Capítulo 31 - Visita na Madrugada
Martim não estava com sono. Apesar de todo o cansaço causado pela longa viagem, não conseguia fechar os olhos. Seu coração estava acelerado e sua mente fervilhava, incapaz de relaxar e dar ao corpo o descanso que merecia.
O dormitório estava cheio de corpos desmaiados. A maioria chegou da marcha e se jogou diretamente na cama, sem se preocupar em tirar as roupas sujas ou guardar seus pertences. Martim ouvia o barulho de roncos vindo de todos os lados, e isso só fazia a insônia piorar. Tentou dormir, mas não conseguiu. Experimentou tomar um banho para ver se, ao remover a sujeira grudada na pele, o sono viria. Também não resolveu. Ele agora caminhava de um lado para outro sem parar, passando entre as camas rapidamente. Carlos, Tomás e Ricardo, percebendo sua inquietação, resolveram deixar o sono para depois também. Estavam sentados próximos a ele, espalhados em sua cama e no chão. Observavam-no enquanto ele ia e voltava, sem dizer nada, apenas ouvindo a sua respiração pesada.
— Tem certeza que não disse nada? — perguntou Tomás, bocejando.
— Shhhhh! — alguém reclamou.
— Tenho — respondeu Martim, com um sussurro.
— Mas isso não faz sentido — disse Ricardo. — Você deve ter falado alguma coisa a mais e não está lembrando.
— Não falei, eu…
— Calem a boca aí, caralho! — outro soldado reclamou.
— Venham, vamos lá pra fora — disse Ricardo.
Os quatro se levantaram e saíram do dormitório. Caminharam até o final do corredor, onde havia uma janela que se abria para a noite estrelada. Ricardo sentou-se no parapeito, enquanto Tomás, Carlos e Martim ficaram em pé, encostados na parede.
— Eu não disse nada dessa vez, eu juro! — explicou Martim.
— E ela simplesmente se afastou?
— Sim, quantas vezes vou ter que repetir?
— Mais uma vez, por favor — disse Ricardo. — E com calma. Vamos prestar atenção para ver se não perdemos nenhum detalhe.
Revirando os olhos, Martim começou:
— Você saiu — disse, apontando para Ricardo — e nos deixou sozinhos, perto da fogueira. Conversamos um pouco. Ela estava bem, a gente riu, ela pegou na minha mão…
— Certo, por causa da história sobre o capitão Augusto.
— Isso. Aí a gente pediu desculpas um pro outro, por causa da briga no torneio e no baile, estava tudo ótimo.
— E aí você fez aquele lance de esquentá-la?
— É, ela estava tremendo de frio. Eu a abracei.
Os amigos ficaram olhando-o sem dizer nada. Martim continuou:
— Depois do torneio, eu achei que ela não fosse me perdoar. Foi muito ruim, vocês não tem noção. Eu até já tinha meio que desistido dela, estava tentando ficar de boa, mas depois do que aconteceu, na viagem e tudo o mais, ela me perdoou. E ela estava ali, pertinho de mim. Estava tremendo, eu podia sentir. Deus, como eu queria beijá-la! E ela também queria, eu tenho certeza disso, mas…
— Mas ela se levantou e se afastou de você. Sem você falar nada? — perguntou Tomás.
— Sim. E eu NÃO falei nada!
— Será que você não estava com mau hálito? — perguntou Carlos. — O que você tinha comido?
— Não fala merda, Carlos! — disse Ricardo. — Se fosse só mau hálito ela não ia ter chorado depois. Ela chorou, né Martim?
— É, meio que chorou — Martim deu um soco na parede. — Eu não entendo. Ela disse que a culpa era dela, e não minha, mas eu não sei o que ela fez. Não entendo.
Olhou para os amigos, desanimado, sem saber o que mais poderia falar. Eles também não tinham mais nada a acrescentar. Depois de um tempo, Carlos disse:
— É estranho imaginar a capitã assim, não é?
— Assim como? — perguntou Tomás.
