Capítulo 30 - Um Jogo de Lojas (2/3)
Finalmente, ele chegou ao prédio que proclamava orgulhosamente abrigar um estabelecimento comercial conhecido como Equipamentos de Cwili e Rofoltin e entrou. O pequeno sino preso à porta tocou quando Zorian entrou, notificando Gurey de sua chegada — uma solução surpreendentemente desprovida de magia, para uma loja de magia — e o homem corpulento rapidamente colocou a cabeça para fora da sala dos fundos, onde estava, para ver com o que estava lidando. Seus olhos brilharam imediatamente quando ele reconheceu Zorian.
“Estarei aí em um segundo!” O homem gritou antes de voltar ao que quer que estivesse trabalhando nos fundos. Zorian pegou a chance para estudar um pouco a loja enquanto esperava.
Assim como na primeira vez que esteve ali, ele ficou mais uma vez surpreso com a diversidade dos produtos vendidos pela loja de Gurey: ele ofertava de tudo, desde vestuários apropriados para a natureza até vários itens mágicos, poções, guias de sobrevivência, ervas secas e outros materiais mágicos usados por alquimistas e artífices, e por aí ia. E, na verdade, era ainda mais impressionante do que parecia à primeira vista — Zorian sabia, por suas conversas anteriores com o homem, que Gurey realmente oferecia muito mais do que estava exposto nas prateleiras de sua loja, contato que o cliente fosse devidamente versado ou soubesse como fazer as perguntas certas.
Gurey uma vez contou uma história sobre um cliente que tentou comprar as plantas em vasos decorativas que ele posicionou estrategicamente ao redor da loja para dar vida ao local, e embora Zorian entendesse o regozijo de Gurey com o incidente, ele também entendia como alguém poderia ter concluído que elas estavam à venda. Com todas as outras coisas que Gurey estava vendendo, realmente não surpreenderia Zorian descobrir que ele também negociava plantas em vasos.
“Ah, Zorian, meu amigo…” disse Gurey, saindo dos fundos e se aproximando dele. “Você leu? Um livro interessante, não é?”, ele incitou.
“Era… um tanto útil”, disse Zorian sem se comprometer. “Não muito por si só, mas se realmente houver mais alguns de onde esse veio, talvez possa realmente valer a pena trabalhar com você no seu… problema.”
Gurey franziu a testa, aparentemente esperando que ele ficasse mais impressionado com o trabalho de seu parceiro. Ele abriu a boca para falar, mas Zorian o interrompeu.
“Antes de discutirmos isso mais a fundo, prefiro que nos mudemos para algum lugar mais privado. Você tem uma sala onde eu possa instalar algumas barreiras básicas de privacidade?”
“Tenho algo melhor,” Gurey disse presunçosamente, rapidamente se livrando de seu desapontamento anterior. “Eu tenho uma sala com proteções de privacidade já presentes… e não apenas aquelas básicas. Me siga.”
Ele guiou Zorian para uma sala pequena e discreta com uma única mesa e duas cadeiras… uma sala cujas paredes, piso e teto estavam cheios de glifos mágicos e formas geométricas feitas de mana cristalizada. Gurey colocou a mão em um dos círculos e toda a fórmula complicada do feitiço pulsou duas vezes em luz azul brilhante antes de se tornar aparentemente inerte. Zorian, no entanto, não se deixou enganar — aqueles pulsos significavam que as partes mais intensivas em mana do esquema de proteção estavam se tornando ativas. Assim como muitos esquemas de proteção poderosos, o que ele estava olhando tinha dois modos — o normal, que conservava mana, que podia ser alimentado indefinidamente por sua fonte de mana, e o avançado, supercarregado, que queimava mana mais rápido do que os níveis de mana do ambiente podiam fornecer, mas era muito mais eficaz durante o tempo em que permanecia ativo.
O som de Gurey limpando a sua garganta o tirou de seus pensamentos, e ele percebeu que estava estudando as barreiras há um bom tempo. Oops.
