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    * * *

    “Ah, obrigado por isso,” disse Vani. Eles conversaram por muitas horas até o momento, e Vani parecia surpreendentemente satisfeito de conhecer alguém que discordava de suas conclusões e estava disposto a discutir sobre isso. Zorian também descobriu que o homem era incrivelmente bem-informado e parecia ter memorizado meia dúzia de enciclopédias, pois ele era uma fonte de várias curiosidades. Qualquer coisa que pensasse sobre as conclusões do homem, ele claramente não havia chegado a elas por impulso. “Faz tempo desde que tive esse tipo de conversação com alguém. Normalmente o tipo das pessoas dispostas a conversar comigo não conhecem o suficiente para me desafiar, e aquelas que sabem não estão interessadas em falar.”

    “Você está me bajulando. Eu realmente não acho que minhas opiniões têm o mesmo peso que as suas. Eu certamente não tenho um centésimo do conhecimento de pesquisa que você tem,” disse Zorian. Nunca era ruim agradar às pessoas um pouco. “Mas eu realmente não deveria gastar muito mais do seu tempo. Eu vim aqui porque eu queria seu conselho sobre como encontrar um especialista em magia de alma.”

    “Magia de alma?” o homem perguntou com uma carranca.

    “É um problema pessoal que eu prefiro não conversar,” disse Zorian. “Basta dizer que fui atingido por um feitiço de magia de alma com efeitos desconhecidos e quero falar com alguém para descobrir o que exatamente foi feito comigo e como me proteger de novo contra quaisquer outros eventos parecidos.”

    “Hmm,” Vani murmurou. “E Kael enviou você para mim?”

    “Você estava na lista das pessoas que ele disse que poderiam me ajudar. No entanto, você foi o único que, efetivamente, consegui localizar. Os outros estavam… bem, é bastante perturbador. Deixe-me contar sobre os meus últimos dias…”

    Vani escutou a descrição de Zorian dos desaparecimentos com uma crescente inquietação, escrevendo os nomes e fatos que Zorian descobrira em um pedaço de papel.

    “Isso é realmente bem perturbador” Vani concordou quando Zorian acabou. “Para pensar que tal coisa poderia acontecer sem ninguém perceber por tanto tempo… Eu vou levar esse assunto às autoridades competentes, não se preocupe com isso. Essa situação me faz questionar quem posso recomendar quando tantas das escolhas óbvias se tornaram, err, indisponíveis. Deixe-me pensar um pouco sobre isso.”

    Cinco minutos depois, Vani conseguiu pensar em uma solução.

    “Me diga,” ele perguntou. “O que você sabe dos metamorfos?” 

    “Que eles são pessoas que têm a capacidade de se transformar em animais?” Zorian tentou.

    “Metamorfos são pessoas com duas almas,” disse Vani. “Há muito tempo, os ancestrais dos metamorfos realizavam rituais que fundiam suas almas com as almas de seus animais escolhidos, permitindo que eles assumissem as formas dos animais em questão e até mesmo acessassem algumas das habilidades dos ditos animais em sua forma humana. Isso é uma forma de magia muito antiga que pré-datava a invasão Ikosiana de Altazia, e lamento dizer que a maioria das tribos metamorfas perdeu o conhecimento dos rituais originais que usaram para criar seus iguais. Nos dias atuais, eles crescem em números puramente por reprodução mundana, com crianças de metamorfos herdando a alma dupla de seus pais. Ainda existem, contudo, tribos que detém o conhecimento de rituais mágicos e mecânicas de alma necessárias para executar o ritual na idade moderna. Embora o propósito dessa especialização seja transformar humanos comuns em novos membros da tribo, talvez isso seja geral o suficiente para ajudá-lo em seu problema.”

    “Entendo. E onde consigo encontrar esses metamorfos?” Zorian perguntou.

    “Isso,” Vani disse, abrindo seus braços em um gesto impotente. “Eu não sei. Tribos metamorfas tiveram uma história conturbada com o que, digamos, chamamos de comunidades civilizadas. Eles raramente querem ser encontrados. Mas! Eu sei que existe nessa região uma tribo bastante poderosa de lobos metamorfos — uma tribo que definitivamente tem a expertise que você procura. Eu não sei com quem você precisaria falar para encontrar a liderança deles, mas eu sei que o líder da tribo enviou sua filha para Cyoria para ganhar uma educação em formas de magia mais modernas. Raynie é seu nome, eu acho. Uma ruiva. Bem atraente, me disseram. Talvez você possa começar por aí?”

    Zorian piscou. Raynie era uma metamorfa lobo? Isso… uau. Sim, agora que ele pensou sobre isso, havia algumas coisas que poderiam apontar para isso.

    “Bem”, disse Zorian levantando de seu assento. “Você me deu muita coisa para pensar. Agradeço pelo seu tempo.”

    “Não pense em nada disso”, sorriu Vani. “Vá matar mais alguns lobos invernais para mim, isso é o que eu peço.”

    “A tribo de lobos metamorfos não poderiam ter alguma aversão a mim por matar tantos lobos?” Zorian perguntou.

