Espero que estejam se divertindo. Escrever sobre Dante é uma imensa recompensa pessoal. Um combo de final de ano, o que será que nos aguarda nos próximos dias, não é? Boas Festas, pessoal.
Capítulo 48: Método Eficaz
Assim que Clara tomou partido para reunir as pessoas, Marcus se uniu a ela como se fosse uma goma de mascar. Ouviram os pedidos das pessoas que vieram de longe, de lugares que nenhum dos dois conhecia muito bem. Alguns fugiram de regimes autoritários, como dos de Antton, e outros ganhavam a vida antes reunindo recurso para os Jones, porém, a vida valia mais a pena do que se matar por migalhas.
Clara não tinha ideia de como era a vida das pessoas em outras partes de Kappz. O que mais tinha lhe deixado assustada era que por tanto tempo, achou que ali onde eles viviam, o lugar era precário. Na verdade, pela forma como descreviam, era pior do que não ter nada.
— Eles nos colocavam para trabalhar de seis da manhã até às vinte e uma.
— Tinha dia que a gente só dormia seis horas.
— Já colocaram uma espada na minha garganta.
Declarações que moldaram Clara durante aquele dia inteiro. Se essas pessoas retornassem sem nada além de uma tristeza imensa por não terem sido recebidos, Antton ou Jones acabariam com eles. E tinha alguns que diziam vir de mais longe, de um lugar chamado de Rapine. Lá, as pessoas eram ordenadas a trabalhar como escravos.
A mãe com duas crianças que tinham vindo de lá era completamente reprimida, falando mais baixo do que eles poderiam escutar. Clara ajoelhou na frente dela, tocando sua mão e a da criança que carregava sem seus braços.
— Não precisa ter medo daqui. Não somos como eles. Se querem ficar, vocês podem ficar. Eu vou pedir que preparem roupas novas.
— Eu… sei tricotar. — A voz dela era um sussurro. — Posso ajudar, se… quiserem.
Clara segurou a mão dela. O rosto, a postura, as crianças, tudo era triste se pensar que ela tinha andado tanto sozinha, se escondendo dos Felroz de dia e escapando de perseguidores a noite. Ela não largaria essas pessoas, não podia fazer isso.
Outros se disponibilizaram a coletar peças, alguns conseguiam modelar estruturas, uma habilidade ótima para reformular o prédio. Mas, foi um velho senhor, com uma barba rala, que apresentou aos dois algo que nem mesmo sabiam que existia.
— Eu trouxe isso… — Ele abriu a mão. — Achei faz bastante tempo, mas tenho certeza de que pode ajudar. Só peço um pouco de tempo para conversar.
Clara recebeu uma pedra amarela. Ela era pontuda, mas perfeitamente lapidada. Energia Cósmica liberava de dentro, uma energia quente, leve, aconchegante.
— Claro que podemos conversar.
O velho negou com a cabeça.
— Eu quero conversar com ele – e seu braço esticou na direção de Dante, no outro prédio encarando a cidade, sentado em uma almofada. — Preciso agradecer a ele por algo que fez por mim.
O rosto do homem, suas palavras, ele tinha feito seu caminho para conversar com Dante, apenas com ele. Um velho que Clara não tinha visto antes em Kappz, mas ergueu a voz.
— Dante, esse senhor quer conversar com você.
Ele dobrou o rosto para a lateral, e fez um sinal com a cabeça. O velho agradeceu a Clara e Marcus, e usou a bengala para atravessar a ponte. Outro homem apareceu para sentar na cadeira em sua frente, e respirou fundo.
— Eu vim me desculpar. — Suas primeiras palavras foram confusas, mas ele juntou as mãos, abaixando a cabeça. — Eu sempre tive medo. Fiquei observando vocês por tanto tempo, eu moro em outro prédio, uns 500 metros daqui, mas eu achei que vocês fossem como aqueles malditos que cobram por moradia. Eu tenho filhos, tenho uma esposa e uma mãe. Eu sei que são muitas pessoas, mas se eu puder pagar para eles ficarem, eu consigo…
— Pare de falar sobre pagar por estar aqui – disse Clara o cortando. — Não quero nada seu. Traga sua família, nós iremos tomar conta deles.
— Eu agradeço, mas não posso aceitar desse jeito. — O homem olhou ao redor, mas não encostou em nada. Depois, viu Marcus com a mão na pistola carabina. — Pode me emprestar sua arma? Eu vou mostrar como posso ajudar.
Marcus fitou Clara. Ela assentiu ao pedido sem muito esforço. O atirador abriu o coldre da cintura e retirou a arma, esticando para ele.
— Antes de começarmos, meu nome é Clerk. — Ele segurou a arma por baixo com ambas as mãos. — Minha habilidade é um pouco estranha, mas eu me escondi por causa disso. Fiquei esperando uma chance, uma que pudesse me mostrar que posso estar aqui e não me arrepender. Eu não queria, mas minha esposa disse que posso ajudar muita gente assim.