“Isso também é ‘um tanto útil’?” perguntou Gurey com um sorriso malicioso quando percebeu ter a atenção de Zorian novamente.
“Não, isso é bem impressionante”, Zorian admitiu. “Também foi feito pelo seu antigo parceiro?”
“Sim”, Gurey assentiu. “Ele era muito bom nisso. Em montar barreiras, quero dizer. Também em quebrá-las e burlá-las, mas eu entendo que essas duas coisas estão relacionadas. Aprenda a fazer uma barreira e você estará 90% preparado para descobrir como derrotá-la.”
“Essa é a sabedoria convencional, sim,” concordou Zorian. Ele decidiu não demorar em torno do assunto por mais tempo. “Então… eu estou supondo que seu antigo parceiro era sua pessoa de refúgio para esse tipo de negócio no passado, e agora que ele está morto, você precisa encontrar outra pessoa para fazer seu trabalho sujo.”
“Meu, você é direto,” Gurey riu nervosamente. “Mas você acertou na mosca, mais ou menos. Veja… magia nunca foi minha praia, por mais estranho que isso possa soar vindo de um dono de loja de magia. Essa sempre foi a praia de Aldwin — ele era o único que se preocupava com a parte de conjuração de magias do comércio, enquanto eu sempre estive mais confortável com o lado mais mundano e civil das coisas. Fazer contatos, fechar tratos, encontrar novos parceiros de negócios, esse tipo de coisa. Eu sou um mago realmente terrível quando o assunto começa a se tratar disso. Eu mal consigo conjurar qualquer coisa.”
Zorian lançou-lhe um olhar curioso. “Estou quase certo de que o vi manipular mana várias vezes, e ativar o modo avançado de privacidade desta sala não poderia ter sido uma questão de apenas canalizar mana para aquele círculo.”
“Oh, eu sempre fui muito bom em usar itens mágicos”, disse Gurey. “Você não precisa ser um mago de verdade para fazer isso. Muita prática e alguns exercícios especializados de modelagem e você está pronto. Se você for razoavelmente rico como eu e viver sobre um poço de mana, você pode até encomendar itens que extraem poder da mana ambiente ao invés de minhas próprias reservas minúsculas… mas nós dois sabemos que há severas desvantagens em tais itens, e esse tipo de trabalho realmente precisa de um conjurador característico.”
Zorian assentiu. Ele estava considerando a possibilidade de usar itens mágicos ‘autoconjuráveis’ para suprir suas reservas de mana abaixo da média por um tempo, mas havia muitos problemas com isso. O problema central e inescapável era que as almas dos conjuradores eram muito boas em conjurar feitiços, enquanto até mesmo os itens mágicos mais bem feitos… não eram. Fazer um item que permitisse ao conjurador pular algumas etapas durante a conjuração era suficientemente simples, mas criar algo que fosse capaz de conjurar inteiramente um feitiço por conta própria sob comando? Difícil. Possivelmente muito difícil, ou até mesmo impossível, dependendo de qual magia você estava tentando gravar dentro do item. Esquemas de proteção e itens mágicos de uso único, como seus cubos explosivos suicidas, contornavam o problema por ter o criador conjurando a magia durante a criação, que era posteriormente estabilizada, evitando sua degradação, por uma fórmula de feitiço, mas essa gambiarra não era muito útil para a maioria das magias.
E então havia a questão de energizar tais itens. Nem todo lugar tinha muito em termos de mana ambiente, e mesmo lugares que tinham frequentemente não conseguiam fornecer a quantidade necessária para o feitiço de uma vez só. Isso significava que a maioria dos itens autoconjuráveis precisavam de uma bateria interna de mana, o que trazia uma série de problemas próprios. Nenhuma bateria era totalmente eficiente e confiável — todas vazavam mana em quantidades variadas e podiam explodir facilmente se sobrecarregadas ou mal construídas. E isso sem nem sequer entrar no número de feitiços de combate genuínos que foram projetados especificamente para fazer baterias de mana explodirem devido à pressão interna.
