para podermos papear, senão essa viagem vai ser horrível. Vai, começa você! Depois eu falo um pouco de mim e assim a gente se anima.
Ele sorriu simpaticamente e disse:
— Me desculpe, Maria. É que quase nunca querem conversar comigo… eu fico meio sem graça.
— Se preferir, eu começo.
— Não, não, pode deixar — seu sorriso se ampliou. — De onde eu sou? Bem, vejamos, eu nasci ali mesmo, na capital. Sempre morei perto do castelo. A minha família toda serviu à coroa…
Ao longo dos dias, as visitas aos vassalos da rainha foram se acumulando. Algumas foram extremamente rápidas e duraram apenas uma noite. Outras demoraram duas ou até três noites. Um dos lordes, cujo sobrenome era Proença — o nome não ficou na memória de Maria — insistiu para que ela conhecesse toda a enorme propriedade antes de abrir as negociações. Passaram horas cavalgando e visitando casas, celeiros, moinhos e campos intermináveis. E no final, ele concordou em doar apenas metade do valor que a rainha tinha estimado, alegando que estava sem tesouro devido a uma praga em suas plantações.
Eram também muito variadas as reações dos lordes sendo visitados. A maioria era educada e atendia Maria com cordialidade, ainda mais sabendo que se tratava de uma enviada da rainha. Mas alguns eram atrevidos e abusados, diziam gracejos e tentavam cortejá-la o tempo todo. Ela tinha prática em lidar com esse tipo de comentário e até o momento não teve dificuldade para se livrar das situações embaraçosas criadas pelos homens.
Duas semanas já haviam se passado, e eles ainda estavam na metade da lista. O dia já chegava ao fim quando Tiago disse:
— Já estamos chegando, Maria. Aquele é o castelo de Vide.
— Ugh!
— Algum problema?
— Sim. Frederico. Ele é um nojento.
— Mas pelo que eu ouço por aí, é bastante rico e influente.
— Para mim, isso não muda nada. Continua sendo um asqueroso, do mesmo jeito.
— Maria, cuidado com o que diz.
— Só estamos nós dois aqui, senhor Tiago. Vai me dedurar?
— Ora, claro que não. — Ele riu. — É só um conselho de um homem mais velho e sábio. Mantenha sua língua quieta para evitar que seja cortada.
Como a rainha mandou fazer com os conspiradores!
O pensamento a invadiu sem querer, e Maria teve que piscar com força para voltar ao presente.
— Eu suponho que esse conselho seja muito importante para o senhor. Deve ouvir muitas coisas ali atrás.
— Eu não saberia dizer. Não consigo ouvir nada — Tiago disse, dando um sorriso malicioso.
— Senhor Tiago! Agora fiquei curiosa, me conta alguma coisa, só uma?
— Se eu consegui chegar à velhice, foi evitando fofocas. Ainda mais com uma mulher.
— Ei! — Ela deu um tapa no ombro dele. — Qual o problema de eu ser mulher?
— Vocês adoram cochichar. Eu vejo vocês sussurrando pelos corredores do castelo, acha que eu sou tonto?
Esse homem é de fato esperto. Mais do que a maioria.
— Ah, mas me conta uma fofoca inocente. Eu prometo que não espalho por aí.
— Não, senhorita. Não me entenda mal, mas conheci você há apenas poucos dias.
— Façamos o seguinte, então. Quando voltarmos, prometa que vamos continuar nos encontrando e nos conhecendo melhor, até que nossa amizade seja suficiente para poder me contar algum podre.
— Sim, acho que podemos ser amigos. — Ele sorriu. — Mas eu vou continuar sendo discreto.
Estavam agora bem próximos ao castelo. Maria já tinha trocado de roupa. Colocou o traje mais simples que encontrou, sem esquecer de amarrar o seu confiável punhal na coxa. Ainda não tinha precisado usá-lo, mas em sua próxima visita podia ser necessário, se Frederico retomasse a mesma postura ousada de seu último encontro.
— Chegamos, Maria.
— Lá vamos nós — ela disse, em um suspiro. — Vou ver se ele tem um quarto para o senhor.
— Não precisa, eu fico bem aqui.
