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    Siegfried sentiu o seu braço tremer e os ouvidos ressoarem quando a espada do conde atingiu o seu escudo.

    Lascas de madeira voaram e o impacto quebrou a sua postura em um instante. Mal teve tempo de firmar os pés e voltar a erguer sua defesa, quando foi atingido por outro golpe, e depois outro, e outro; cada um deles vindo mais rápido que o anterior, não lhe dando tempo de contra-atacar.

    — É só isso o que tem!? — rugiu o conde, sem interromper seus ataques nem por um segundo. — A gente mal começou e você já tá tremendo!

    Não que Siegfried pudesse respondê-lo; tinha a boca tão seca, que seus lábios já começavam a rachar e sua voz não era mais que um suspiro.

    Até mesmo sua visão já dava sinais de falha. Quando olhou para o lorde, sua armadura negra parecia brilhante demais e, ao seu redor, tudo estava um pouco embaçado, como se olhasse diretamente para o sol.

    Estava exausto e sabia disso.

    Fazia anos desde a última vez que usou uma armadura completa e já tinha se esquecido de como eram parentes próximas das fornalhas; abafadas, pesadas e completamente lacradas, negando-lhe até mesmo a menor brisa da primavera.

    Mas o conde não parecia ter problema algum com a sua; se movia com fluidez pelo terreno enlameado e, se estava cansado, não o demonstrava de forma alguma:

    — Sua técnica é desajeitada — gritou. — Seus ataques, fracos. E você já tá cansado. Cadê o guerreiro que conheci nas ruínas!? Meio ano longe do campo de batalha e é isso o que ele se tornou!? Eradan vai te esfolar como a um porco!

    De repente seus ataques ficaram mais agressivos, mas o ritmo diminuiu e o intervalo entre eles aumentou; não mais que uma pequena fração de segundos, mas o bastante.

    Siegfried esperou o momento certo e, quando viu a lâmina vindo em sua direção, deslizou por baixo dela. Foi a primeira vez que conseguiu pegá-lo de guarda baixa e não deixou a oportunidade passar: atingiu o conde logo abaixo das axilas…

    E não valeu a pena.

    Não fez mais do que riscar a placa de metal, mas o esforço cobrou seu preço da mesma forma; ele perdeu o equilíbrio e cambaleou para a frente. Na mesma hora, uma sombra se projetou pelas suas costas, engolindo toda a luz.

    Siegfried não precisava ver para saber o que era; quase não conseguiu se virar a tempo de erguer o escudo para receber o impacto. Não que isso lhe tenha sido muito útil.

    A madeira se estilhaçou em mil pedaços e lascas voaram em seu rosto quando a espada do conde o atravessou sem qualquer dificuldade e atingiu o seu braço com tanta força que deu para ouvir os ossos estalando por baixo da armadura.

    O rapaz lutou para se manter de pé quando suas pernas começaram a tremer, mas era impossível; ele cedeu e caiu com um joelho no chão, usando a própria espada de apoio para sustentar seu peso.

    Nem viu o chute chegando.

    Seu pescoço virou para o lado com tal violência, que bem poderia ter sido quebrado, mas quando sua cabeça atingiu o chão, ainda estava vivo e com a boca cheia de sangue.

    Por um momento, se sentiu como uma marionete que teve as cordas cortadas. O seu corpo estava um pouco mole demais, leve demais… Cansado demais. Nem percebeu quando fechou os olhos.

    Estavam lutando desde a alvorada, não seria pedir muito por uma pausa, seria?

    Apenas um cochilo…

    “Levanta!”, ouviu uma garota gritar e seu coração disparou. De bom grado a teria mandado calar a boca e ir beijar a bunda de Maldrek, mas o susto já tinha espantado o sono e não conseguia mais voltar a pregar os olhos. “De pé!”

    — Tá legal, porra — disse, apenas um tom acima do sussurro. — Já entendi… Para de gritar, cacete!