Considerando tudo, a criação de itens autoconjuráveis foi algo que Zorian colocou diretamente na categoria ‘provavelmente não vale a pena’. Ele não era nem de perto bom o suficiente com fórmulas de feitiço no momento para ter sucesso, e mesmo se fosse, ainda era um subcampo muito difícil de criação de itens mágicos que dava ganhos muito controversos. Embora ele eventualmente pretendesse rastrear um projeto para uma vara explosiva — provavelmente o mais simples dos itens autoconjuráveis que explodia qualquer coisa para a qual fosse apontado com uma torrente de energia mal contida, geralmente fogo. Um item apropriadamente nomeado, e um dos poucos autoconjuráveis que eram conhecidos por serem confiáveis e efetivos em combate real, pelo menos a curta distância. Isso não era uma prioridade, entretanto — o dito item seria mais um último recurso, um tipo de arma secundária, do que algo em torno do qual ele pudesse desenvolver suas habilidades.
“Contudo, eu não sou tão inútil nesse tipo de coisas de espionagem quanto você pensa”, disse Gurey. “Como eu disse, Aldwin era o conjurador, mas eu era quem identificava os alvos. Você não pode espionar uma ameaça a menos que saiba que ela é uma ameaça, afinal. E eu sempre fui muito bom em identificar quem era nossa concorrência e ficar de olho em suas atividades. As pessoas subestimam quanta informação você pode obter simplesmente por estar bem conectado e dar alguns presentes caros às pessoas.”
“Você quer dizer subornos”, disse Zorian.
“Zorian, meu amigo, você tem muito a aprender”, disse Gurey, balançando a cabeça. “Subornos são ilegais. Não há lei contra generosidade. Dar aquela garrafa de vinho caro para seu companheiro de bebedeira ou convidar alguém para aquele baile anual chique que eles sempre quiseram ir é apenas ser gentil, e ninguém pode provar o contrário.”
“Certo,” Zorian suspirou. “Acho que não devo comentar, já que estou disposto a seguir adiante com seus planos. E falando neles, por que não voltamos ao motivo de estarmos aqui em primeiro lugar? O que exatamente você quer de mim e o que está oferecendo?”
“Muito bem. Presumo que você saiba sobre a Loja Geral de Vazen?”
“A maior loja relacionada a magia da cidade?” perguntou Zorian.
“Essa, sim. O Equipamentos de Cwili e Rofoltin uma vez já foi maior e capaz de competir com eles em um maior pé de igualdade, mas desde a morte do meu parceiro há dois anos, esses dias passaram. Recentemente, eles fecharam um acordo com outra companhia de Cyoria, mas mantiveram silêncio sobre os conteúdos do trato. Todo mundo sabe que eles compraram um monte de esquemas de fórmulas de feitiço, receitas alquímicas e licenças de produção, então é óbvio que eles pretendem se ramificar seriamente no lado da produção do negócio, mas os detalhes exatos foram mantidos em segredo com êxito. Isso é um problema. Dependendo do que Vazen pretende produzir, algumas coisas vão cair drasticamente em valor, enquanto o preço das matérias-primas usadas para fazê-las subirão em um grau semelhante.”
“Entendo. Você precisa ver o que seu rival vai lançar para se preparar para o impacto que isso terá no mercado”, refletiu Zorian.
“Bem, isso, e para que eu possa ver se é possível opor o seu movimento de alguma maneira,” disse Gurey.
“Suponho que você saiba onde posso encontrar essa informação?” Zorian perguntou. “Não na própria loja, espero. Aquele lugar está condenado a ser fortemente protegido.”
“Não é nem de perto tão protegido quanto você imagina — algumas contramedidas básicas para impedir teletransporte e adivinhação, e é só isso. Mas o lugar está sempre vigiado, mesmo durante a noite, então você está certo de que eles não são algo com que você queira se meter. Felizmente, você não precisa. Ao fim, a própria paranoia de Vazen é sua ruína — descobri que, em vez de manter os documentos em sua loja fortemente protegida, ele os levou para sua casa muito menos protegida. Aparentemente, ele confia nem nos próprios funcionários.”