    “Eles são lobos metamorfos, não lobos invernais metamorfos,” Vani disse. “Estou bastante certo que eles não gostam um do outro. Lobos invernais têm o hábito de matar seus parentes mais mundanos e invadir seus territórios.”

    Zorian saiu após isso, incerto de como prosseguir adiante no reinício.

    * * *

    “Já de volta?” Silverlake o questionou, não se dando o trabalho de tirar os olhos de seu maço de ervas enquanto se dirigia a ele. “Eu não estou vendo nenhuma bolsa de ovos com você, no entanto.”

    “Isso porque a mamãe-aranha estava carregando seus ovos no abdômen,” ele disse. “A tarefa é impossível. Por que você sequer se deu o trabalho de me enviar pra esse serviço idiota? Kael disse que você era excêntrica, mas no fim, inofensiva. Isso não é inofensivo. Eu quase morri.”

    “Se eu pensasse que você era um tipo de precoce despreparado e morresse feito um otário pra algo como isso, eu nunca te enviaria para esse trabalho.” Silverlake zombou. “E de qualquer forma, não é um pouco prematuro dizer que falhou com menos de uma semana? Eu sou paciente. Eu esperei por anos, tenho certeza pacas que posso esperar alguns meses até que você pense em algo. Você é um garoto esperto, estou certa que você vai dar um jeito.”

    Zorian abriu a boca e depois fechou. De repente, a lógica dela soou bem mais razoável para ele. Afinal, ela não sabia que ele tinha o prazo limite de um mês. Até onde ela sabia, dar a ele uma tarefa que poderia levar muitos meses para ser completa era perfeitamente lógico. Qual era a pressa? Quanto à natureza suicida da tarefa que ela lhe dera… aparentemente ela tinha mais fé em suas habilidades do que ele mesmo tinha. Ele realmente desistiu tão cedo?

    “Alguns meses é tarde demais,” ele disse. “Qualquer coisa que aconteça após o festival de verão pode muito bem não existir para mim.”

    Silverlake finalmente parou de mexer na pilha de ervas e lhe lançou um olhar severo, seus olhos brilhando intensamente por um momento.

    “Você não está morrendo,” ela atestou. “Não de doença, pelo menos? Alguém está te caçando?”

    Zorian hesitou, a imagem do Robe Vermelho dançando diante de seus olhos, e abriu a boca para dizer ‘sim’. Porém, Silverlake o cortou.

    “Não, não realmente,” ela declarou, voltando às suas ervas. “Você tem um inimigo, mas quem não tem?”

    Zorian exalou em irritação e levantou-se, decidindo ir embora antes que perdesse a calma e a atacasse. Ele provavelmente seria pisoteado para dentro do solo, de qualquer jeito. Um momento antes dele teletransportar para fora, no entanto, um pensamento o atingiu.

    ‘Para o inferno com isso,’ ele pensou, ‘Por que não?’

    “Hipoteticamente falando,” ele disse. “Se você fosse visitada por um viajante do tempo que assegura conhecer sua versão futura, o que você pediria a ele como prova?”

    Hipoteticamente falando,” ela disse, sua boca se esticando em um largo sorriso cruel, “Eu pediria que ele trouxesse uma bolsa de ovos de caçador cinza para mim.”

    Levantando suas mãos ao alto em derrota, Zorian teletransportou-se de volta para sua pousada em Knyazov Dveri, enquanto a gargalhada da velha sádica ecoava atrás dele. 

    * * *

    Na segurança do quarto que ele alugou na pousada, Zorian estava sentado na cama, desmontando um rifle que ele havia comprado anteriormente. Era um tanto engraçado o quão fácil era obter uma arma de fogo em comparação com reforços mágicos de combate de alto nível, apesar de serem igualmente letais, mas assim eram as coisas. Elas eram especialmente fáceis de conseguir aqui em Knyazov Dveri, a qual era muito próxima da natureza selvagem e de seus perigos. Em todo o caso, ele estava tentando ver como essas coisas funcionavam e, mais importante, como encantá-las.

    Armas de fogo eram notoriamente complicadas de melhorar com magia. Como todas as armas de longo alcance, elas tinham o problema de que você podia encantar o dispositivo apenas para ser mais preciso e durável, e se você quisesse que o projétil tivesse algum tipo de efeito mágico ao atingir o alvo, você teria que encantar o próprio projétil. Infelizmente, balas eram bem difíceis de encantar, sendo muito menores que flechas e varetas de bestas e normalmente feitas de alguns materiais inadequados magicamente. Você também não poderia tocar na bala para canalizar magia nela uma vez que já estivesse na arma… embora talvez, se ele instalasse alguns canais de cristais de mana na arma por meio de alterações…

    Enquanto ele estudava o dispositivo à sua frente, Zorian futilmente considerou formas de acabar com o caçador cinza de antes. Ele não tinha intenção de lutar contra qualquer um deles, já que cada um seria mais implausível que o último, mas não fazia mal imaginar cenários.