— Sei lá, toda feminina, chorando… Eu ainda tenho aquela imagem dela feroz, no primeiro dia. Nunca imaginei que ela pudesse ficar assim por causa de um homem, ainda mais o Martim.
— Ei — reclamou Martim. — O que quer dizer com isso?
— Nada, é que você é um de nós. Um soldado, nada de mais. Só um cara normal.
— Isso pode parecer surpreendente, — disse Martim — mas ela também é uma pessoa normal, sabiam?
— A culpa é minha, amigos — disse Ricardo, desapontado.
— Como assim?
— É a minha poesia, ela tem esse efeito nas mulheres.
— Ah, não, Ricardo, não força a barra — disse Tomás.
— É sério. Eu devo ter bagunçado todos os sentimentos dela, e ela ficou frágil, com os nervos à flor da pele. Depois disso, qualquer coisinha poderia tê-la feito explodir. Ela ficou emocionada, vocês estavam lá.
— É, mas isso foi antes. Ela falou que perdeu a família também, igual a menina do poema.
— Bom, a não ser que tenham mais alguma ideia — disse Ricardo —, só tem duas opções.
— Quais? — Perguntou Martim.
— Podemos deitar e dormir… Deus sabe que eu estou precisando. Ou…
— Ou o quë?
— Ou o Martim pode ir lá e perguntar para ela o que foi que aconteceu.
— Não sei não, Ricardo. Da última vez que você sugeriu isso não deu muito certo…
— E o que você sugere?
— Pensei em conversar com André, eles são amigos.
— André foi embora, esqueceu?
— E vocês sabem para onde ele foi? Eu posso procurá-lo na minha próxima folga.
— E vai esperar quantas semanas até conseguir fazer isso? — disse Ricardo, bravo. — Até lá essa chama vai ter esfriado. — Ele se levantou, segurou Martim pelos ombros e disse, com os olhos muito cansados:
— Vai lá, Martim. Vai lá agora!
— Agora? No quarto dela?
— É! Surpreenda-a! Diga que não vai dormir enquanto não tiver uma resposta. Seja firme.
— Não sei… da última vez…
— Agora é diferente. Se ela realmente gosta de você, vai ter que dar uma explicação. Se não gosta, pelo menos você vai descobrir o porquê.
— Martim — disse Tomás —, eu acho que o Ricardo tem razão dessa vez.
— Vai, Martim — completou Carlos.
Martim olhou para os amigos e sentiu o coração acelerar. Tomou coragem e disse:
— Tá bom, eu vou.
Os amigos sorriram e lhe deram tapas nos ombros e nas costas, enquanto ele respirava fundo e se preparava para ir em busca de Maria.
— E se não der certo, sai correndo antes que você apanhe — disse Tomás.
O pouco ânimo que tinha conseguido cultivar desapareceu imediatamente.
Martim respirava fundo, tentando tomar coragem para se aproximar da porta. Podia ver, pela fresta entre o chão e a madeira, que havia uma luz acesa no lado de dentro.
Aos poucos, foi colocando um pé em frente ao outro, avançando devagar. Quando estava bem perto, ouviu algo estranho. Parou.
Vozes. Risadas?
Teve a nítida impressão que havia alguém dentro do quarto junto com Maria. Tomado pela curiosidade, aproximou-se e encostou o ouvido na porta. Pôde escutar, de forma bem abafada, mas nítida, duas mulheres conversando:
— Então eu já vou.
— Nossa, de novo, muito obrigada. Muito obrigada mesmo.
— Imagina. Eu estou torcendo muito pra dar certo.
— Quer que eu a acompanhe até a saída do castelo?
— Não precisa, eu vou sozinha.
Neste momento, Martim ouviu passos se aproximando e o barulho da fechadura sendo aberta. Tentou afastar-se rapidamente, mas não conseguiu se esconder a tempo. Viu uma mulher abrindo e fechando a porta atrás de si. Assim que ela se virou, deu de cara com Martim e fez uma cara de espanto. O rosto não lhe era estranho. Ela disse:
— Martim?
