Capítulo 33 – Degurr
por NaorA mente do ceifador não parava de trabalhar em busca de uma solução para sua situação. Seu cérebro buscava alternativas incansavelmente, descartando todas as possibilidades ruins.
Ele procurou ignorar o choramingo de Anayê ao seu lado. Se continuasse apenas se preocupando, não conseguiria enxergar uma maneira de enfrentar Rom e o degurr.
Cerrou os dentes e os punhos colocando toda sua energia em estratégias.
Não podia bater de frente com um monstro daqueles e, mesmo que conseguisse acertar um golpe, seria inútil, pois um humano comum não tinha condições e nem forças para combater uma criatura assim.
Não conseguia invocar o Punho de Deus sem fluido de oração e sequer poderia contar com velocidade. Na verdade, seu corpo inteiro estava exausto, e sua vontade era descansar.
Não tinha uma arma sagrada. Embora isso não fosse servir já que ele era um ceifador potencializador, mas ter uma espada poderia ser de alguma vantagem, talvez.
— Acabe com ele! — Rom gritou.
O tempo de Boyak havia acabado.
O degurr deu um grito e, obedecendo o comando do invocador, levantou o imenso tentáculo destruindo o gramado e fazendo pedregulhos voarem.
O ceifador usou a alternativa possível. Deu um chute em Anayê levando a moça para longe e ergueu os braços em posição de defesa.
O golpe veio lateral e atingiu-o na costela. Ele emitiu um gemido sentindo a dor se espalhar pelo corpo. Ejetado como uma flecha, Boyak saiu girando pelo ar até se chocar contra o chão. O gosto de sangue subiu pela garganta.
Tentou se levantar, mas os braços e as pernas não respondiam. Levante-se, seu idiota, disse a si mesmo. Mexa-se, corpo! Mexa-se! Mova-se!
Forçou os nós dos dedos e foi como se uma pancada tivesse acertado sua cabeça. Fechou os olhos e rangeu os dentes.
Mexa-se, corpo! Vamos, seu pedaço de concreto inútil! Ande! Levante-se!
Usando toda perseverança e força, Boyak conseguiu arrastar um braço, depois o outro, em seguida as pernas. Vamos, vamos, levante-se.
Ficou de joelhos, suspirando como um maremoto.
De repente, outro golpe acertou-o pelas costas fazendo-o deslizar pela grama por alguns metros.
Outro tentáculo do degurr avançou e caiu diretamente nas costas do ceifador. Ele soltou um grito seguido de um cuspe com sangue.
Atrás dele, Rom soltou uma gargalhada repleta de satisfação.
— Por todos os deuses do inferno, que dia maravilhoso! — o invocador celebrou.
O degurr atacou outra vez. A pancada nas costas de Boyak abriu uma rachadura na terra e trouxe à tona mais um punhado de sangue.
A inconsciência chamou por Boyak. A escuridão parecia-lhe tão chamativa e acolhedora, mas ele resistiu. Mova-se, corpo! Mova-se mais um pouco!
Os nervos protestaram de dor quando ele arrastou o braço, mas sua teimosia era ainda mais insistente.
Naquele instante, sentiu o pé sendo agarrado pelo tentáculo da aberração. O degurr ergueu o ceifador de cabeça para baixo e o virou para seu invocador.
Rom caminhou na direção dele, cantarolando e assobiando. Ao alcançá-lo, divertiu-se observando o estado deplorável. E, repentino, desferiu um soco no rosto dele.
— Que tal essa? — Rom zombou. — Não parece tão engraçado agora, não é?
Boyak enxergava o mundo virado e embaçado. Um zumbido em sua orelha impedia de pensar direito.
— Brinque com ele — o invocador falou.
Obediente, a aberração lançou Boyak no chão como quem lança um brinquedo. Depois ergueu-o e o arremessou para o outro lado.
A mente e o corpo do ceifador eram definidos por dor.
A criatura ainda jogou-o contra a terra mais duas vezes e depois ergueu-o de cabeça para baixo novamente.
Sua roupa estava suja de grama e sangue e seu rosto tinha ficado inchado das pancadas.
— Boyak… ainda está me ouvindo? — Rom disse de forma sarcástica. — Por que não me conta uma piada?
O ceifador abriu um dos olhos com imensa dificuldade. O som de sua respiração era um grunhido esquisito.
Sua visão deu de encontro com o cetro nas mãos de Rom.
Ele reuniu o último caco de sua força no braço esquerdo e moveu rapidamente agarrando o cetro do invocador.
Surpreendido pela ação, Rom perdeu o cetro da mão e arregalou os olhos.
Em apenas um instante, Boyak fincou o cetro diretamente na cabeça da aberração com todas as suas mínimas forças. O cajado atravessou um dos olhos do degurr fazendo um jato de sangue verde jorrar.
A criatura lançou o ceifador para longe e com outro tentáculo agarrou o cetro para retirá-lo.
— Não! — Rom gritou.
Uma rachadura se espalhou pelo chão embaixo do degurr e, em seguida, começou a drená-lo.
O invocador ainda tentou correr para recuperar seu cetro, mas era tarde demais. Se Rom ficasse próximo, seria sugado junto com a aberração.
Quando o último tentáculo desapareceu no buraco, a rachadura se fechou e foi como se nunca houvesse degurr naquele local.
Rom ficou em silêncio por um instante absorvendo a situação por alguns minutos e depois lançou um grito de fúria aos céus com todo o vigor de sua voz.
Quando seu fôlego acabou, ele quase caiu no chão, desequilibrado. Porém, logo após, olhou para o local onde o ceifador havia caído.
— Você… — murmurou entre os dentes. — Você, sempre você.
Boyak finalmente encontrara o fim de suas forças e havia desmaiado de tanta dor e exaustão.
Rom caminhou a passos pesados na direção do ceifador.
— Por que sempre você? — questionou tanto para si quanto para o derrotado rival.
A primeira atitude que tomou ao alcançá-lo foi desferir um chute nas costelas de Boyak.
— Maldito! É sempre você! — Mais um chute. — Por que eu nunca consigo derrotar você?! Por quê? Por que você sempre dá um jeito?!
A sequência de chutes foi acompanhada do mesmo questionamento.
Dotado de frustração, Rom continuou batendo até perder as forças e tropeçar, caindo ao lado do seu inimigo.
— Você não sabe o quanto eu tive de lutar para conseguir aquele cetro… — resmungou entre suspiros. — Eu sou… eu devia ser mais forte agora. Mas aí está você, caído à beira da morte. Então por que eu me sinto derrotado? Por que você me faz sentir um lixo?!
Se levantou, agitado, e suas mãos envolveram o pescoço de Boyak como uma serpente em volta de sua presa.
— Eu acabo com você com minhas mãos! Está ouvindo, seu idiota!
Ele apertou a garganta do ceifador, impedindo a sua passagem de ar.
— Adeus! Adeus, Boyak!
Rom parecia um ser alucinado. Entre sorrisos e lamentações, ele enforcava o ceifador desmaiado, desfrutando da sensação ao mesmo tempo em que perdia a noção da vitória.
— Larga ele!
O invocador voltou-se para quem falara.
Diante dele, de olhos arregalados e semblante cansado, segurando um pedaço de madeira, estava Anayê.
— Larga ele ou eu juro que vou matar você.