Índice de Capítulo

    Em uma noite cheia de surpresas, Viktor apareceu na sala sem anunciar seu retorno, vestindo uma camisa branca e calça jeans usando um tênis preto.

    No mesmo instante as garotas o olharam. Novamente o choque cultural fez sua arte.

    — O que um banho e trapos novos não fazem com alguém. Tá bonitão, hein piá! Mó style, nyah!

    — Eh, bem… — a dragão estava um pouco corada. — Realmente está bem melhor agora, mais apresentável e também meio diferente, hehe.

    — Mas ele está usando roupas que nunca vi — era Milla, olhando-o de cima para baixo a todo instante. — Essa calça dele azul tá desfiada nas pernas, parece que estão rasgadas.

    Evidente que Viktor recebeu aquilo com um pouco de receio, típico comportamento de descobertas. Mas a conversa continuou.

    — Olha, até parece que vocês nunca viram alguém como eu — ele disse.

    — Mas é essa parada aí, piá — desta vez era Carol. — Nunca vimos alguém como tu antes.

    — E porque suas calças estão rasgadas? E ele são feitas de quê? — novamente disse Milla, confusa com as roupas do rapaz.

    — Mas esse tipo de calça está na moda — ele explicava. — Mas isso não deveria ser estranho.

    Lilac, para evitar que a discussão se prolongasse, tratou de falar a Viktor sobre o que havia dito antes.

    Mudou o foco para a parte mais importante.

    — Bem, está limpo agora. E sobre você ser um cozinheiro, é verdade mesmo?

    — Na verdade, o nome que uso é chef de cozinha. Mas sim, sou cozinheiro. Minha avó me ensinou tudo de cozinha e eu fiz um curso exatamente pra isso.

    — Muito bem. Eu estou mesmo curiosa pra saber se existe mesmo isso de um garoto saber cozinhar.

    — Vocês duvidam?

    Carol só estava esperando a pergunta.

    — Pode apostar nisso, falador. Sem chance de um garoto saber cozinhar. Tô duvidando na carocha, nyah!

    — Então façamos isso — Viktor propôs. — Se eu provar que sei cozinhar, amanhã mesmo terão de tentar descobrir como volto pra casa, até porque não conheço nada por aqui.

    Lilac mostrou-se animada com a proposta de Viktor, assim como as demais garotas.

    Mas Milla, sendo sincera e longe de ter pensamentos competitivos, entrou na conversa.

    — Mas e se você não for um cozinheiro?

    — Tá na cara, Milla. Ele vai ter que limpar a casa pra compensar — disse Carol, com um sorriso no rosto.

    — Espera aí. limpar a casa? — Viktor disse, surpreso.

    — É, ora! Eu sei que existem zeladores. Você tem cara de ser um e dos bons! — Carol olhou para sua amiga, com uma piscadela. — Concorda, Lilac?

    — Sim, eu concordo! — disse a dragão, também sorrindo, sinalizando positivamente com seu polegar.

    O desafio foi dado. Viktor esboçou um sorriso vivido, de quem estava animado para provar o seu valor.

    Nem parecia que a alguns minutos atrás o drama de estar em um lugar diferente o tinha colocado em uma situação complicada.

    — Isso aqui está parecendo uma prova. Mas vocês vão se surpreender. Vou mostrar do que sou capaz!

    O rapaz estava animado.

    E já havia ido para a cozinha, com avental de cozinheiro e tudo.

    Começou a cortar os legumes de forma profissional, impressionando as garotas. A forma que manejava a faca e como tratava cada ingrediente era louvável.

    Sua habilidade era mesmo de alguém acostumado a cozinhar. Já preparava a panela, fervendo a água e mergulhando alguns ingredientes.

    Logo foi até a geladeira, para saber ao certo o que poderia fazer.

    — “Bem, vamos raciocinar — ele pensou — Um: eu não estou na minha dimensão ou planeta ou sei lá. Dois: eu estou indo bem, sem pagar mico até agora, pelo menos um mico menor.”

    Viktor olhou para os lados, ainda a pensar.

    — “Três: pelo que vejo na geladeira, as pessoas daqui não consomem carne vermelha. Quatro: consomem pelo visto só frutos do mar. Interessante. Já sei o que irei fazer. Tem algas aqui, vou surpreendê-las.”

    Havia pedaços generosos e frescos de peixe, os quais Viktor logo tratou de pegar.

    Para sua surpresa, até por causa do movimentar de ingredientes que realizava, isso agiu como um mecanismo automático na mente de Lilac.

    — Espera, não me diga que você vai fazer o que estou pensando?

    — O que, Lilac? — disse Viktor, com um sorriso no rosto.

    — É sushi, não é? Diz que sim!

    — É sim. Porque?

    O grito estético espontâneo cheio de felicidade do trio foi a confirmação do acerto do jovem cozinheiro.

    — NÓS ADORAMOS SUSHI!
    — Nossa, sério? — o rapaz falou, preparando o prato. Ele até ficou mais a vontade.