    Então começou a se mexer, lutando com o peso da própria armadura, enquanto se virava de bruços; seus braços tremendo a cada tentativa de buscar apoio na lama escorregadia.

    Podia ouvir alguém falando com ele, mas a voz parecia abafada e distante, como se tivessem enfiado algodão em seus ouvidos. E era difícil escutar com aquele zumbido irritante.

    Mas conseguiu distinguir os aplausos.

    A fortaleza inteira tinha parado para assistir ao duelo dos dois. Ou melhor: pararam para ver o conde esmagar seu escudeiro com facilidade.

    Sem armaduras, Siegfried até poderia ter alguma chance de vitória, mas esse não era o caso. Não que alguém se importasse; estavam ali apenas pelo espetáculo.

    Pouca coisa de interessante aconteceu no Salão desde que assassinou seu vice-capitão; e isso já fazia cinco semanas.

    A essa altura, o inverno havia terminado, um novo ano começou e uma ave chegou de Vila da Truta com a resposta do barão Dalton que, sem surpresa, prometeu liderar suas tropas contra Eradan, em apoio ao seu lorde.

    Todos os preparativos para a guerra já estavam prontos; partiriam em três dias, por isso o conde insistiu em testá-lo antes disso.

    — Eradan é jovem, mas ainda assim um cavaleiro. Se terei de matá-lo pessoalmente ou posso confiar em você para a tarefa, descobrirei nessa luta.

    Foi o que disse quando lhe entregou a sua nova armadura, feita sob medida pelo melhor ferreiro da região e trabalhada em metal negro opaco, tal como a dele.

    Era a sua chance de mostrar algum valor, mas ao invés disso, estava lutando para se levantar, com os braços cedendo repetidamente; às vezes pela exaustão, outras por causa da lama escorregadia.

    Mas estava se levantando.

    — Você amoleceu — disse o conde, circulando o seu escudeiro caído como um lobo selvagem ao redor da sua presa. — Passou tempo demais brincando de casinha. Seus golpes ficaram suaves. Seus movimentos, previsíveis. Se isso fosse uma luta de verdade, eu já teria te matado cinco vezes, e isso só nos últimos cinco minutos.

    “Vai se fuder!”, era o que Siegfried queria dizer, mas tudo o que saiu foi um grunhido rouco.

    Já estava quase de pé quando o conde avançou. Dois metros de puro músculo em uma armadura de metal, vindo em sua direção.

    Siegfried segurou a espada com as duas mãos e se lançou contra o lorde; só então percebeu que a sua vista ainda estava um pouco embaçada e via tudo dobrado.

    Um clarão o deixou cego por um instante e então, quando deu por si, estava no chão novamente, mas não sentia dor, por isso não fazia ideia de onde tinha sido atingido.

    “Levanta!”, disse a garota.

    — Eu sei, porra…

    Desta vez se levantou mais depressa e pegou o conde ainda descansado. Finalmente a exaustão o tinha pego também; isso fez seu sangue ferver.

    Deu um grito de guerra e avançou mais rápido do que podia acreditar, lançando golpe atrás de golpe e fazendo o lorde recuar.

    Até que ele atingiu sua cabeça com um estrondo que o deixou surdo por um instante.

    Nem notou o que tinha acontecido até que sentiu o sangue escorrer pela sua testa, forçando ele a fechar o olho esquerdo. Não lembrava de ter caído outra vez, mas deve ter acontecido.

    Depois disso, sua mente deu um branco.

    Tinha perdido a espada, por isso não teve outra opção senão trocar socos com o conde. E deve ter sido nocauteado em algum momento, porque lembrava de ter visto o chão se mover, quando duas pessoas o arrastaram para longe e começaram a remover sua armadura.

    Quando uma delas retirou o seu elmo, precisou cerrar os olhos por causa da luz forte em seu rosto, por isso não enxergava direito, mas reconheceu o cabelo loiro:

    — Dara…

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