Capítulo 30 - Um Jogo de Lojas (1/3)
Capítulo 030
Um Jogo de Lojas
“Eu quero que você me ajude a roubar meu rival.”
Zorian piscou surpreso antes de dar ao homem um olhar incrédulo. O quê?
“E… por que diabos eu faria isso?” ele perguntou ao homem curiosamente.
Gurey sorriu largamente de forma triunfante. “Eu sei que estava certo sobre você” ele disse. “Você nem sequer fingiu estar indignado com a pergunta.”
Zorian franziu a testa. “Eu simplesmente não sou uma pessoa muito temperamental, isso é tudo. Não significa que vou realmente ajudá-lo a roubar alguém,” ele retrucou irritado. “Na verdade, eu dificilmente imagino uma situação onde eu concordaria com uma coisa dessas. Eu apenas estava curioso com o que te levou a mencionar esse tópico. Isso não é algum tipo de tentativa de chantagem, é?”
“Oh não, eu teria que ser bem estúpido para tentar chantagear um homem que caça lobos invernais e aranhas gigantes do alçapão para viver” Gurey assegurou-lhe rapidamente. “Não que, de qualquer forma, eu tenha algo que valesse a pena para chantageá-lo. Não, eu apenas senti que tinha uma proposta interessante para você e que eu não tinha nada a perder fazendo uma oferta. Você não parece o tipo que ficaria todo arrogante e pomposo para cima de mim só porque emprego algumas práticas comerciais obscuras. Eu percebi que o pior que você faria seria dizer não.”
Zorian ficou em silêncio por um momento. Ele supôs que Gurey o tinha ali — mesmo se Zorian realmente se importasse em entregá-lo, ainda seria a sua palavra contra a dele. Provar a culpa do homem seria uma chatice, Gurey provavelmente só ganharia uma punição suave se condenado, e isso levaria a uma investigação mais apurada das atividades de Zorian pelos poderes próximos mais do que ele estava confortável. No geral, isso significaria um reinício inteiro gasto em uma jornada sem sentido, que não havia significado nenhum dentro do loop temporal e muito possivelmente atrairia atenção das autoridades acadêmicas — os reinícios anteriores deixaram claro que eles eram bem rápidos de se envolverem quando um de seus estudantes tinham uma desavença com a lei ou a polícia, e ele ainda estava tecnicamente matriculado lá. E se a academia descobrisse sobre seu paradeiro e atividades, era totalmente possível que o Robe Vermelho pudesse encontrar algo sobre isso por meio dos ratos cefálicos ou por seus outros espiões…
Não, mesmo se Gurey estivesse planejando assasinar alguém, Zorian não interviria. Um simples furto… bem, ele não tinha certeza se realmente se importaria tanto assim se não estivesse preso em um loop temporal, e ele certamente não se importava nem um pouco agora.
“Bem, a resposta é definitivamente não,” disse Zorian finalmente. “Eu sei que andarilhos, como eu, têm uma reputação de serem oportunistas, mas temo que minha ética não seja tão flexível a esse ponto. Eu não vou compactuar com bandidagem, assaltos ou o quer que você tem em mente para esse seu… ‘acordo’.”
“Ah, eu não acho que você esteja entendendo muito bem do que estou falando aqui,” disse Gurey. “Você pensa que eu quero que roube algo físico e que eu estou oferecendo dinheiro em troca, não é?”
Zorian levantou uma sobrancelha para ele.
“Nada poderia estar mais longe da verdade,” Gurey balançou a cabeça. “Eu sei melhor que ninguém que você está ganhando muito dinheiro no momento para ser tentado com roubos insignificantes. Ética à parte, isso é muito risco para pouco ganho. Não, se essa operação ocorrer sem nenhum imprevisto — e penso que você é capaz o suficiente para fazer isso — não haverá nada faltando e nenhuma indicação de que algum crime ocorreu de qualquer maneira.” Ele inclinou-se na direção de Zorian conspiratoriamente e sussurrou a próxima parte. “Veja, o que estou tentando roubar não é riqueza material, mas segredos.”