    — Sim! Muito! Bastante! Tudão dessa vida ever, nyah! — Carol era a mais animada, dizendo ao jovem de forma espontânea.

    Um clima leve e descontraído tomou o ambiente.

    Depois de alguns instantes, Viktor pôs a mesa a refeição completa.

    Os olhos das garotas brilhavam com tamanha fartura e o cheiro da comida era delicioso.

    O rapaz, bem satisfeito com a recepção, apresentou os pratos.

    — Aqui temos o meu famoso purê de legumes com tempero de orégano e alho. Aqui tenho também uma sopa de legumes e verduras com bastante salsa e cebolinha. E para fechar, sushi com postas frescas, bem saboroso por sinal. Podem se servir!

    As garotas praticamente pularam na mesa, se sentando para comer. Viktor também se sentou, pegando um pouco da sopa.

    Carol, de longe a mais faminta, com a boca cheia de sushi, tentou se comunicar (como é que ela se atreveu?).

    — Cora, ussa cumuda qui vuçu fuz tu útuma!

    — Carol, tenha modos na mesa! — disse Lilac, colocando sua amiga nos eixos.

    Carol engoliu a comida, a completar:

    — Mas sério, Ufa… Isso aqui tá uma delícia! Só comi algo igual só em um restaurante de granfino!

    — Está ótima mesmo. Me surpreendeu — disse Lilac, enquanto pegava mais sushi.

    — Ah não precisam agradecer. Na verdade, isso até serve para pagar a hospitalidade de vocês, concordam? — mais uma vez Viktor se mostrou satisfeito, falando com as garotas.

    — Mas devo reconhecer que você cozinha muito bem. Carol estava certa quando disse que está tão bom quanto em um restaurante.

    — Bem, eu meio que improvisei porque não conheço bem esse peixe que usei.

    E essa carne de peixe tem um sabor e textura excelentes. É difícil achar essa qualidade onde eu moro.

    — De onde você veio é parecido com aqui? — perguntou Lilac, ainda se servindo com mais uma porção de sushis.

    — Um pouco sim. Não notei nada muito diferente, tirando aquelas plantas vivas. Ah, e de onde eu moro as pessoas não se vestem como vocês.
    Esse foi o ponto de virada para o jovem. O porquê viria no diálogo que a dragão púrpura puxou.

    — Hã? Como assim? — ela indagou, sem entender.

    — Tipo, vocês são cosplayers, não são?

    — Cosplay? Nós?!

    — Ora, existem pessoas que se vestem como personagens de anime, filmes, desenhos etc. Do mundo pop em geral, essas coisas. Vocês levam mesmo a sério isso, não é?

    — Viktor, não tenho ideia do que você está falando. Não estamos fazendo cosplay!

    A conversa deu uma pausa, com todos em silêncio. Notou-se que mais uma vez haveria um choque de realidade, que seria sentido por Viktor.

    — Espera. Só pra eu ter ideia do mico que eu estou pagando: vocês estão usando uma fantasia, não?

    — Lilac, acho que ele quer saber se a gente é de verdade — disse Carol, devorando uma porção de quatro sushis ao mesmo tempo.

    A dragão púrpura, de forma gentil como sempre agia com bem aventurados, fez o favor de explicar os fatos.

    — Ah, entendi. Viktor, não estamos fantasiadas. Estamos vestidas, mas não estamos usando fantasia alguma. Creio que de onde você veio todo mundo deve ser como você. Então vou deixar bem claro: eu sou uma dragão, Carol é uma gata selvagem e Milla uma cachorrinha fofa.

    — Tu aprendeu a ser direta por causa do Torque, né diva linda? — sua amiga felina falou, após piscar seu olho esquerdo para ela.

    — Sim, Carol. A gente aprendeu muito com o Torque depois daquele dia.

    O rapaz logo parou de comer, olhando para Lilac sem piscar. Enfim a definição dos fatos viria.

    — Você está mesmo falando sério, senhorita Lilac?

    — Sim, Viktor. É isso mesmo.
    — Você é um dragão de verdade?! — Viktor se levantou e foi até a garota.

    — Sou sim. Mas o que tem?
    Enquanto o garoto se aproximava de Lilac, Carol voltou a apostar na sanidade do jovem.

    — Agora só falta ele dizer que está sonhando e pedir pra alguém o beliscar. Se ele pedir, eu sou a primeirona, tá? — disse a gata, ainda comendo.

    Tudo aquilo era um mar de descobertas de Viktor, que parecia não acreditar no que estava acontecendo.

    — Mas os seus costumes são parecidos com os de onde moro. E vocês não se impressionaram por eu ser diferente — disse Viktor.

    — Porque faríamos isso? — Lilac tratou de deixá-lo à vontade. — Todo mundo é como deve ser. Nunca vimos alguém como você antes, mas isso não é motivo pra termos algum preconceito nem nada. Conhecemos muitos viajantes diferentes, mesmo que de outros planetas. Então seja bem vindo a Avalice, Viktor!