— Deixe de tolices. Verei o que posso fazer.
— Maria… — Ele abaixou a voz. — Cuidado com lorde Frederico.
— Pode deixar, eu sei lidar com esse tipo de homem.
— Não é isso… — Tiago se aproximou ainda mais. — Dizem que… — Olhou para os lados para ter certeza que não havia ninguém. — Dizem que ele financia aspirantes ao trono.
Maria arregalou os olhos. Em um sussurro, perguntou:
— O trono? De Catarina?
— Shhhhh! Sim, são só boatos, mas… cuidado!
— Terei cuidado, muito obrigada, senhor Tiago. — Ela segurou a mão dele carinhosamente antes de descer da carruagem.
— Eu não acredito em meus olhos!
Maria estava em pé no grande saguão do castelo. Não era grande como o de Catarina, mas Frederico dispunha de uma suntuosa residência. Ela estava admirando a grande quantidade de tapeçarias e obras de arte quando viu-o descendo uma enorme escadaria esculpida em mármore.
— Ah, um momento só — ele disse. — Esqueci de uma coisa.
Frederico virou-se de costas e subiu alguns degraus. De uma mesinha próxima ao topo da escada, pegou um pequeno prato dourado que dava suporte a um brilhante castiçal. Sem tentar esconder o que fazia, enfiou-o por dentro das calças, na frente, e começou a descer de maneira desengonçada. Com um olhar sério, ele disse:
— Pronto, agora posso chegar perto de você, sem perigo.
Oh, Deus!
Revirando os olhos, Maria cruzou os braços e abaixou a cabeça, concentrando-se em admirar um detalhe completamente desinteressante do piso ao seus pés.
Frederico deu uma sonora gargalhada enquanto descia os últimos degraus. Parou em frente a ela e se curvou em uma reverência.
— Maria! Meu coração se alegra ao vê-la em minha humilde casa. A que devo essa maravilhosa visita?
— Lorde Frederico de Vide — ela imitou sua reverência —, venho em nome da rainha…
— Ah, pode parar! — Ele a interrompeu. — Se só veio porque a rainha mandou, eu não vou recebê-la. Bartolomeu! — Dirigiu-se ao seu criado, que tinha acompanhado Maria desde a carruagem até o saguão. — Mostre a saída à nossa bela, porém inoportuna, visitante.
Maria ficou boquiaberta. Ele estava mesmo expulsando-a? Frederico continuou:
— Por um breve momento eu me alegrei com a ideia de que veio me visitar por conta própria, mas aí você me diz que foi a rainha quem mandou? Que decepção! Pode ir embora.
Maria continuou sem saber o que falar. Acenou com a cabeça e virou-se, pronta para ir embora. Já começou a pensar em como explicaria à rainha que tinha falhado em conseguir uma doação de um de seus vassalos mais ricos.
— A não ser… — ele disse às suas costas — que você jante comigo esta noite. Está me devendo um jantar, não está?
Maria revirou os olhos novamente e apertou seus punhos com força. Virou-se para encará-lo e disse:
— Eu não estou devendo nada.
— Bem, se não quiser voltar de mãos abanando, vai ter que jantar comigo desta vez.
Ela olhou para ele, o ódio crescendo em seu peito. Ele continuou provocando:
— E nada de assuntos da rainha. Seremos só você e eu, falando de poesia, de música, ou de qualquer coisa que você quiser.
Fechando os olhos e soltando um suspiro, Maria finalmente aceitou:
— Como quiser, milorde.
— Sério? Não acredito!
— Eu não tenho escolha, não é?
— É… não. — Ele riu, parecendo divertir-se bastante.
— E suponho que também vá me convidar para passar a noite aqui?
— Uuuu, alguém está atrevida hoje! Nem provou de minha hospitalidade e já quer ir para a cama comigo?
Maria revirou os olhos mais uma vez e virou-se, pronta para ir embora dali, mas Frederico disse, agora sério:
— Perdão, Maria, não vá embora. Só estou brincando, é claro. Não ligue para as bobagens que eu digo. Ou faço. — Ele tirou o prato das calças, parecendo sinceramente arrependido. — Diga uma palavra, e esta terá sido a minha última malcriação.