Ah. Ah! Bem, isso mudava as coisas consideravelmente. Ele ainda não queria ter nada a ver com o trato de Gurey, mas pelo menos entendeu o porquê do homem se sentir confortável discutindo tal oferta com ele. Espionar outros magos era tecnicamente ilegal, mas todo mundo sabia que era uma prática comum e universal. Diabos, de acordo com algumas histórias, toda Casa Nobre que se preze tinha sua própria divisão dedicada apenas para isso. Você apenas deveria ter certeza que não fosse pego. Até mesmo a academia, que geralmente tentava dar aos estudantes uma versão cor-de-rosa da cultura mágica, admitia que a tal ‘espionagem profissional’ ocorria todo tempo. Algumas delas eram totalmente legais, como analisar produtos rivais e elaboração mágica com feitiços de adivinhação, ou debruçar-se sobre documentos disponíveis publicamente para ver se alguém deixou algo sensível passar despercebido… mas, normalmente, tais métodos legais eram bem limitados e os magos comumente recorriam a meios mais obscuros. Subornando assistentes e aprendizes para a venda dos segredos de seus mestres, contratando ladrões para assaltar arquivos e notas de pesquisa, criando campanhas dedicadas de espionagem por vidência e conspirações sedutoras… as possibilidades eram infinitas, e novas eram concebidas todo dia. Assim como contramedidas para isso.
Zorian recordou uma fábula particular que falava sobre dois magos que gastaram anos inventando formas de roubar segredos um do outro e frustrando as tentativas do adversário de fazer o mesmo. Eventualmente, após uma década de vai e vem, ambos conseguiram alcançar o santuário interno do outro ao mesmo tempo… apenas para descobrir que nenhum deles tinha quaisquer segredos que valesse a pena roubar. Eles desperdiçaram tanto tempo e esforço tentando superar um ao outro que eles nunca conseguiram qualquer progresso real.
Bem, isso era um exagero óbvio, mas honestamente não surpreenderia Zorian descobrir que todo negócio mágico (e provavelmente alguns não mágicos) em Knyazov Devri realizava pelo menos um pouco de espionagem ilegal como algo natural. O mundo dos negócios era um ambiente cruel. Zorian sabia, pelas histórias de seus pais, que até mesmo fazendeiros aparentemente simples e honestos estavam dispostos a renegar seus contratos se pensassem que poderiam sair dessa impunes. Para alguém como Gurey, esse tipo de coisa era provavelmente apenas negócios como sempre.
Mas não era negócios como sempre para Zorian. E francamente, Gurey estava completamente certo quando disse que toda a coisa era um grande risco para um pouco ganho. Ele abriu a boca para dar a Gurey uma firme (mas respeitosa) recusa, mas foi interrompido quando Gurey puxou empurrou um livro marrom encadernado de couro em suas mãos.
Zorian olhou para o livro surpreso por um segundo, imaginando preguiçosamente o porquê de não haver título nele, antes de dar ao Gurey um olhar penetrante. O homem gesticulou para ele abrir.
Zorian fez isso, e prontamente se encontrou folheando entre as páginas com notas escritas à mão e diagramas complicados. Era algum tipo de registro pessoal. Era por isso que o livro não tinha título ou identificações. Um registro de pesquisa de alguma magia, se ele tivesse que adivinhar.
“O que é isso?”, ele perguntou, dando a Gurey um olhar desconfiado.
“Uma amostra”, Gurey disse com um largo sorriso. “Como eu disse, sei que seria tolice para você fazer algo como isso por dinheiro — bem, pelas quantias que posso pagar a você, pelo menos — então desenvolvi algo que será, esperançosamente, mais atraente para você. Sinta-se livre para examinar essa coisa quando for conveniente e então venha me ver na minha loja amanhã para me dar uma resposta. Só lembrando, há mais de onde isso veio!”
Gurey então saiu imediatamente, deixando Zorian sozinho com o misterioso diário ou coisa. Curioso, ele abriu o livro no início para que ele pudesse ver se talvez houvesse um título escrito na primeira página. As primeiras páginas estavam em branco, mas ele chegou à página do título no final.