“Quão protegida é a casa dele?” perguntou Zorian.
“Bem, minhas informações podem estar um pouco desatualizadas, já que as obtive há dois anos e meio, do meu então parceiro vivo que explorou o prédio inteiro, mas duvido que muita coisa tenha mudado. Tem uma barreira anti-adivinhação, e todas as portas e janelas têm alarmes de intrusão, e só isso. No entanto, os documentos em si são mantidos em um cofre, e aquilo está fadado a ter defesas muito mais sérias.”
“Não é uma configuração tão ruim, para ser honesto,” Zorian disse após pensar sobre isso por um minuto. “A barreira de adivinhação impede a espionagem casual e torna impossível simplesmente ter um vislumbre mágico e teletransportar-se para dentro, enquanto os alarmes nas entradas impossibilitam simplesmente entrar furtivamente sem magia.”
Cobrir apenas as entradas com as barreiras era uma medida comum de conservação de mana. Verdade, isso tornava as proteções inúteis se os atacantes pudessem atravessar paredes ou estivessem dispostos a fazer sua própria entrada arrombando um buraco no prédio, mas os ladrões capazes de passar por matéria sólida tinham peixes grandes para caçar em vez de roubar lojistas insignificantes, e explodir buracos nas paredes meio que aterraria o ponto de tentar adquirir as informações de forma indetectável.
“De qualquer forma, você consegue se teletransportar, certo?” perguntou Gurey. “Quer dizer, tenho certeza que você pode — a velocidade de movimento em grandes distâncias que você demonstrou quase certamente requer isso — mas quão bom você é nisso?”
“Eu consigo me teletransportar,” Zorian disse hesitantemente. Ele não pensava que estava deixando isso tão óbvio, embora supusesse que não poderia continuar saindo de manhã e voltando antes do pôr do sol com coisas encontradas apenas nas profundezas da floresta sem que alguém questionasse como diabos ele estava fazendo isso. “Estou ficando muito bom nisso, na minha opinião. Levo um tempo para moldar o feitiço, mas consigo executá-lo consistentemente.”
“Excelente. Os alarmes de intrusão não devem ser um grande problema, então,” Gurey disse com um sorriso largo. “Aldwin tinha um truque elegante onde ele podia transformar um item em um tipo de farol de teletransporte e, em seguida, simplesmente teletransportar-se para sua localização sem ter estado lá no passado. Tenho certeza que posso fazer alguma coisa aparentemente inofensiva passar pela porta, você só precisa conjurar o feitiço nela. Eu não sei como conjurá-lo, mas Aldwin o escreveu em um de seus registros…”
“Feitiço, você disse? Nenhuma fórmula de feitiço envolvida?” perguntou Zorian curiosamente.
“Não. ‘Feitiço de retirada’, eu acho que é chamado assim. É um feitiço de duas partes — você primeiro conjura um farol pessoal de teletransporte em um item, e isso imediatamente cria uma conexão entre você e ele. Você pode, então, conjurar o segundo feitiço a qualquer momento, fazendo com que você seja ‘chamado de volta’ ao local do item. De acordo com Aldwin, ele era pensado a ser usado para uma fuga rápida – você conjura o primeiro feitiço em um ponto de retorno e então usa o segundo feitiço para teletransportar-se para lá caso você acabe em um beco sem saída.”
“Por que não usar um teletransporte comum para isso?” Zorian perguntou, franzindo a testa. “Soa como um mar de problemas para algo em que um teletransporte normal já resolve. Afinal, você já esteve no local para onde está se teletransportando se o configurou como um ponto de retorno.”
“Eu realmente não sei. Você terá que descobrir isso por conta própria se estiver interessado”, disse Gurey.
“Hm. Então, assumindo que esse feitiço funcione como descrito e você possa contrabandear algo para dentro, como disse que faria, eu ‘só’ tenho que derrotar a proteção do cofre para chegar aos documentos.”
“Sim. Essa parte será toda sua, já que não tenho ideia de onde ele está ou quais proteções ele tem”, confirmou Gurey.
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