A madeira da pistola carabina ficou mais escura, o cano de ferro afinou, e o guarda-mato e o gatilho perderam um pouco da ferrugem. Quando Clerk devolveu a Marcus, o atirador franziu o cenho na mesma hora, e o encarou.
— Está bem mais leve, mas não perdeu força. — Ele girou a arma algumas vezes e rodou ela no dedo, guardando de volta ao coldre. — Está bem mais firme e forte. Como fez isso?
Clerk de um sorriso tímido. Coçava a palma da mão com delicadeza, mantendo um olhar baixo. Clara ficou impressionada, mas queria ouvir dele.
— Quando eu era mais novo, descobri que posso melhorar as coisas dependendo da minha vitalidade. Eu sei que não sou tão bom, mas ajudou muito meu pai antes dele perder a casa para os coletores.
— Quando diz que consegue ‘melhorar’, diz qualquer coisa? — Clara perguntou bastante interessante. — Isso quer dizer que paredes, janelas…
— Sim, tudo isso. Minha esposa está me esperando onde eu modelei minha antiga casa, mas não temos mais como viver daquele jeito. Os Ferloz assustam as crianças, senhora. — Ele fechou as mãos e esticou. — Por favor, nos dê alguns dias para ficarmos. Ela precisa disso. As crianças também… — e lágrimas caíram dos seus olhos de repente. — Nós perdemos pessoas esse último ano, e não temos mais nada.
Clara queria chorar junto dele. Nunca gostou de ficar em cima dos prédios, ali em cima, sua vista era apenas de que o chão estava longe demais, e que houve um dia onde puderam viver lá embaixo, cercados de vida.
Agora, uma família perdida na desilusão e cercada de mortes suplicava para que pudessem ficar ali em cima. Esse pedido lhe tocava a alma.
— Traga sua família. — Ela quis dizer mais. Uma explicação melhor da habilidade dele, talvez, fosse feita em um outro momento. Não queria parecer mais interessada no que ele podia oferecer do que em sua situação ao todo. — Quando chegarem, podemos conversar sobre o restante. Se ajustem, e depois me procurem, está bem?
Clerk levantou com um sorriso imenso e agradeceu mais vezes do que ela lembrava de ter dito em vida. Clara observou Marcus ainda fascinado pela nova arma, mesmo que não parecesse diferente, o aspecto tinha mudado, e os elogios não paravam.
Quando encarou Dante, percebeu que o velho estava ao seu lado, e ambos davam risadas, questionando sobre algo que ela não podia ouvir muito bem. Mas, ficava feliz que Dante ainda mantinha a mesma posição de antes, mesmo sendo parte da cidade, ele queria apenas tomar conta de certas situações.
E ouvindo o senhor contar sobre a história de como o Reservatório já tinha sido um pesadelo, também entendeu que o homem era mais do que apenas um senhor de idade.
— Eu gosto de poder voltar a acreditar que essa cidade volte a brilhar. Quando eu soube que a criatura que vivia lá morreu, eu vim direto para cá. Não esperava que um velho, como eu, teria capacidade para bater, e me contaram que você tem fibra de sobra.
— Senhor Jix, o senhor tinha que ter visto o que eu fiz com ela. — Dante ergueu os punhos e imitou os golpes. — Quando ela ficou caída, eu acabei com a cara dela. Preciso melhorar muito pra conseguir lidar com mais dessas criaturas.
— Pessoas fortes são arrogantes, senhor Dante – disse Jix. — Você me parece um rapaz, sabia? Quando olho para a cidade e te escuto falar com tanta vontade, me faz lembrar dos garotos que eu treinava quando era mais novo. A arrogância transforma o homem, o deixa mais exposto. Quero acreditar que existe um método eficaz de matar os Felroz, e quero fazer minha última missão ser essa. Quero passar o que aprendi lutando contra esses demônios por tantos anos para você, mas precisa aceitar sem reclamar. Odeio gente que reclama.
Dante deu uma gargalhada.
— Como posso ser arrogante se sou fraco, Jix? Olha pra mim, acha que eu não preciso melhorar? Quem um dia diz que não tem nada a aprender, não pode ser mais do que já é.
Jix apontou o dedo, aceitando suas palavras.
O velho era generoso, calmo e bondoso. Dante gostava da presença dele. A tranquilidade de sua Energia Cósmica também era uma base para que Dante não pudesse realmente sondá-lo.
Um veterano de batalha, como seu pai era. Dante ficou animado.
— Vamos nos ajudar, Dante? Eu te ensino o que sei e você acaba com esses bostinhas que vivem se multiplicando lá embaixo?
Dante e Jix soltaram risadas, atraindo atenção, e se cumprimentaram com um aperto de mão.
— Vamos. Me mostre o que sabe fazer e eu vou bater neles até que fiquem com medo dos humanos de novo. O que acha?
— Isso vai servir.
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