— Uma palavra. Na próxima vez, eu vou embora.
— Combinado. Você veio com a carruagem oficial, sim? Quem a trouxe?
— Foi Tiago.
— Oh, sim, eu o conheço. É um senhor muito simpático, muito bom de papo. Bartolomeu, traga o senhor Tiago também para dentro. Está fazendo bastante frio, dê-lhe a nossa melhor hospitalidade. E cuide dos animais da rainha também, por favor.
O servo assentiu com a cabeça e saiu pela porta da frente.
— Obrigada. É muito gentil de sua parte, milorde — ela disse.
— Então vai ficar mesmo?
— Sim.
— Excelente! — Ele deu um sorriso. — Espere aqui só um minuto, que minha governanta virá cuidar de você, mostrar seus aposentos e trazer sua bagagem. E eu vou fazer os preparativos para o jantar, com licença.
Ele fez mais uma reverência e saiu por um corredor lateral. Poucos instantes depois, chegou uma mulher enorme, que Maria julgou ser a governanta. Ela tinha um rosto muito vermelho e emburrado, sob cabelos fartos e emaranhados. Pediu que Maria a acompanhasse e lhe mostrou um enorme quarto no segundo andar. Assim que ficou sozinha, Maria foi até a cama e se jogou nela. Respirou fundo e começou a se preparar mentalmente para o jantar que teria que aturar.
Para surpresa de Maria, Frederico não foi tão horrível como ela esperava. Pelo contrário, ele se mostrou verdadeiramente agradável. Sentou-se longe dela durante o jantar, não fez nenhum comentário inoportuno, e parecia ter um interesse sincero em ouvir o que Maria tinha a dizer.
— E o que achou do assado? — ele perguntou.
— Está muito saboroso. É cordeiro?
— Sim. E se eu dissesse que fui eu mesmo quem fez?
— Eu te chamaria de mentiroso.
— E estaria errada. Coloquei para assar no começo da tarde. Eu não pretendia dividi-lo com ninguém exceto meus criados, mas fiquei feliz em ter mais alguém para compartilhar da minha comida.
Ela sorriu para ele. Disse:
— Detesto admitir, lorde Frederico, mas você me surpreendeu esta noite.
— Espero que positivamente.
— Sim, pelo menos até agora. Daqui a pouco vem mais um de seus comentários idiotas e tudo volta ao normal.
— Eu prometo me segurar.
Pelo restante da noite ele honrou a promessa. Maria também cumpriu sua parte do acordo, não mencionando a rainha ou o motivo pelo qual estava ali. Eles conversaram sobre diversos assuntos, e no fim da noite foi com um sorriso sincero que ela se despediu antes de retornar ao quarto. A única coisa que ainda incomodava era o aviso dado por Tiago.
Frederico está mesmo tramando contra a rainha?
— Não posso, sinto muito. Este já é o meu limite.
— Mas a rainha…
— Eu sei que a rainha acha que eu sou feito de dinheiro, mas ela está pedindo um valor muito alto.
— Se essa é sua última palavra…
— Sim, Catarina que se dê por satisfeita.
Maria escreveu em uma pequena caderneta que tinha trazido, onde estava anotando as promessas dos vassalos. Frederico se comprometeu a enviar uma remessa de armas e suprimentos equivalente à metade do valor pedido pela rainha. Ela não ficaria satisfeita.
— E você acredita nessa invasão, milorde? — ela perguntou, enquanto fechava a caderneta e a colocava sobre a mesa.
— Cá entre nós? Sim, é possível.
— Mas nós já os expulsamos uma vez e os derrotamos em Sepúlveda, sua própria terra.
— Sim, mas eram outros tempos. Gregório ainda era o rei, e os inimigos pensavam duas vezes antes de declarar uma guerra contra Évora. Já Catarina não parece ter a mesma força.
— Ela enfrenta muita oposição. Dentro e fora do reino.
— Sem dúvida que sim. E por que você acha que isso acontece?
— Porque ela é mulher.
Frederico alisou seu bigode e sorriu para Maria. Ele pegou sua taça e bebeu um gole. Estavam compartilhando uma garrafa de um delicioso vinho tinto enquanto conversavam.