— O-oi… eu vim falar com a capitã… ela está acordada, suponho?
A mulher abriu um sorriso enorme e, para completo espanto de Martim, deu um gritinho e colocou as mãos na boca. Depois, em um pulo, agarrou-o em um abraço apertado.
— E-eu te conheço, moça? — ele disse, desvencilhando-se dela.
— Claro que conhece. Você só não está lembrando direito. Meu nome é Violeta.
— A-ah, sim. Você trabalha no… — Não quis dizer onde. — É amiga de infância da capitã, né?
— Acho que pode dizer que somos amigas, agora — ela disse, e Martim ficou sem entender direito.
— Bom, então eu vou… se me der licença… — Apontou com o dedo para a porta.
— Vai, não demora, ela já está indo dormir, vai logo. Vai!
Violeta dava pulos sem sair do lugar, olhando para Martim de um jeito esquisito. Ele disse:
— Tá bom. Boa noite.
— Boa noite — ela disse, afastando-se, ainda sorrindo muito mais do que parecia ser normal.
Martim respirou fundo mais uma vez, aproximou-se da porta e bateu de leve.
Toc. Toc. Toc.
— Pode entrar. — Ouviu a voz de Maria.
Engoliu em seco, tentando esquecer o fato de que seu coração estava quase saltando para fora do peito. Segurou na maçaneta e empurrou a porta devagar.
Assim que entrou no quarto, viu Maria sentada em frente à sua mesa. Ela olhava para um pequeno espelho enquanto passava um pente nos cabelos. Sem olhar para ele, disse:
— Esqueceu alguma coisa, Violeta?
— Sou eu — disse Martim.
Maria virou-se para ele e abriu a boca, deixando cair o pente, enquanto colocava uma das mãos em seu peito. Martim ensaiou um pouco do que ia dizer, então não quis demorar muito para começar, com medo de ser expulso antes que conseguisse falar tudo o que queria. Disse:
— Maria, eu preciso falar com você. Desculpe vir nessa hora, sei que deve estar cansada da viagem, eu também estou, mas eu não estou conseguindo me segurar. Na última noite, a gente estava prestes a se beijar, mas você se afastou e eu não sei por quê, e isso está me matando!
— Martim, eu…
— Calma, deixe-me falar tudo primeiro, por favor. — Levantou a mão, interrompendo-a. — Depois eu prometo que te deixo em paz, pode ficar tranquila. Eu só preciso tirar isso do meu peito. — Respirou fundo, antes de continuar. — Desde que eu te conheci, minha vida mudou completamente. No começo, eu queria que você fosse embora, acho que eu ainda sentia muita falta de Augusto. Eu sei que ele morreu, não adiantava nada ficar lamentando…
— Martim?
— Desculpe, estou enrolando demais né? Eu vou ser rápido. Onde é que eu estava? Ah, sim, o capitão Augusto. Não que você fosse pior que ele, mas é que depois de tudo o que aconteceu, eu meio que queria que viesse alguém mais parecido com ele, sei lá. Aí você veio e mudou tudo! Você é inteligente, é corajosa. Não tem medo de morrer. Mas você é meiga, também, de um jeito surpreendente. Consegue ser uma mulher durona, uma verdadeira guerreira, mas às vezes parece uma menina. Também é alegre, bem-humorada, modesta, e…
Maria agora sorria para ele. Se não estivesse tão concentrado em despejar tudo o que queria dizer, teria percebido aquele sorriso antes. Continuou:
— E você é linda, seus olhos são… — Engasgou, sem conseguir continuar. — Mas aí eu fiz besteira, sei que fiz. Eu às vezes falo as coisas sem pensar, e você tem toda a razão em ficar chateada comigo, mas acredite em mim, eu nunca quis magoá-la. Esse tempo que a gente ficou brigado só me fez perceber, cada vez mais ter certeza que…
— O que, Martim?
