Capítulo 99: Oferta Inesperada (4/4)
— Huh? Ahh!
— Oh! Airen, você está acordado…!
Khubaru e Lulu gritaram de susto ao ver Ignet depois que o grito de Airen os despertou. Ignet, no entanto, manteve-se calma. Ela parecia se divertir com o choque que rapidamente se transformou em cautela, e então dirigiu-se a Airen.
— Oferece-lhes tuas desculpas. Perturbaste o descanso deles.
Airen não respondeu. Era estranho. Ele já ouvira absurdos parecidos de Judith e Kiril, e sempre respondia, independentemente do que dissessem. Mas não queria fazer isso com Ignet. Ela o observou atentamente e estendeu a mão em sua direção. Airen recuou e tentou afastá-la, mas falhou, pois ela desviou sua mão com uma habilidade estranha e puxou sua camisa.
— O que você está fazendo, sua bruxa! — gritou Lulu.
— Pare de me chamar por esse nome blasfemo. Não deves dirigir-te dessa forma a uma capitã dos Cavaleiros do Reino Sagrado.
— Não, o que você… Ugh!
Airen não conseguiu resistir quando Ignet pressionou sua barriga; ele não estava em condições de lutar contra aquilo. Olhou para baixo e viu o grave inchaço azul que cobria seu estômago. Mas, em um breve momento, uma luz branca emanou da mão de Ignet, e a dor começou a desaparecer instantaneamente.
— Magia sagrada! — exclamou Khubaru, chocado.
Era uma magia de cura direta, usada apenas pelos altos sacerdotes de Arvilius. Claro, ter essa habilidade era esperado, considerando o posto e a posição de Ignet no reino, mas ela só estava no reino há três anos. Isso era incrível.
“Ela tem o maior talento em esgrima, sabe usar magia sagrada, e acho que entende algo de elementalismo também…”
Ela era como alguém capaz de tudo. Lulu parou de gritar e olhou para o estômago de Airen com os olhos arregalados, observando o inchaço desaparecer.
— É incrível… — ela murmurou.
Mas Ignet parecia entender o murmúrio de uma maneira completamente diferente, como se nem achasse que usar magia sagrada fosse algo especial.
— Claro que é! Com meu treinamento diligente, meu punho tornou-se poderoso. Forte o suficiente para fazer alguém vomitar sangue e morrer com um único golpe — disse Ignet, orgulhosa. — Ele tem um corpo bastante durável, mas não é nada comparado à minha força. Hahaha…
Depois de terminar de curar Airen, Ignet ergueu os braços para flexionar os músculos. Os três que a observavam ficaram perplexos. Parecia uma bobagem, mas ela estava tão séria que era difícil saber se estava brincando ou não. Ela era tão imprevisível. Mas, claro…
“Não posso negar que ela é forte”, pensou Airen. Não se tratava apenas de força na esgrima. Ela era uma pessoa forte em todos os sentidos, e ele não era nada comparado a ela.
“Ela deve ter se fortalecido através de muitas experiências e dilemas.”
Ignet Cresensia. Ela era muito famosa, e o fato de ser o objetivo de Illia Lindsay fez Airen aprender muito sobre seu passado. Ela tornou-se órfã devido à guerra civil no Reino Macan, foi empurrada para o mundo, enfrentou muitas provações e dificuldades. E superou cada uma delas para se erguer orgulhosamente.
Provavelmente, todas as suas experiências a fortaleceram. Ela deve ter enfrentado dilemas muito mais difíceis do que o que Airen passou na Fortaleza de Alhaad e, sem dúvida, feito escolhas duras inúmeras vezes. Tudo isso se acumulou, criando seus caminhos e crenças, tornando-a quem era hoje.
Airen então entendeu a razão de ela ter tamanha certeza. Era porque havia completado sua própria esgrima.
— Qual é a sua espada?