    — Ah, bem, obrigado! Muito obrigado — ele continuou a falar. — Mas eu nunca tinha visto um dragão na vida. E saber que eles de fato existem me anima!

    — Não existem dragões no seu mundo?
    — Só em lendas. Nossa, você não tem ideia da simbologia que você representa pra mim!

    — Hã? Como assim? — Lilac ficou curiosa para saber.

    — Dragões de onde venho são símbolos de força e sabedoria. São verdadeiros deuses do oriente. Sua imponência é tanta que só em dizer seu nome já traz harmonia.

    Viktor dizia suas palavras com um brilho nos olhos, o que causou a Lilac uma reação inesperada.

    — Eh, está me deixando sem jeito, Viktor — disse a dragão, um pouco corada.

    — Desculpe pela franqueza, Lilac. Não queria te envergonhar.

    Mas Carol não perdeu tempo, como esperado (e como tagarela também).

    — Ah, relaxa, cara. Eu vivo fazendo isso, pra ela ficar coradinha. Mas o que eu posso fazer, né? Ela é demais mesmo. Uma diva, nyah! Best friend ever, nyah!

    – Carol, para com isso, sua boba!

    Uma amizade espontânea. Essa era a tônica. O rapaz era muito amigável, contagiou as garotas.

    Muitas gargalhadas eram ouvidas à mesa. As meninas estavam adorando a refeição e também na conversa.

    Viktor estava se enturmando tão bem que nem parecia um estranho em um mundo desconhecido.

    Altas doses de diversão e felicidade.

    Minutos depois…

    Já satisfeitas, e com Carol praticamente limpando o prato, ainda se mantinham por ali, conversando.

    — Carol, estava muito bom mesmo, não?

    — Sim. O cara aí é um baita de um cozinheiro. Kid aqui tá com o buchin cheio, mó sensação boa!

    — Ele cozinha melhor que você, Lilac — Milla, de forma bem inocente, disse a sua amiga.

    — Não estou em pé de igualdade com ele, Mill. Hehe, ganhar de um profissional é difícil, devo reconhecer.

    — Ah, mas não é que sua comida é ruim. Eu gosto dela. Mas o Viktor provou que é mesmo um cozinheiro.
    Então a gente tem que ser legal com ele e ajudar a encontrar o caminho de volta, Lilac.

    — É verdade, Milla — ela disse, e logo depois olhou para o humano — Bem, como combinado, amanhã mesmo irei até o reino pra saber alguma forma de você voltar para seu mundo, Viktor.

    — Muito obrigado, senhorita Lilac! — ele a reverenciou.

    Carol, que ajudava a limpar a mesa, começou uma nova conversa. Ela se viu na liberdade para fazer perguntas mais pessoais.

    — Viktor, tu mora com quem?

    — Eu? — ele estava com dificuldades de se expressar. — Bem, eu morava com a minha avó.

    O jovem falou de uma forma mais tímida, fato esse sendo percebido por Milla.

    A canina era conhecida por ter a habilidade de saber o estado de espírito das pessoas e percebeu que o rapaz expressou-se indicando que algo não estava bem, o tom de sua fala lhe disse isso.

    Entretanto, a conversa prosseguiu normalmente.

    — Foi ela que te ensinou a cozinhar, Viktor? — perguntou Lilac.

    — Sim, foi ela. Devo muito pela minha avó.

    — E ensinou muito bem. Você é ótimo na cozinha. Sua avó deve estar orgulhosa.

    — Ela está sim — disse o jovem, em um tom melancólico de sua voz — Pode ter certeza nisso.

    — Você já pensou em trabalhar em um restaurante? Tipo, abrir um negócio só seu, piá? — Carol fez uma pergunta coerente.

    — Já sim. Mas pra isso precisaria de muito dinheiro — ele prosseguiu, com um olhar baixo — Eu não tenho muito disso de onde venho. Teria de trabalhar em um restaurante de alguém. Só depois eu poderia juntar grana pra abrir algo meu.

    — Ah, verdade. Essas parada são mó caras.

    — Sim. Mas essa cozinha de vocês é um sonho. É exatamente o que eu sempre quis.

    Ao ouvir essa última frase do jovem, Lilac ficou sensibilizada. Era alguém que foi legal com elas dizendo abertamente um sonho que deseja alcançar.

    Ela não poderia agir de outra forma: se aproximou dele e segurou em suas mãos. Aquilo era um gesto de motivação.

    — Você tem um talento, sabia? Tudo vai dar certo. Basta você continuar a lutar pelo o que acredita. Você é demais, Viktor!

    O sorriso honesto do garoto brotou em seu rosto, como se fosse a única resposta que a dragão precisava.

    Se faltava ainda alguma coisa que fosse necessário para que provassem sua confiança em Viktor, aquilo foi o suficiente.

    Ele era mais do que bem vindo na casa da árvore.

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