Ele conseguiu parar um pouco para respirar. Olhou para ela e finalmente percebeu que ela sorria para ele, e que seus olhos brilhavam à luz das lamparinas. Ele sorriu também, aliviado, e disse:
— Eu estou apaixonado por você.
Maria não disse nada, mas seu sorriso se ampliou e seus olhos brilharam ainda mais. Eles ficaram quietos por alguns instantes, olhando um para o outro. Martim enfim disse:
— O que você ia dizer, antes?
— Eu só ia dizer que eu quero muito aquele beijo.
Martim soltou um misto de riso e suspiro. Era um espanto aliviado, uma alegria contida que finalmente foi libertada, um peso enorme que se desamarrou de seu peito.
A passos largos e não conseguindo conter a excitação, ele avançou em direção a ela e a agarrou com toda a sua força. Segurou seu rosto com as duas mãos e sentiu seu cheiro. Não apenas o perfume, mas também o cheiro de seus cabelos, de sua pele, sua boca.
Ela se deixou abraçar, colocou as mãos em seu pescoço e levantou o rosto até que seus olhos ficassem perfeitamente alinhados. Martim sentiu o toque quente do corpo de Maria grudado no seu, sentiu sua respiração ofegante aumentando de ritmo. Os olhos dela pulsavam junto com as batidas de seu coração, esquadrinhando cada canto do rosto dele. Ele podia ver, por trás daqueles olhos, o mesmo desejo que sentia. Um desejo incontrolável, de beijá-la, sentir o toque macio de seus lábios e provar o gosto daquela boca.
Martim passou uma das mãos por trás da cabeça de Maria e entrelaçou os dedos em seus cabelos. Em seguida, puxou seu rosto e beijou-a com toda a paixão acumulada. Ela o beijou de volta, entregando-se, mas também devorando seus lábios com vontade. Ele colocou a outra mão na nuca dela e foi descendo-a devagar pelas costas até a cintura, puxando-a ainda mais forte junto a si. Ela correu as mãos pelo seu pescoço e pelos seus ombros, apertando-os e arranhando-os vigorosamente.
Martim estava completamente inebriado pela sensação de ter Maria em seus braços, em seu peito, em sua boca. Nada mais existia, nem o tempo e nem o espaço, apenas ela e ele, juntos, naquele momento. Não sabia onde terminava seu corpo e onde começava o dela.
Sem desgrudar-se nem um centímetro, ele a conduziu pelo quarto, à procura da cama. As mãos de Maria tornaram-se mais ávidas, procurando por um espaço aberto entre o tecido de sua camisa e sua pele. Ele também fez o mesmo, tocando com as mãos famintas em sua cintura e seus quadris, amarrotando seu vestido. Ao perceber que tinha finalmente encostado a perna na cama, ele empurrou seu corpo sobre o dela, fazendo-a se sentar. Ela cedeu, e ele se ajoelhou ao lado dela. Beijou-a por todo o rosto, pescoço e colo, e fez com que ela se deitasse, depois se afastou um pouco.
Maria estava ofegante. Deitada na cama, seus olhos o devoravam, vidrados em cada pequeno movimento dele. Sua boca estava aberta, sedenta, em busca de ar e completamente entregue à volúpia. Ele a admirou por um instante, encantado com sua beleza. Apreciou a pele sedosa. Admirou seus seios, bem definidos por baixo do tecido fino de seu vestido, movendo-se para cima e para baixo junto com sua respiração acelerada.
Parte de si ainda não podia acreditar que ela estava realmente ali, pronta para se entregar a ele. Só para ele. Essa parte queria que aquele momento sublime durasse para sempre, congelado em sua memória por toda a eternidade.
Mas outra parte de Martim tinha planos diferentes. Foi essa a parte que o fez tirar a própria camisa, em um puxão forte que quase a rasgou, e arremessá-la para longe. Nesse momento, Maria exclamou:
— Oh, Martim!
Ela se levantou bruscamente, jogou seus braços por trás dele e puxou-o pelo pescoço para baixo, com violência, trazendo-o de volta para perto de si, antes de voltar a beijá-lo loucamente.
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