— Talvez… — ele disse. — Ou talvez tenha outros motivos, quem sabe?
— O que você acha?
— Eu?
— De ter uma mulher como líder?
— Maria, você já me conhece um pouco melhor agora. Deveria saber que eu admiro as mulheres, talvez mais do que qualquer pessoa.
— Sei bem que tipo de admiração você tem, Frederico.
— É claro que eu gosto de cortejá-las, não vou negar. Mas eu sei que uma mulher pode ser uma líder tão valorosa quanto qualquer homem.
— E Catarina é uma líder valorosa?
Ele bebeu outro gole de vinho, esvaziando a taça. Voltou a enchê-la com o conteúdo da garrafa. Faltava apenas um pouco para que ficasse vazia. Ele ofereceu o restante a Maria, que aceitou com um aceno. Depois de tomar outro gole, ele perguntou:
— Como ela está?
— Catarina? Até onde eu sei, está ótima, por que?
— Você a considera uma líder valorosa?
— Sim, é claro.
Mentira!
Maria olhou para baixo instintivamente. Pegou sua taça de vinho e bebeu um gole. Frederico a observou por um instante, antes de dizer:
— Você é muito leal à rainha.
— Sim, eu devo muito a ela.
— E Catarina tem muito apreço por você, Maria. Ela a defende sempre, com unhas e dentes. Sabe o que dizem de você, na corte?
Maria engoliu em seco. Respondeu:
— Não… eu não sei.
E não tenho certeza se quero saber!
— Dizem que você é a cachorrinha dela — disse Frederico, sem demonstrar qualquer piedade na voz.
Maria sentiu o sangue ferver imediatamente ao ouvir aquela expressão. Teve que lutar para permanecer calma e não demonstrar reação.
— É claro — Frederico bebeu mais vinho —, que a maioria só diz isso por puro interesse. Querem enfraquecer você, derrubar você, na esperança de conseguir colocar um protegido em uma posição tão importante como a sua, você compreende isso, sim?
— Naturalmente.
— E compreende que esse apreço de Catarina por você também é baseado em interesse?
Maria lembrou-se da reação da rainha quando ameaçou queimá-la em uma fogueira. Pensou no torneio, quando foi oferecida como prêmio. Pensou em Alvar. E pensou em como estava, agora mesmo, longe de seu posto, de sua posição conquistada com muito esforço e dedicação, para pedir dinheiro aos vassalos da rainha, uma função que não lhe cabia. Frederico parecia ler seus pensamentos enquanto a olhava profundamente, com o rosto sério.
— Maria… — Ele estendeu sua mão e segurou no antebraço dela. O gesto não foi sensual ou inoportuno. — Se algum dia se sentir ameaçada, venha a mim. Eu tenho amigos que podem protegê-la!
Maria puxou o braço e se levantou.
— Obrigada pela hospitalidade, milorde, mas eu preciso ir, agora.
Frederico apertou os lábios, com a decepção transparecendo no olhar. Ele também se levantou e fez um gesto em direção à porta da sala onde estavam.
— É claro. Depois de você.
Eles caminharam em silêncio até a saída. Frederico deu ordens para que seus criados trouxessem os pertences de Maria. Tiago já estava esperando do lado de fora, ao lado da carruagem. Depois de alguns minutos, ela entrou pela pequena porta do veículo e sentou-se no banco macio. Ficou olhando pela janela enquanto Frederico acenava em despedida.
Ao retornar à estrada, Maria repassava as últimas conversas em sua mente. Os boatos que Tiago mencionou pareciam ter um fundo de verdade. Frederico certamente conhecia pessoas que conspiravam contra a rainha. E ele tinha claramente oferecido ajuda, caso Maria, em algum momento, estivesse do lado oposto de Catarina.
Mas ainda que, por um breve instante, a proposta de Frederico tenha parecido tentadora, nunca teria coragem de fazer nada que a colocasse em uma situação assim. Não que tivesse gratidão ou respeito. Nem mesmo por causa de seu juramento à coroa.
A verdade é que ela morria de medo de Catarina.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.