Capítulo 0063: Um novo dia
Os olhos de Gwen brilharam quando ela sorriu e correu até Siegfried, o embalando em um abraço, enquanto descansava a cabeça em seu peito.
— Por que demorou tanto? — ela perguntou.
O rapaz hesitou por um momento, então retribuiu o gesto:
— Desculpa.
Podia sentir o calor do corpo dela grudado ao seu e o cheiro doce de amêndoa em seus cabelos.
Então alguém apareceu por trás da garota.
Uma sombra puxou ela pelos cabelos e a jogou no chão como se fosse um saco de excrementos.
— O que está fazendo!? — gritou Siegfried, mas quando tentou ir até ela, notou que as suas mãos estavam acorrentadas com grilhões presos ao chão e não se moveu.
Gwen tentou fugir, então uma segunda sombra a derrubou no chão com um chute e a garota gritou.
Siegfried puxou as correntes, tentando forçá-las a se romperem, mas os elos eram grossos demais e, ao invés disso, os grilhões se encurtaram, como se alguém os estivesse puxando para baixo, até que não tivesse outra opção senão cair de joelhos e observar.
— Gwen!
A garota se encolheu no chão e começou a chorar, enquanto três sombras chutavam suas costas e a espancavam com espadas feitas de escuridão.
Siegfried tentou gritar, mandando que parassem, mas a sua voz não saiu.
O som seco de aço batendo em carne foi ganhando força, cada vez mais alto, cada vez mais ensurdecedor, até que não pudesse ouvir mais nada além disso.
Então, subitamente, parou.
Tentou olhar ao redor, mas não havia luz e, por um breve momento, também não fazia diferença se seus olhos estavam abertos ou fechados. Tudo o que via era escuridão.
Até que ela se aproximou.
O piso de madeira rangeu com seus passos lentos e Gwen parou bem na sua frente. O rosto ensanguentado, os lábios rachados e um dos olhos tão inchado que mal podia abri-lo.
— Por que fez isso? — perguntou ela. — Por que trouxe eles?
Lágrimas escorreram de seus olhos, então uma das sombras se aproximou, depois outra e mais outra, até que as três estivessem bem ali, ao lado dela.
— Desgraçados! — Siegfried tentou se levantar, mas as correntes não deixaram. — Eu vou matar vocês, tão me ouvindo!?
Eles ouviram. E riram.
Gwen tomou a dianteira, se ajoelhou de frente para ele e disse:
— Eu te amava.
Siegfried sentiu um aperto em seu peito e então acordou, com o coração batendo tão rápido que era difícil respirar, mas quando olhou ao redor, tudo o que viu foi o salão escuro e silencioso, enquanto todos dormiam pacificamente.
Aos poucos sua respiração foi normalizando e o rosto de Gwen desapareceu da sua mente. Duas semanas e mais dois dias haviam se passado desde que a confrontou no Saqueador Paciente.
Quando dormia, podia vê-la tão claramente como se estivesse bem ali, mas quando acordava, tudo o que lembrava era de seus olhos azuis.
“Merda.”
Dara se moveu sonolenta por baixo dos cobertores e pôs um braço em volta da cintura de Siegfried:
— Não — murmurou cansada —, ainda tá cedo…
Não era a primeira vez que tinha aquele sonho e o rapaz sabia por experiência própria que não iria voltar a dormir, por isso se levantou com cuidado para não acordá-la, pegou sua espada e deixou o salão, dando de cara com uma rajada de vento frio que gelou seus ossos, mas seguiu em frente assim mesmo.
Lá fora, a lua estava bem alta no céu e a fortaleza, quieta.
Apenas alguns guardas estavam acordados e nenhum deles o incomodou, por isso se dirigiu até o pátio de treinamento.
Parou no centro do terreno e empunhou a espada com duas mãos, firmando bem os pés no chão e esvaziando a mente.
Seus primeiros movimentos foram finamente desenhados, se movendo em um fluxo lento e contínuo, como a corrente de um rio, enquanto cortava o ar, lutando com inimigos invisíveis.
“Partiu o coração da pobre garota”, ouviu Elenor dizer.