    Caçadores cinza tinham fraquezas conhecidas. Primeiro de tudo, todos eles eram puramente oponentes corpo a corpo — se você conseguisse mantê-los a distância, eles não poderiam fazer nada com você. O problema era que eles eram muito, muito bons em chegar em seu alvo. Em segundo lugar, eles eram, em última instância, apenas animais mágicos, então eles poderiam ser atraídos para armadilhas preparadas e zonas de morte bem facilmente. O problema aqui era que eles eram rápidos e resistentes o suficiente para sobreviver a tal erro. O sentido mágico da caçadora cinza demonstrado no primeiro encontro de Zorian com ele provavelmente o ajudou a evitar a maioria das armadilhas mais evidentes.

    Ele poderia pensar em diversas maneiras de prendê-lo, mas a maioria delas precisavam do conhecimento de feitiços que ele não tinha. Se ele soubesse como fazer um simulacro e abrir portais, ele poderia simplesmente enviar seu simulacro como uma isca e então abrir um portal que levasse a qualquer lugar onde ele montara a armadilha. Inferno, simplesmente saber como fazer um simulacro faria as coisas um milhão de vezes mais fáceis, já que ele poderia testar suas ideias sem se colocar em perigo. Se soubesse feitiços de alteração de terreno de grande escala, poderia simplesmente selá-la em seu covil e esperar seu sufocamento. Se ele soubesse os feitiços para manipular grandes quantidades de água, poderia ser capaz de afogá-la. E assim por diante, e assim por diante…

    Ele também considerou envenenar a coisa ou pô-la para dormir ou de alguma outra forma usar algum tipo de mistura alquímica que poderia aleijá-la ou matá-la… Mas qualquer coisa suficientemente potente para matar tal besta era altamente restrito, feito de ingredientes super-raros e caros como o inferno. Ele não sabia como fazer qualquer coisa com isso, e não poderia ter em suas mãos algo tão valioso e proibido por meio do comércio.

    Ele poderia tentar por força bruta e construir um golem para derrubar a aranha. Já que quando máquinas são animadas por magia, elas são imunes a veneno e são extremamente fortes — fortes o suficiente para esmagar a aranha estúpida em uma luta corpo a corpo. Infelizmente, ele não sabia como construir um golem. Qualquer golem, muito menos um bom o suficiente para ir pau a pau com o caçador cinza. A arte de fazer golem era complicada o suficiente para que inúmeras Casas fossem dedicadas a dominá-la, não era algo para se distrair por uma ou duas semanas. Nem mesmo um ou dois meses.

    Além do mais, mesmo que ele soubesse como construí-lo, o processo de construção levaria pelo menos uma semana e provavelmente mais, requerendo uma oficina mágica especializada e o consumo de muitos materiais caros. Ele provavelmente quebraria antes de sequer estar na metade do caminho para ser finalizado. 

    O que o levou para as armas de fogo. O revólver funcionou suficientemente bem contra o Robe Vermelho quando suas magias falharam nele, afinal. Apesar disso, nenhuma arma de fogo convencional serviria contra os caçadores cinza — ele precisava de algo mais forte do que isso. Infelizmente, calibres mais altos eram normalmente reservados para os militares, e ele poderia precisar invadir uma base militar e roubar uma se ele quisesse levar essa rota a sério. Isso poderia acabar muito mal — quem sabe que tipo de defesas uma base militar tinha, e ser capturado e interrogado por investigadores militares enquanto estivesse drogado com vários soros da verdade era tão ruim quanto ser descoberto por um mago mental hostil ou um necromante. Pior, ele tinha quase certeza que eles tinham alguns magos mentais e necromantes na folha de pagamento de qualquer maneira.

    Ah, e mesmo se ele conseguisse encontrar algo adequado sob uma segurança frouxa o suficiente, ainda teria a questão que quase certamente a arma teria que ser encantada, e ele não conseguia descobrir como encantar eficientemente um simples rifle no momento. Provavelmente não conseguiria até o fim do reinício, também.

    Uma batida em sua porta o acordou de suas divagações e ele rapidamente colocou o rifle em sua caixa e o escondeu embaixo da cama. Possuir um rifle não era ilegal, mas ele ainda preferia que quem estivesse procurando por ele não o visse mexendo nele. Ele se certificou que seu bracelete de proteção estava colocado, só por precaução, e então ele abriu a porta.

    Era Gurey, o que não surpreendeu nem um pouco Zorian. O homem estava diligentemente comprando quaisquer dos vários ingredientes alquímicos e partes de corpos sortidas que Zorian havia pegado na floresta, além de permitir que Zorian usasse sua oficina quando precisasse para fazer algumas das poções e dos itens mágicos mais complicados. O homem já havia encomendado alguns dos itens mágicos de Zorian, então ele esperava que a chegada de Gurey fosse relacionada a outra encomenda. 

    Ao final, Gurey estava com outro tipo de acordo em mente. Assim que as formalidades foram trocadas, ele pulou direto ao ponto.

    “Eu quero que você me ajude a roubar meu rival.”

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