Ele fez uma pergunta, um tanto repentina, que soava quase retórica. Mas Airen estava sério. Ele queria saber. Estava curioso para entender o que era a esgrima de Ignet depois de enfrentar o mundo de frente, muito mais cedo do que ele.
— Uma pergunta estranha, a que fazes. Disseste que vieste de Krono?
— Sim.
— Então devem ser palavras do velho Ian. Palavras muito profundas para alguém jovem como tu refletir.
Felizmente, Ignet parecia entender bem sua intenção. Lulu e Khubaru também já haviam ouvido palavras semelhantes de Airen antes, então apenas esperaram pela resposta.
Ela pensou um pouco, mas parecia hesitante, não pela resposta, mas por não saber se deveria contar. Então, assentiu e disse:
— Minha espada é a espada de um rei.
— Não é uma espada para um rei, mas a espada para tornar-se um rei.
— Isso é loucura…! — Khubaru pulou de sua cadeira, derrubando Lulu de seu colo no chão. Mas não conseguiu pensar nisso, pois as palavras de Ignet o chocaram profundamente.
“Um rei?!” Mesmo que a diferença entre plebeus e nobres estivesse diminuindo, a chegada de um novo rei era algo completamente diferente. Independentemente de o processo ter sucesso ou não, uma grande guerra seria inevitável. Haveria derramamento de sangue incontável, e todos esses conflitos eventualmente ampliariam a brecha entre o mundo humano e o reino demoníaco. Apenas mencionar isso já era suficiente para atrair incontáveis demônios, ou talvez até o ‘diabo’, que não aparecia havia cem anos.
— Hmph! — Khubaru calou-se quando Ignet se virou para ele. Seus olhos negros e frios o encararam, instantaneamente acalmando sua indignação. Mas isso não foi tudo. Ela caminhou em sua direção, agora silencioso, e estendeu a mão. A palavra ‘morte’ passou pela mente de Khubaru.
Mas Ignet não lhe causou mal. Apenas estendeu a mão até o pequeno saco selado com elementalismo pendurado em sua cintura. Ela puxou o colar carregado de energia demoníaca e começou a infundir magia sagrada nele.
— Elementalista orc, este é o tempo de paz, como muitos acreditam. Isso se deve ao fato de que meu reino proíbe qualquer forma de guerra entre os reinos. Uma escolha inevitável. Em cada era marcada por guerras incessantes, como há 150 anos, 400 anos ou ainda mais… os grandes diabos desciam para aterrorizar a humanidade — disse Ignet. Khubaru permaneceu em silêncio enquanto ela continuava. — Mas… como um orc errante que viaja por todo o mundo, certamente sabes que este mundo está longe de ser tão pacífico quanto aparenta.
— Eu… sei muito bem — Khubaru assentiu.
Grande caos geravam energia negativa, enfraquecendo a barreira densa entre o reino humano e o demoníaco. Para minimizar o perigo de trazer demônios e diabos, Arvilius, o mais poderoso de todos os reinos, promulgou uma lei proibindo qualquer guerra entre os países. Mas o problema não acabou aí. Alguns países, livres de invasões externas, começaram guerras civis sujas e repugnantes.
— O Reino Macan foi um desses lugares. Sete príncipes começaram a lutar entre si pelo trono, e os nobres recorreram a quaisquer meios para assegurar que o príncipe a quem serviam ascendesse como rei. O povo pagou o preço, e eu tive que fazer qualquer coisa para sobreviver. Então, com sorte, um espadachim de Krono cruzou meu caminho, e o resto da história já conheces. Formei um grupo mercenário, tornei-me cavaleira honorária e fui nomeada capitã… Foi assim que vivi — explicou, compartilhando sua história. — E agora encontro-me em uma posição que muitos invejariam, tendo deixado para trás meu passado traiçoeiro. Contudo, não consigo esquecer as memórias da minha juventude. Especialmente… dos antigos conhecidos com quem compartilhei migalhas de pão para sobreviver.
Ignet fez uma breve pausa. Airen não entendia exatamente o que seu olhar vazio buscava, mas sentiu que conseguia compreender um pouco do que ela sentia.