O pensamento quebrou seu ritmo e o golpe que deu foi mais violento, duro e desajeitado. A raiva estragava a forma, por isso parou, respirou fundo e limpou a mente, mas quando deu o próximo golpe, havia ainda mais raiva nele.
“Eu cumpri o meu dever!”, disse a si mesmo.
“Ela se apaixonou por você”, retrucou Elenor.
— Não!
O rapaz abriu tanto o golpe no seu último movimento, que perdeu o equilíbrio e o peso da espada quase o derrubou no chão, mas conseguiu girar o corpo e deslizar os pés, mudando de posição e recuperando a postura.
— Ela me enganou!
Dessa vez ele se deixou levar pela raiva e abriu em dois o crânio de um inimigo imaginário.
— Me usou!
Siegfried deslizou por baixo de uma espada invisível, antes de atravessar o peito de um segundo inimigo imaginário em uma estocada e arrancar a lâmina com um giro, já caçando o próximo oponente.
— Eu não sinto nada por ela!
Mas quando balançou a lâmina para decapitar o terceiro oponente ilusório, o rosto dele se transformou no de Gwen e o rapaz parou…
— C-capitão…? — chamou Elly, com a espada a menos de dois centímetros do seu pescoço. Seu rosto suado e o corpo paralisado, enquanto tremia.
Levou alguns instantes para Siegfried entender o que estava acontecendo, então baixou a lâmina e finalmente notou que já havia amanhecido.
— O que houve?
A garota passou a mão em volta da garganta, como que para garantir que ainda estivesse ali, então respirou fundo e disse:
— A-a baronesa Kessel, senhor. Ela acabou de chegar com sua comitiva. Eles estão no portão agora mesmo.
— O quê!?
Siegfried não esperou que ela repetisse, foi até o pátio de imediato e precisou forçar o seu caminho por uma pequena multidão de servas que assistia atentamente à chegada dos convidados.
Uma bela carruagem de carvalho cruzou o portão escoltada por um pelotão de quase quarenta soldados. Seu brasão: a cruz negra em fundo partido, meio azul e meio prateado. O símbolo da casa Kessel.
Um grupo tão grande teria sido avistado a vários quilômetros. Horas antes de finalmente chegarem ao Salão dos Poucos.
Deviam tê-lo avisado muito antes.
Quando se aproximou do portão, entendeu o porquê de não terem feito isso.
— Capitão — saudou Dyrk, com um sorriso no rosto.
Nove dias haviam se passado desde que o conde retornou e muitas mudanças foram feitas.
Igmar estava morto.
— Eradan o empalou em uma estaca e exibiu seu cadáver em frente a torre, ao lado de William, todos os homens dele e dúzias de refugiados — tinha informado o lorde.
Siegfried foi promovido a capitão da guarda, mas coube à condessa escolher seu vice-capitão. Dyrk era um guarda de 24 anos e parecia odiá-lo tanto quanto ela, mas sua lealdade era incontestável; era um homem da lady Gaelor até a alma.
— Por que não fui avisado antes? — perguntou Siegfried, irritado.
— Não foi?! — Dyrk fingiu estupidez. — Devo ter esquecido. O senhor parecia tão ocupado que não quis interromper seu treinamento.
Mas antes que Siegfried pudesse dizer algo, a carruagem parou e um guarda se aproximou para ajudar a baronesa a descer.
A lady Kessel era uma mulher de quarenta anos que mal havia acabado de entrar na meia-idade. Tal como a condessa, se portava de forma régia, estoica e altiva, com uma expressão que não lhe traía as emoções.
Seus longos cabelos negros escorriam soltos por seus ombros e batiam nas costas, seus seios tão fartos quanto os da lady Gaelor e seu corpo tinha a forma de um triângulo, com o quadril mais largo que a cintura e os ombros.
Era uma mulher bonita, mas nem de longe tão bela quanto a condessa.
— Milady — saudou Dyrk, em uma meia reverência cheia de pompa —, é uma honra recebê-la. Se me permite, sua graça a espera.
— Mas é claro, eu… — ela dizia, quando reparou em Siegfried e seu rosto empalideceu. — Theron?

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