‘Quebrando e contornando proteções e outras defesas mágicas’, o livro dizia. ‘Por Aldwin Rofoltin.’
Rofoltin? Esse seria o falecido parceiro de negócios de Gurey, não seria? Intrigado, Zorian sentou-se na borda da cama e começou a ler.
* * *
Depois de ler pelo livro de Rofoltin, Zorian teve que admitir que estava se sentindo um pouco… desapontado? Não era um livro ruim de forma alguma, mas pela forma que Gurey o apresentou, ele esperava mais. Do jeito que estava, a coisa mais útil que ele encontrou lá dentro foi uma instrução passo a passo de como construir seus próprios óculos de análise mágica, completa com um projeto técnico de fórmulas de feitiço. Isso era conveniente, já que ele estava interessado em construir um desses há algum tempo e não havia manuais de criação disponíveis publicamente nesse tópico que ele pudesse encontrar — o projeto de fórmulas de feitiço sozinho provavelmente o salvou de um merecido reinício de trabalho.
Fora isso, havia pouca utilidade real ali… mas talvez era isso que Gurey estava visando. Era uma amostra, como ele disse, motivada a seduzir Zorian para uma cooperação ao sugerir a possibilidade de conceder acesso ao resto dos livros de Rofoltin. Se o velho parceiro de Gurey tivesse outros 5 livros como aquele, e cada um tivesse apenas uma coisa útil como os óculos, seriam alguns meses de tempo salvo ao seu alcance. E se Gurey estivesse guardando as coisas boas para o final como Zorian suspeitava… tentador. Muito mais tentador do que ele achou que isso seria.
Balançando a cabeça diante de sua própria ganância, ele trancou seu quarto atrás de si e partiu em direção à loja de Gurey. Ele teria que verificar com o homem o que exatamente ele esperava dele, mas… as chances eram de que ele dissesse sim. Na verdade, esse tipo de coisa não estava tão longe do que ele estava planejando fazer por sua conta em dado momento. As chances eram de que ele teria que aprender a invadir as casas das pessoas e a espionar magos mais cedo ou mais tarde — reunir informações sobre o loop temporal, Robe Vermelho e magia da alma obrigatoriamente exigiria isso em algum momento. Pelo menos dessa forma ele teria alguma orientação de alguém que já havia feito isso anteriormente, tendo a chance de praticar suas habilidades no que era provavelmente um alvo muito menos difícil, e de quebra, seria pago por isso em troca.
Percebendo que não estava com pressa para realmente confrontar Gurey, Zorian eventualmente diminuiu o ritmo e decidiu pegar a rota turística para o local. Ele observou vagamente as pessoas e os prédios enquanto vagava pela cidade, de repente se deu conta que sabia muito pouco sobre o lugar, apesar de morar lá há um tempo. Estava tão ocupado com outras coisas que explorar Knyazov Dveri verdadeiramente meio que escapou de sua mente. Ele nem mesmo examinou o acesso da Masmorra da cidade, embora isso tenha sido intencional — ele decidiu se conter em fazer isso até que tivesse a chance de julgar quanto de seu tempo e atenção suas outras tarefas nesse reinício tomariam e, no final das contas, decidiu deixar isso para algum outro reinício. A Masmorra não iria a lugar nenhum. De qualquer maneira, agora que ele tirou um tempo para explorar um pouco a cidade, podia dizer quase certamente que não havia perdido muita coisa. Ele já havia visitado a maioria das lojas para determinar quais eram os melhores preços para os ingredientes que estava reunindo, e, tirando isso, a cidade era bem mediana. Era parecida à Cyoria no sentido de que era uma cidade que claramente havia experimentado um rápido crescimento nos últimos tempos — o antigo centro da cidade era facilmente reconhecível pelos prédios de um andar pintados na tradicional cor amarela, que normalmente significava a arquitetura nativa de Eldemar, enquanto as camadas subsequentes que difundiam do centro tinham prédios mais novos de vários andares. Fora isso, ele não havia notado nada particularmente digno de nota, embora tivesse que reservar alguns dias para exploração só para ter certeza.
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