— Hmm. Parece que está pronto. Aqui.
— Huh?!
Ignet jogou o colar para Khubaru. Ele apressou-se para agarrá-lo, enquanto ela continuava.
— Não tenho respostas. Não sei como salvar os que sofrem, tampouco como impedir que impurezas como esta se infiltrem no mundo humano. — disse, olhando para o colar. — Então, surgiu um pensamento: e se eu criasse uma nação livre dessas coisas? Foi a partir desse momento que minha espada tornou-se a espada de um rei.
Ignet voltou-se para Airen. Ele fitou seus olhos negros, nos quais uma chama imensa ardia, muito maior do que a que ele possuía. Um arrepio percorreu seu corpo diante daquela sensação, enquanto ela continuava a falar.
— Sei o caminho que devo seguir e quão traiçoeiro ele pode ser. Estou ciente de que aqueles que me acompanharem terão de suportar o peso junto comigo, e isso me fará sofrer. Mas há algo de que tenho absoluta certeza…
“E é que, eventualmente, superarei todas essas coisas e alcançarei meu objetivo.”
Depois disso, Ignet levantou-se e abriu a janela. Então, virou-se para os três atrás dela.
— Khubaru.
— Sim.
— Sei do que estás preocupado. Mas não te preocupes, pois atingirei meu objetivo de forma pacífica.
— Mas o seu objetivo… Servir como capitã dos cavaleiros já não realiza boa parte dele?
— Arvilius é maravilhoso. Mesmo com sua longa história, nunca houve corrupção. Mas às vezes pode ser frustrante, e não é a nação que almejo.
Khubaru abriu a boca novamente, mas Ignet o ignorou e virou-se para Lulu.
— Gata negra.
— O quê…?
— É bom que aproveites a felicidade que encontraste agora, mas deverás colocar mais esforço nela por teus amigos preciosos.
Lulu lançou-lhe um olhar irritado, mas não conseguiu dizer nada. Então Ignet riu e virou-se para o último.
— Airen Farreira.
— Sim.
— Entendes por que sou tão certa em cada uma das minhas ações?
— Entendo…
— Muito bem. Na próxima vez, renovarei a mesma oferta, não ao aço que habita em ti, mas a Airen Farreira. E se desejares recusá-la novamente, será necessário que empenhes ainda mais esforço.
Ignet abriu um sorriso agressivo e foi só isso. Ela nem mesmo se despediu e simplesmente saltou pela janela. Eles estavam no terceiro andar, mas ninguém se preocupou com ela. Por que alguém se preocuparia com a terceira pessoa mais forte do Reino Sagrado de Arvilius?
Todos ficaram imersos em pensamentos. Lulu, Khubaru e Airen também. Ele fechou os olhos e refletiu sobre tudo o que aconteceu com Ignet. Finalmente entendeu por que estava tão irritado com ela.
“Eu… a admiro.”
Sim. Ele admirava Ignet. Comparado a ele, cuja esgrima vacilava devido à falta de experiência, tempo e coragem para decidir, ela tinha controle total sobre si mesma. Ele invejava isso. E quando alguém assim apontava para sua ferida aberta, sua frustração transformava-se em raiva. Agora, porém, isso havia mudado para outra emoção.
Era uma emoção que ele já havia sentido antes, e que achava ter compreendido completamente ao ser lembrado dela. Era a competitividade. O jovem loiro sentiu isso profundamente em seu coração e abriu os olhos.
“Da próxima vez… não recuarei nem ficarei irritado com ela. Ficarei de pé, orgulhoso, e a enfrentarei com um sorriso confiante. Darei meu melhor para tornar isso realidade. Eu vou!”
Os olhos de Airen brilharam intensamente enquanto ele prometia isso a si mesmo em silêncio. Parecia estar em chamas, assim como a Aura da Espada de Ignet Cresensia, a capitã dos Cavaleiros Negros do Reino Sagrado.